Condor
são dois filmes, não um. O
primeiro contextualiza a
operação Condor, uma estratégia
armada pelos militares
ditatoriais da America Latina
dos anos 1970 - sobretudo de
países como Argentina, Chile e
Brasil – com o objetivo de
realizar um intercâmbio de
informações e de prisioneiros
entre seus governos. O segundo
traz histórias de bebês
seqüestrados pelas ditaduras que
migraram de um país a outro por
meio desse aparelho militar
integrado.
Se fossem exibidos
separadamente, o Condor
político e engajado seria apenas
um registro histórico
comprometido com um dos lados em
questão, assim como todo
documentário político e
engajado. Já o outro, o
Condor emotivo, que não se
prende à questão política e
aborda dramas familiares com
certa sensibilidade, seria um
ótimo argumento de um filme que
tivesse essas pequenas histórias
no centro de suas atenções.
Juntos, porém, têm um efeito
perverso:
o lado emocional do filme
parece estar sendo explorado
pelo diretor Roberto Mader com o
intuito de sensibilizar a
platéia e legitimar a
caracterização maniqueísta das
personagens.
A iniciativa de contar a
história da Operação Condor,
cuja existência teria sido
negada ou desconhecida por muito
tempo, justifica o didatismo que
toma conta da primeira metade do
filme. Contudo, é nesse mesmo
didatismo que reside o mais
grave dos problemas do
documentário: Mader quer
explicar o que foi que
aconteceu, mas se exime da
preocupação de responder por que
a Operação existiu.
Mader consegue responder à
pergunta "como foi a Operação?"
apenas porque aquele material,
repleto de torturas, mortes e
desaparecimentos, compromete
apenas os réus de seu filme.
Todavia, ao deixar de lado qual
seria a razão para a criação de
um esquema continental de
repressão, fica a errônea
impressão de que os militares
são gratuitamente truculentos,
ou seja, de que matam e torturam
por puro instinto cruel e
sanguinário.
Evitar os "porquês" da Operação
sinaliza o comprometimento com
as esquerdas, vitimizadas de
cabo a rabo ao longo do
documentário. Para respondê-los,
seria preciso mostrar atitudes
violentas realizadas por aqueles
em quem Mader prefere fazer um
cafuné. Por que não dizer que as
esquerdas que combateram armadas
às ditaduras na America Latina
não almejavam uma democracia
liberal, mas uma ditadura à sua
maneira?
O verdadeiro mérito de Mader foi
mostrar Jarbas Passarinho, chefe
do SNI (Serviço Nacional de
Informações) do governo Geisel,
reconhecendo a existência da
Operação Condor. Tal atitude,
contudo, coloca o diretor em uma
saia justa. Os vilões de sua
história são honestos com a
História; já a caracterização
inverídica das esquerdas, não. A
ausência de um olhar autocrítico
das esquerdas, portanto, faz de
Condor um
documento histórico muito
frágil.
A abordagem totalmente
comprometida com a vilanização
dos ditadores faz com que o
documentário falte com a verdade
histórica. E são justamente os
depoimentos de Jarbas Passarinho
e Manuel Contreras, aqueles que
a montagem prefere
ridicularizar, que dão algum
valor ao filme. Até porque são
elas as personagens realmente
confrontados pelo diretor. Se
também colocasse as esquerdas (e
a si próprio) no banco dos réus,
talvez Mader não produzisse um
filme tão descartável. |