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As Nações Unidas e
o Combate à Corrupção
Há exatamente um ano entrou em
vigor a mais jovem Convenção da ONU, com a
missão de controlar e prevenir a corrupção – um
problema mundial, que requer respostas de igual
dimensão. A Convenção das Nações Unidas contra a
Corrupção (UNCAC, na sigla em inglês) foi
adotada pela Assembléia Geral em outubro de 2003
e assinada por mais de 110 países, entre eles o
Brasil, em 9 de dezembro do mesmo ano. A data
ficou conhecida como o Dia Internacional contra
a Corrupção, proposta apresentada pela delegação
brasileira. A UNCAC entrou em vigor em 14 de
dezembro de 2005, após atingir o número mínimo
de ratificações. Além de ser bastante
abrangente, este é o primeiro instrumento
internacional anticorrupção juridicamente
vinculante. Até hoje, 140 países assinaram a
Convenção e 80 a ratificaram, entre eles o
Brasil, em junho de 2005. O Escritório das
Nações Unidas Contra Drogas e Crime (UNODC) –
guardião da UNCAC – tem certeza de que este
será, como dizem os brasileiros, um marco
jurídico que "vai pegar". Mas para isso é
preciso vontade política, em todos os países.
Quando todos os governos implementarem de fato a
Convenção, e transformarem a teoria em prática,
será possível restringirmos a níveis mínimos os
desvios da corrupção. Para isso é imprescindível
a cooperação internacional. A Convenção ressalta
a importância da recuperação de ativos. Com
trabalho conjunto em cooperação policial e
jurídica será possível rastrear, bloquear e
devolver somas de dinheiro desviadas para o
exterior. Países ricos e em desenvolvimento têm
um papel a cumprir. Sem vontade política interna
a corrupção não será criminalizada. E os mais
prejudicados são os grupos mais pobres, que
dependem do bom funcionamento dos serviços
públicos, sem desvio de verbas. A corrupção é um
imposto artificial, uma barreira aos
investimentos. Restringe o crescimento do país,
corrói a confiança nas instituições e o elo
entre a sociedade.
Parte importante dos esforços multilaterais de
controlar a corrupção é monitorar como a UNCAC
vem sendo implementada. São necessários
mecanismos legítimos e imparciais. Sobre isso se
trata a reunião que termina hoje na Jordânia com
800 representantes dos países signatários. A
conferência acompanha a harmonização das leis
dos países de acordo com a Convenção, os
esforços em recuperação de ativos e a cooperação
técnica para controlar a corrupção. A princípio,
os países terão um mecanismo de auto-avaliação
baseado numa lista de compromissos firmados na
UNCAC. Com isso, governos podem identificar
áreas mais vulneráveis e falhas na implementação
para elaborar um plano de ação, com cronograma e
prioridades a atingir. Posteriormente, o
mecanismo vai testar o grau de implementação em
países ricos e em desenvolvimento.
O aprimoramento legislativo em consonância com a
UNCAC é gradual, pode demorar até cinco anos.
No dia 31 de janeiro deste ano a Convenção foi
promulgada e passou a vigorar no Brasil com
força de lei. Um estudo recente do Ministério
Público Federal analisou artigos da UNCAC que
ainda não constam na legislação brasileira.
Entre eles estão o Art. 7, sobre medidas
legislativas e administrativas para aumentar a
transparência sobre financiamento de campanhas
eleitorais e de partidos políticos. Outras
questões ainda não foram tipificadas como crime,
como enriquecimento ilícito (Art. 20) e suborno
no setor privado (Art.21). Atualmente, tramita
no Congresso um projeto de lei para criminalizar
o enriquecimento ilícito – ainda sem previsão de
aprovação.
Pode parecer utopia crer num mundo sem
corrupção. E teria sido ingênuo achar que
ficaremos livre dela só porque as Nações Unidas
– os países membros – entraram em acordo para a
criação de uma Convenção. Mas a UNCAC é uma
ferramenta poderosa para a prevenção e a
criminalização da corrupção – no setor público e
privado – e prevê a participação da sociedade
civil na fiscalização de contas e em campanhas
de prevenção. Com medidas eficazes – e vontade
política – certamente podemos reduzir o impacto
da corrupção nos governos, nas empresas e na
vida dos cidadãos. Precisamos de uma cultura
anticorrupção, de diretrizes...de horizontes.
Como escreveu o uruguaio Eduardo Galeano, para
isso servem as utopias: "para que não deixemos
de caminhar".
Giovanni Quaglia,
55, é representante do Escritório das Nações
Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) para o
Brasil e Cone Sul e trabalha há 30 anos no
sistema ONU. No UNODC, foi Chefe das Operações
na sede, em Viena, e representante no Paquistão,
Afeganistão, Irã, Bolívia e Brasil. Além da
Convenção da ONU contra a Corrupção, o UNODC é
guardião das Convenções da ONU sobre Drogas,
Crime Organizado e seus Protocolos sobre
Contrabando de Migrantes, Tráfico de Pessoas e
Tráfico de Armas.
Artigo publicado na seção DEBATES - Folha de São
Paulo, 14/12/2006
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