O GÂNGSTER
A história de um traficante negro
que suplantou a máfia italiana em
Nova York, trazendo heroína pura do
Vietnã em aviões militares na década
de setenta – quando o presidente
Nixon dizia pela televisão que a
droga era a maior inimiga dos EUA -
deu argumento ao cineasta britânico
Ridley Scott para realizar, em O
Gângster, um thriller
policial de muita categoria, como há
muito não se via, um verdadeiro
clássico do gênero.
Se a história de Frank Lucas (Denzel
Washington) é diferente da de
qualquer outro traficante,
registrada como o foi por Ridley
Scott – realizador de Blade
Runner, entre outros –, ela
ganha implicações políticas de ótimo
alcance pelas ilações sarcásticas
que extrai principalmente de algumas
comemorações preservadas pela
sociedade americana, como as ceias
das exéquias de alguém e a do Dia de
Ação de Graças, em que o nome do
Senhor é louvado pela família do
traficante, enquanto centenas de
jovens morrem sob o efeito da droga
por ele trazida da Ásia.
Ao início do filme – cujo roteiro
foi escrito por Steven Zailian, com
base na reportagem The Return of
Superfly, de Mark Jacobson,
publicada pelo New York Magazine
– Lucas acompanha seu patrão, o
ex-líder do Harlem, um tipo de Robin
Hood, Bumpy Johnson (Clarence
Williams III), no último passeio
pela cidade após fazer suas benesses
aos pobres do Harlem pelo Dia de
Ação de Graças de 1969, o qual lhe
diz : - Este país cresceu tanto,
Lucas, que nós estamos perdendo o
nosso caminho. Estão eliminando os
fornecedores, os intermediários.
Agora só compram produtos
eletrônicos na fonte de produção.
Estão acabando com o emprego dos
americanos.
Nessas palavras de Bumpy, após
sua morte, Lucas encontra a fonte de
inspiração para montar seu próprio
negócio. Originário da Carolina do
Norte, onde cresceu segregado pelo
racismo, ele conseguiu chegar ao
Harlem, em Nova York, usando sua
postura, charme e boa conversa até
ali se fixar. Ciente de que os
soldados americanos se drogavam, no
Vietnã, com heroína – droga
injetável derivada do ópio -, ele
decide viajar para a fonte de
produção a fim de abastecer o
mercado com o produto puro.
Não tardaria muito, a droga chegaria
aos EUA nos caixões que traziam os
corpos dos soldados mortos em
combate, transportados por aviões
militares e, logo, seria colocada em
envelopes com a "marca" de qualidade
Blue Magic, vendida a preços
menores ou, pela metade, ao do
produto adulterado encontrado no
mercado.
Assim, em pouquíssimo tempo, Lucas,
jogando charme por cima das
corretoras, compra à vista
apartamentos em Manhattan e uma
suntuosa mansão nos arredores de
Nova York e traz a família – a mãe (Ruby
Dee, atriz de 83 anos, indicada ao
Oscar de Melhor Atriz Codjuvante),
os irmãos e os sobrinhos – e, com a
ajuda dos parentes, monta grande
rede de distribuição de Blue
Magic sob disfarce de oficinas
mecânicas, lavanderias, bares,
boates e restaurantes espalhados
pelo Harlem, Brooklyn, Bronx, Queens
e New Jersey.
Simultaneamente ao crescimento dos
negócios e da riqueza de Lucas,
entretanto, o roteiro de Zailan (de
A Lista de Schindler) mostra
a dureza e as agruras de um
detetive, do Condado de Essex,
Richie Roberts (Russell Crowe),
honesto até a raiz do cabelo, desses
que só existem no cinema – embora
seja aparentemente figura da
realidade -, capaz de devolver um
milhão de dólares, encontrados num
carro abandonado, para que os
colegas se apoderem da grana e gozem
na cara dele: escoteiro de m...!
E, além disso, o pobre do Richie
sofre pressão da desmiolada mulher,
Laurie Roberts (Carla Gugino), que
quer porque quer levar o filho do
casal, Michael, para viver em Las
Vegas, que o pai considera lugar
inadequado para o bom
desenvolvimento de uma criança. Além
disso, o super-caxias tem de se
submeter ao capcioso exame da Ordem
para se tornar advogado e aí, então,
vestido de terno, gravata e pasta na
mão terá condições de enfrentar de
igual para igual o poderoso Frank
Lucas, caído então em desgraça
porque, na verdade, como ressalta o
filme, o sucesso tem também
inimigos... E como tem!
Como o objetivo do roteiro é o de
fazer prevalecer a idéia de que, num
país democrático – pelo menos em
termos ideais - o império é da lei,
é evidente que o trabalho de Ridley
Scott teria de destacar, como
destacou, o duelo que se trava entre
as duas forças antagônicas: a do bem
(Richie) e a do mal (Lucas), embora
seja grande o número de personagens
que em torno de ambos gravitem,
tanto nos EUA, como no Vietnã.
Os planos arquitetados por Scott em
sua mise-en-scène, contudo,
contemplam mais a figura de Lucas,
isto é, a de Denzel Washington, que
emagreceu uns dez quilos a fim de se
tornar elegante e impecavelmente bem
vestido, enquanto Russel Crowe se
mostra um joão-ninguém, um
burocrata, baixo, gorducho e
desengonçado, ou seja, um desprezado
Davi, querendo enfrentar um Golias
de muito porte. Os dois atores,
entretanto, cada qual a seu modo,
estão perfeitos em suas atuações.
Mas a linguagem de Scott volta a
ser, como em O Gladiador, de
intenso brilho e próxima, no tipo de
abordagem, da de Scorsese em Os
Infiltrados, se bem que ele,
como Spike Lee, em O Plano
Perfeito, concretize melhor o
espetáculo. Observe-se, por exemplo,
o clímax que Scott alcança, quando
começa o desmonte da rede montada
por Lucas no momento em que ele, com
a família, deixa a igreja depois do
serviço religioso pós-Natal ao som
de um coral, cantando Amazing
Grace, de John Nilton, que faz
parte da excelente trilha sonora de
Marc Streitenfeld, composta de
clássicos da época e do rap moderno.
Scott também extrai efeitos
dramáticos, às vezes sórdidos, ao
fotografar as ruas de Nova York pela
lente de Harris Savides. E dá
merecido destaque à atuação de
outros atores como Chiwetel Ejifor
(Huey Lucas), Cuba Gooding Jr. (Nick
Barnes) e principalmente Josh Brolin
- ator em ascensão, intérprete de
mais dois filmes cotados para o
Oscar –, cujo personagem, o corrupto
Detetive Trupo, de New Jersey, tem
morte exemplar em termos de
composição cinematográfica. Enfim,
como espetáculo, O Gângster,
de Ridley Scott, é, sem dúvida
nenhuma, um dos melhores do ano.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
O GÂNGSTER
AMERICAN GANGSTER
EUA/2007
Duração – 157 minutos
Direção – Ridley Scott
Roteiro – Steven Zailian
Produção – Brian Grazer, Ridley
Scott
Fotografia – Harris Savides
Trilha Sonora – Marc Streitenfeld
Elenco – Denzel Washington (Frank
Lucas), Russell Crowe (Richie
Roberts), Josh Brolin (Detetive
Trupo), Cuba Gooding Jr. (Nick
Barnes), Chiwetel Ejifor (Huey
Lucas), Carla Gugino (Laurie
Roberts), Clarence William III (Bumpy
Johnson), Ruby Dee (mãe de Frank
Lucas), John Hawkes (Freddie
Spearman), Ted Levine (Lou Taback),
John Ortiz (Javy Rivera).