Theresa Catharina de Góes Campos

 

APENAS UMA VEZ

Apenas Uma Vez, do cineasta irlandês John Carney, é um filme terno e poético, de linha naturalista, sobre duas criaturas que ao acaso se encontram, nas ruas de Dublin, movidas por uma grande paixão pela música, a qual as faz superar as condições adversas em que vivem de forma a levá-las a ter uma experiência inesquecível.

De orçamento barato e linguagem simples, o filme surpreende graças à inequívoca demonstração de talento de seus realizadores, entendidos como tais, não só os integrantes da equipe técnica, mas principalmente os dois atores, Glen Hansard e Markéta Irglová, que são também compositores das músicas que constituem a trilha sonora, indicada ao Grammy de Ouro. É assinada por eles a canção  Falling Slowly, que conquistou o Oscar, este ano, de Melhor Canção Original.

A película, que ganhou o Independent Spirit Award de Melhor Filme Estrangeiro, tem início numa rua comercial de Dublin, onde um cantor (Glen Hansard) se exibe, ao final de cada dia, com sua guitarra, para obter algum dinheiro dos transeuntes. Numa seqüência chapliniana – não só pela atmosfera, como também pela movimentação no quadro –, se acerca dele um indivíduo (Darren Healy), meio bêbado, meio drogado, desejoso de  lhe arrebatar o dinheiro arrecadado.

Depois de se ver livre do intruso, a quem dá uma parte da féria recebida naquele dia, o cantor começa a interpretar uma canção Say It To Me Now, de acordes fortes tirados da guitarra em que fala de dolorosa solidão. É quando dele se aproxima, de forma inopinada, uma vendedora de flores (Markéta Irglová), imigrante checa, que começa a lhe fazer insistentes perguntas sobre sua vida e a  inspiradora da canção.

Ele lhe diz então que sua amada se encontra distante, em Londres, para onde também tenciona ir, um dia, a fim de dar prosseguimento à sua carreira artística. Revela ainda que, além de ser cantor de rua, ajuda o pai numa oficina, no subúrbio, de reparos de aspiradores de pó. Ela fica satisfeita ao saber disso, pois, segundo afirma, numa reação espontânea, tem um que não funciona.

Na tarde seguinte, a vendedora de flores reaparece diante do cantor, trazendo-lhe o aspirador de pó estragado para que ele o conserte. Meio desajeitado, ele se desculpa, declarando que não tem ali as ferramentas adequadas para consertar o aparelho, mas aceita a sugestão dela de irem ambos fazer pequena refeição num bar das redondezas.

No caminho, porém, depois da refeição, a vendedora de flores convida o cantor a entrar numa loja de instrumentos musicais. Ele estranha o convite. Ela esclarece que costuma freqüentar o estabelecimento porque o dono lhe permite tocar piano por algum tempo. Os dois são de fato bem recebidos. Mas o proprietário avisa que o Yamaha, que a vendedora de flores costuma tocar, fora vendido. Acrescenta, entretanto, que há outros à sua disposição.

Ela se senta diante de um dos pianos e começa a executar a famosa Romance Sem Palavras. Surpreso com a execução, o cantor lhe pergunta se a música seria de sua autoria. Ao que ela, prontamente, responde:  - Não, é de Mendelssohn!... Mas, de imediato, ela indaga a ele se não haveria alguma canção de sua autoria para que ambos pudessem executar em parceria. É então que ele começa a solfejar e a cantar Falling Slowly, em fase ainda de composição, para que ela transponha para o teclado, o que vai aos poucos acontecendo, numa seqüência que talvez seja a mais bela do filme.

A partir de então, ela vai à casa dele a fim de consertar o aspirador de pó e conhece o seu pai (Bill Hodnett), técnico experiente no assunto. Ele também vai à casa dela e conhece sua mãe (Danuse Ktrestova) e a filha (Niall Cleary), nascida nos tempos em que ela morava em Praga, com o marido, que ainda lá se encontra. Uma colaboração surge então, entre os dois, no campo da música, que os leva à realização de um sonho, mas sem que ambos deixem de observar que têm ainda compromissos anteriores a serem preservados.

Os dois intérpretes – ele, Glen Hansard, é integrante da banda de rock The Frames -, sem fazerem pesquisa ou composição de personagens, aparecem como são na realidade, mas de forma natural, espontânea e usando o recurso da improvisação.  Hansard, que  tem vivência de palco, ocupa espaço com mais desenvoltura do que Markéta Irglová, que, em algumas seqüências, se mostra tímida e inibida, o que acaba sendo bom para a personagem. A sintonia, porém, que existe entre ambos é perfeita.

Sob o aspecto técnico, o grande feito da direção de John Carney foi, a meu ver, o de usar a opacidade fotográfica – pelas inspiradas lentes de Tim Fleming – para exprimir, com propriedade, que a opressão da pobreza e da falta de perspectiva, a qual se exerce sobre as demais pessoas, numa cidade como Dublin, não é capaz de abater, em momento algum, o espírito dos dois amantes da música. É, pois, um filme imperdível. Recomendo, contudo, que o espectador não deixe a sala antes que se encerre a projeção dos créditos finais para ouvir, na íntegra, a canção Once, de Glen Hansard, que dá título ao filme. É também muito bonita.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
APENAS UMA VEZ
ONCE

Irlanda/2006
Duração – 85 minutos
Direção – John Carney
Roteiro – John Carney
Produção – Martin Niland
Fotografia – Tim Fleming
Música – Glen Hansard e Markéta Irglová
Edição - Paul Mullen

Elenco – Glen Hansard (Cantor de Rua), Markéta Irglová (Vendedora de Flores), Darren Yaarly (Bêbado), Bill Hodnet (Pai), Danuse Ktrestova (Mãe), Niall Cleary (Filha).

 

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