Theresa Catharina de Góes Campos

 

NA NATUREZA SELVAGEM

O que impressiona, desde as primeiras cenas de Na Natureza Selvagem, é como o seu realizador, também ator, Sean Penn conseguiu imprimir tanta sensibilidade em sua narrativa, sem cair na pieguice, para narrar a história de um jovem bom, puro, Christopher McCandless (Emile Hirsch), que deixou a família, no estado da Virginia (EUA), na década de noventa, primeiro, para se tornar andarilho, empregando-se em trabalhos temporários em atividades comerciais e agrícolas e, segundo, para ir à procura, no Alasca, daquilo que projetara ser a sua libertação.

Apoiado nas belíssimas imagens captadas pelas lentes de Eric Gautier (Diários de Motocicleta) e nas eloqüentes canções de Eddie Vedder, por ele mesmo interpretadas, Penn faz narrativa lírica e poética. Deixa então perceptível sua identidade com Christopher que, descontente com a situação social em que vivia e, sob a influência das idéias de Jack London, Henry David Thoreau e Leon Tolstoi, decide se isolar para sempre junto à natureza. A plasticidade da ação é, portanto, o elemento primordial do filme.

Mas é evidente também que Penn, como autor do roteiro, baseado no livro Into the Wild, de Jon Krekauer (1997), sabe respeitar a fronteira que o separa de Christopher. Assim, ele deixa que a personagem, exponha suas fraquezas e contradições até mesmo o egoísmo, próprio da idade, também embrião do autoritarismo, que se vai tornar elemento de identificação de Christopher com Ron Franz (Hal Holbrook), um militar reformado, veterano de guerra, o qual, da mesma forma, tem vida reclusa, isolada da sociedade.

Aos 22 anos, filho de um engenheiro da NASA, Walt McCandless (William Hurt) e graduado, com êxito, no College, Christopher está preparado para ingressar numa das mais famosas e caras universidades dos EUA, a de Harvard. Ele tem uma poupança de 24 mil dólares. Mas os pais - a mãe, Billie McCandless ( Márcia Gay Harden), é consultora de empresa  -  lhe garantem, na comemoração da formatura, a complementação da primeira anuidade na universidade, que gira em torno  de 36 mil dólares porque também, nos EUA, ensino é negócio de lucro. Além disso, os pais se oferecem para dar um novo carro ao futuro universitário, que, entretanto, o recusa.

O perfil que se esboça de andarilho em Christopher não é, portanto, muito diferente dos demais conhecidos em outros filmes, que se insurgem contra a família e partem, sem destino, pegando caronas pelas estradas à procura de aventuras no meio da imensidão do território americano ou, mais precisamente, no caso, uma jornada por Dakota do Sul, Arizona e Califórnia. Antes, porém, ele distribui a poupança que tem com os pobres.

A forma pela qual é narrada a busca de liberdade por Christopher contra o opressivo esquema da sociedade americana é, na verdade, o que seduz o espectador. Pois houve cuidado de Penn em estruturar o roteiro, jogando ora com o presente, ora com o passado e mostrando não só a perspectiva do andarilho, mas também a de quem ele deixou sofrendo para trás, pela narrativa em off da irmã, Carine McCandless (Jena Malone).

É Carine quem faz a ponte de Chris – como ela chama o irmão – com o passado, revivendo os tempos em que ambos eram crianças e presenciavam as constantes desavenças entre os pais, que se xingavam e se atracavam mutuamente. Talvez seja por isso que eles tanto se martirizem, no presente, diante do sumiço do filho que, para se isolar ainda mais da família, muda de nome. Destrói a carteira de identidade. E passa a se chamar Alexander Supertramp.

Se Penn realiza excelente trabalho como roteirista e como diretor, também como selecionador e orientador de atores ele deixa evidente sua marca de qualidade. Pois não há  nota dissonante em termos de interpretação. Até mesmo Brian Dierker, treinador de caiaque de Emile Hirsch, que Penn convenceu a interpretar o papel de Rainey, um hippie, que viaja, num trailer, com a companheira Jan (Catherine Keener), apresenta bom desempenho.

Quanto a Márcia Gay Harden, William Hurt e Vince Vaughn estão, como sempre, muito bem em papéis - principalmente o do último, de Wayne Westerberg - de curta duração. E o experiente Hal Holbrook impressiona muito, como o veterano de guerra Ron Franz que, ao se despedir de Christopher, antes que parta para o Alasca, na estrada, de dentro da picape, produz a cena mais comovente do filme. Tanto assim que mereceu a indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, o qual acabou sendo conquistado por Javier Bardem.

Mas é inegavelmente Emile Hirsch, depois de Sean Penn, a grande estrela de Na Natureza Selvagem. Com 22 anos, Hirsch se torna, depois dessa sua brilhante atuação, um dos nomes mais respeitáveis do cinema americano. Quem o viu em Alpha Dog, de Nick Cassavetes, no papel do criminoso, Jesse James Hollywood, preso no Brasil, que aguarda julgamento na Califórnia, fica surpreso com a evolução. Não porque sua atuação teria sido fraca no filme de Cassavetes. Era como se fora, sim, um diamante para ser lapidado. Pois a lapidação lhe foi dada agora por Penn, que entende, como ninguém, de como se deve compor uma personagem. O ator está soberbo. Chega a se desfigurar por completo ao perder 15 quilos a fim de atingir a plenitude da personagem Christopher, que, embora tardiamente, só nos momentos finais, chega à compreensão de que: - a felicidade tem de ser compartilhada!... É filme que, obrigatoriamente, precisa ser visto.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
NA NATUREZA SELVAGEM
INTO THE WILD
EUA/2007

Duração – 140 minutos
Direção  – Sean Penn
Roteiro – Sean Penn, com base no livro Into the Wild, de Jon Krakauer
Produção – Sean Penn, Art Linson, Bill Pohlad
Fotografia – Eric Gautier
Música Original – Eddie Vedder
Edição – Jay Cassidy
Elenco – Emile Hirsch (Christopher McCandless), William Hurt ( Walt McCandless), Marcia Gay Harden (Billie McCandless), Hal Holbrook ( Ron Franz), Jena Malone ( Carine McCandless), Vince Vaughn (Wayne Westerberg), Kristen Stewart (Tracy), Brian Dierker (Rainey) Catherine Keener (Jan Burres) e Zach Galifianakis (Kevin )

 

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