SICKO
– SOS SAUDE
Em Sicko – SOS Saúde, o
documentarista Michael Moore dá
continuidade às suas virulentas e
também panfletárias críticas às
instituições americanas. Ele ataca,
desta feita, o sistema de saúde dos
EUA, que, conforme demonstra, expõe
a população ao abandono ou à
ganância dos planos particulares de
saúde. Há uma cena impressionante,
captada por câmara de segurança, de
uma paciente, que, por não ter
dinheiro para pagar o tratamento de
que precisava, foi jogada à rua por
um hospital não identificado de Los
Angeles.
Como para o artista ou para o
político, é difícil dizer verdades,
Moore falseia situações, como as de
Cuba, escamoteia fatos e obscurece
outros. Mas, do resultado de tudo,
isto é, de verdades e de mentiras,
ele extrai um documento final
contundente que atinge em cheio a
ferida representada pela falta de
assistência social aos cidadãos dos
EUA, país que, por incrível que
pareça, exibe hoje um dos maiores
índices de mortalidade infantil do
mundo e, no qual, mais de 50 milhões
de habitantes não têm acesso a
planos de saúde.
De qualquer forma, porém, como
destaca Moore ao início do filme,
não são mais felizes os americanos
que têm acesso aos planos de saúde,
que os exploram a mais não poder. É
o exemplo dado por um casal que, ao
final da vida - porque ele sofreu
dois enfartes e, a mulher teve
câncer -, perdeu tudo, até mesmo a
casa em que criou os quatro filhos.
Sem ter para onde ir, o casal foi-se
abrigar no exíguo escritório de um
dos filhos, tendo de se acomodar em
beliche.
Outros depoimentos apresentados
demonstram, com exatidão, a sanha
dos planos de saúde por lucros, como
o de um carpinteiro, acidentado na
serra elétrica, que se viu forçado a
restaurar apenas o dedo médio,
decepado, por 12 mil dólares porque,
se restaurasse, da mesma forma, o
indicador, também atingido, teria de
pagar 60 mil dólares. Com ironia,
Moore comenta: Por ser um
romântico irremediável, o
carpinteiro escolheu o dedo anular
em que usa a aliança de casamento.
Ao fazer um relato histórico da
situação calamitosa a que se
encontra exposta a população
americana, em relação ao seu sistema
de saúde, Moore não poupa críticas,
primeiro, ao ex-presidente Ronald
Reagan, que, nas décadas de 40 e 50,
foi contratado, como
garoto-propaganda, pela American
Medical Association a fim de -
em filmete divulgado pela televisão
- apelar à classe trabalhadora
americana para rejeitar a "medicina
socializada", tida então como
subversão comunista.
Em segundo lugar, Moore critica
Richard Nixon, de quem exibe
gravação em áudio, dizendo que, para
empurrar o povo ao sistema de saúde
corrupto por ele aprovado, bastaria
piorar o atendimento público, como
de fato aconteceu, conforme mostram
as imagens de arquivo projetadas em
seguida. Qualquer semelhança com o
que acontece no Brasil de hoje,
portanto, não é mera coincidência.
E, em terceiro lugar, Moore ataca a
aspirante democrata à Casa Branca,
Hillary Clinton: - Ela –
diz ele – foi premiada por seu
silêncio (em 2007) como a segunda
maior receptora, no Senado, de
contribuições da indústria de
assistência à saúde.
Moore só aparece em cena, porém,
quando compara o sistema de saúde
americano com os de outros países
que atendem melhor ou, pelo menos,
de maneira mais humana aos seus
cidadãos. Mas nem tudo funciona bem,
para Moore, no primeiro caso, o do
Canadá, pois seus argumentos não
convencem muito, apesar de ele
reunir algumas pessoas que elogiam o
sistema. Como se sabe, esse sistema
é acerbamente criticado pelo maior
cineasta canadense, Denis Arcand, na
sua trilogia sobre a civilização
moderna, que se iniciou em
Declínio do Império Americano,
prosseguiu em As Invasões
Bárbaras (Oscar de Melhor Filme
Estrangeiro de 2004) e, agora, ficou
concluída em A Era da Inocência.
As comparações seguintes, com a
Inglaterra e com a França – cujos
sistemas de saúde são modelares, de
muita respeitabilidade por seu
atendimento ao público – se dão de
forma mais autêntica e tranqüila. Na
Inglaterra, tudo é gratuito. E o
atendimento é perfeito. Um dos
depoentes destaca que boa
assistência pública, na área de
saúde, segundo o entendimento do
governo britânico, é um dos pilares
de sustentação do regime
democrático, que não foi abalado -
embora ele não o diga - nem por
Margareth Thatcher.
Moore entrevista um médico inglês,
nada estressado como os nossos, que
ganha bem, vive bem, tem tempo para
atualizar seus conhecimentos
científicos e prestar atendimento,
no hospital, da forma mais eficiente
possível. O cineasta, em seguida,
aborda um casal, feliz da vida,
deixando o hospital, após o
nascimento do filho, o que nada lhe
custou. E finalmente mostra o guichê
da tesouraria do hospital que serve
apenas para subsidiar pacientes, os
quais, por qualquer motivo, não têm
recursos para voltar para casa.
Na França, Moore reúne vários
americanos, que moram há anos no
país e, que, conforme afirmam, se
sentem lá, maravilhosamente bem.
Eles destacam principalmente o
atendimento médico aos pacientes em
casa, mesmo de madrugada, sem custo
algum. Uma das americanas
entrevistadas, ao traçar um paralelo
entre o atendimento médico dos EUA e
o da França, afirma: A diferença
fundamental sobre o atendimento ao
cidadão, nos dois países, é a de que
o governo francês teme o povo, que
por qualquer coisa vai para a rua
protestar. Já nos EUA, o povo teme
o governo...
Moore ressalta então o estado de
penúria em que vivem bombeiros e
paramédicos que atenderam vítimas do
ataque terrorista às torres gêmeas
do World Trade Center,
afetados até hoje por diversos tipos
de doenças nas vias respiratórias,
que não contam com qualquer tipo de
assistência do governo, apesar das
homenagens que receberam após o 11
de Setembro de 2001. O quadro é
realmente contristador. E causa mais
estranheza, quando o cineasta
documenta o apurado nível de
assistência médica que a CIA dá aos
suspeitos de atos terroristas presos
em Guantánamo, para onde ele conduz
os bombeiros e paramédicos
desassistidos, numa tentativa, sem
êxito, de lhes conseguir o mesmo
benefício.
Mas o filme perde a seriedade, isto
é, o valor documental, quando Moore
leva os heróis do 11 de Setembro de
2001 para Havana ao som de uma
música, cuja letra diz que em Cuba
todo o mundo está contente e
feliz!... Também não é para menos,
pois as imagens mostram,
inicialmente, aquilo que todos
estamos cansados de ver: em Havana,
a gente é paga pelo governo para
dormir nas ruas...Os que roncam
mais, como diria célebre escritor
francês, ganham mais!... Enfim, um
paraíso. Mas, se, um dia, Cuba tiver
de acordar do sono letárgico em que
se encontra há cinqüenta anos, os
potenciais trabalhadores, que lá
existem, inabilitados para tudo,
não vão ter como tocar o país ao
ritmo de seus vizinhos.
Então Moore encaminha os bombeiros e
paramédicos desassistidos em seu
país para obterem assistência
médica: - Igual a que todos os
cubanos recebem, conforme
enfatiza. Só que, em tempos de
internet, todo mundo sabe que o que
ele vai mostrar em seguida não é o
que, de fato, acontece. É pura
enganação ou mentira. Pois o
hospital que recebe os americanos,
levados por Moore, está longe de ser
os pardieiros sujos, imundos, onde
se acomodam os cubanos. É, sim, o da
elite governamental de Cuba, que
atende também a turistas
estrangeiros contra o pagamento em
dólar. Realmente, não precisava
dessa encenação!... Apesar desse
deslize, vale a pena, e muito, ver
Sicko – SOS Saúde , de
Michael Moore, que, além disso, tem
bom tratamento cinematográfico, no
que diz respeito, principalmente à
fotografia, à edição e à música
original.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
SICKO – SOS SAÚDE
SICKO
EUA/2007
Duração – 123 minutos
Direção e Roteiro – Michael Moore
Produção – Michael Moore e Moghan
O'Hara
Fotografia – Tony Hudman e Peter
Nelson (EUA), Andy Black (Europa) e
Jenyme Roy (Cuba)
Edição – Dan Swiethik, Geoffrey
Richman e Christopher Seniard
Música Original – Erin O'Hara
Elenco – Michael Moore, Ronald
Reagan, Richard Nixon, George W.
Bush, Bill Clinton, Hillary Clinton