Theresa Catharina de Góes Campos

 

ESTAMOS BEM MESMO SEM VOCÊ

Estamos Bem Mesmo Sem Você, que marca a estréia na direção de Kim Rossi Stuart, ganhador do prêmio de Melhor Ator do Festival de Veneza (2004) por sua atuação em As Chaves de Casa, de Gianni Amelio, aborda, numa linguagem convencional, o tema que se vem tornando recorrente no cinema, registro de um fenômeno social dos tempos atuais: o do pai que assume, sem ajuda da mulher, a responsabilidade da criação dos filhos.

Também intérprete do papel de pai, Renato Benetti, além de autor do roteiro, em colaboração com outros – Federico Starnone, Francesco Giammusso e Linda Ferri -, Rossi Stuart surpreende não só por imprimir autoridade na condução da narrativa, como também por saber orientar o elenco e principalmente por revelar Alessandro Morace, intérprete de Tommaso Benetti, um ator infantil de excepcional qualidade.

Na condução da narrativa, Rossi Stuart não faz experimentos de linguagem, como Christophe Honoré, que trata do mesmo tema, no filme Em Paris, nem consegue evitar que algumas seqüências resvalem para uma dramaticidade às vezes pouco convincente. Mas, sob a perspectiva de Tommaso, sabe construir cenas tocantes que mostram antes de tudo como se desenvolve, diante do infortúnio, uma personalidade.

É sob esse aspecto que cresce o tom da narrativa de Rossi Stuart que, para isso, se vale até mesmo de tênue gradação no tom da fotografia de Stefano Falivene a fim de sinalizar o tipo de impacto - de vivacidade ou de aborrecimento - que ocorre, no íntimo do garoto Tommaso, de 11 anos, a cada circunstância nova que se lhe apresenta.

A história é a de um cinegrafista, Renato, que ganha pouco e se desdobra, em suas atividades domésticas, para propiciar ao casal de filhos – a menina é Viola ( Nuta Nobili), de 15 anos – uma vida de condições razoáveis. Diante disso, abandonado pela família e pela mulher, Stefania Benetti (Barbora Bobulova), que o teria trocado por outro mais endinheirado, ele, sem dar vazão à sua necessidade de afeto, se desgasta emocionalmente, o que se reflete, como é inevitável, na maneira de tratar os filhos.

Sob a ótica de Tommaso, o pai não gosta de ser contrariado em nada. A opinião dele é que deve prevalecer sempre. Por exemplo, Tommaso é apaixonado por futebol. Diverte-se vendo o DVD sobre a vida de Pelé. E gostaria muito de freqüentar a escolinha de futebol que existe nas proximidades de sua casa, mas o pai insiste em que ele deve aprender natação, embora a piscina fique um pouco mais distante.

Às vésperas de Renato fazer uma viagem a fim de adquirir sua própria câmara de filmagens, a vida da família sofre o abalo do retorno de Stefania que, chorando, implora ao ex-marido que a deixe ficar novamente junto aos filhos. Diz estar arrependida de tudo o que fez e outras lérias. O escarcéu que Renato promove, entretanto, afeta o ânimo dos filhos, que também lhe pedem, chorando, antes de ir para a escola, que deixe a mãe ficar.

Quando os filhos retornam, encontram uma situação mais serena em casa ante a demonstração de Renato de estar propenso a aceitar mais uma vez Stefania de volta. Ela, por sua vez, faz de tudo para se ajustar à realidade comezinha, ao seu conceito, da vida doméstica, o que não passa, de forma alguma, despercebido ao filho Tommaso que, por meio de jogo fisionômico expressivo, deixa evidente não acreditar na permanência dela, no lar, por muito tempo.

O ator Alessandro Morace, embora de pouca idade, é o dono da cena do começo ao fim do filme. Rossi Stuart, que atuou ao lado do inesquecível garoto deficiente Andrea Rossi, em As Chaves de Casa, valoriza ao máximo o trabalho de Morace, principalmente quando Tommaso, convidado a ir esquiar nas montanhas, com o amigo Antonio (Sebastian Tiraboschi), já a caminho, se conscientiza de que não deve deixar o pai no momento em que ele enfrenta tantas dificuldades. Para a idade que tem, Morace é um ator completo, já maduro que segue à risca a linha da direção.

Também a atriz Barbora Bobulova, embora apareça pouco no papel de Stefania Bennetti, tem atuação marcante, mostrando como sua personagem não se ajusta ao quadro familiar. Embora se faça presente, seu pensamento está sempre distante, fixado no que acontece nas altas rodas sociais. Já Rossi Stuart, como intérprete, se descuida um pouco. Não tem aquela atuação que comoveu Veneza no filme de Gianni Amelio. De qualquer forma, seu trabalho atrás das câmaras é digno de reconhecimento, tanto assim que, além do David di Donattelo de Melhor Diretor Estreante, se tornou merecedor de mais sete prêmios e seis indicações internacionais. Estamos Bem Mesmo Sem Você é filme, portanto, que merece ser visto.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
ESTAMOS BEM MESMO SEM VOCÊ
ANCHE LIBERO VA BENE 

Itália / 2006
Duração – 108 minutos
Direção – Kim Rossi Stuart
Roteiro – Kim Rossi Stuart, Federico Starnone, Francesco Giammusso, Linda Ferri
Produção – Andréa Constantini, Carlos Degli Esposti, Giorgio Nagliulo
Fotografia – Stefano Falivene
Música Original – Banda Osíris
Edição – Marea Spoletini

Elenco – Alessandro Morace (Tommaso), Barbora Bobulova (Stefania Benetti), Nuta Nobili (Viola Benetti), Kim Rossi Stuart (Renato Benetti), Federico Santolini (Cláudio) e Sebastian Tiraboschi (Antonio).

 

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