Theresa Catharina de Góes Campos

 

LONGE DELA

Em sua estréia como diretora, a talentosa atriz canadense Sarah Polley, de apenas 28 anos, dá ao filme Longe Dela uma atmosfera bergmaniana – rica em simbologia - para narrar a comovente história de um casal que, após cinqüenta anos de vida relativamente feliz, se vê forçado a se separar, pela primeira vez, por haver sido ela diagnosticada como portadora do Mal de Alzheimer.

Há de se destacar, antes de tudo, a habilidade com que Sarah Polley adaptou, para a linguagem cinematográfica, o conto The Bear Came Over The Mountain,  de Alice Munro - que também colaborou na elaboração do roteiro -  desenvolvendo não só a história do casal, mas induzindo, ao mesmo tempo, a reflexão do espectador sobre os sintomas da doença de Alzheimer, por meio da leitura de excertos de documentos científicos e literários, sem cair, em momento algum, no didatismo.

É notável também como a atriz Sarah Polley (A Vida Secreta das Palavras e Minha Vida Sem Mim), em seu primeiro trabalho atrás das câmaras, sabe explorar, como poucos, aspectos do cenário para exprimir estados emocionais das personagens ao estilo de Bergman e de outros mestres do cinema. Há uma seqüência exemplar nesse sentido, em que Fiona Anderson (Julie Christie), já perdendo a memória de fatos mais recentes, como é sintomático da doença, sai, sozinha, para esquiar na neve e, de repente, se vê confusa, no embaraço, ante a imensidão branca à sua volta.

Também as trilhas, deixadas na neve pelos esquis do casal – ele é Grant Anderson (Gordon Pinsent) -, ganham sentido metafórico de longo alcance, se a imagem for interpretada pelo espectador em consonância com as músicas de Neil Young e de Johann Sebastian Bach, que constituem a trilha sonora, de Jonathan Goldsmith, principalmente o belo arranjo dado para o Prelúdio e Fuga (BWV 995), do compositor alemão, executado por  Goldsmith e Hugh Morsh.

Sara Polley, que foi dirigida, como atriz, por Wim Wenders e David Crononberg, além de Isabel Coixet, nos dois filmes acima citados, usa, com maestria também a fotografia de Luc Montpellier não só para obter soberbos efeitos de plasticidade para sua narrativa, como ainda para compor planos, quase sempre fechados, auscultadores do que se passa no interior de suas personagens.

A história é a de um casal - Grant e Fiona - que vive relativamente bem, isolado, nas montanhas, às vésperas de completar cinqüenta anos de vida conjugal. Sob a ótica de Grant, narrador dos fatos, Fiona, apesar das insinuações que sempre faz, ignoraria as infidelidades ocasionais dele, um tipo boa pinta, de voz grave, que causa frisson nas mulheres em qualquer lugar onde chega.

Tudo indicaria, portanto, que o casal poderia ainda viver por alguns anos na mais perfeita harmonia, se, de uma hora para outra, Fiona não começasse a sofrer perda de memória e, em seguida, ser diagnosticada como portadora do Mal de Alzheimer.  Ciente disso, ela decide ir para uma clínica especializada para portadores da doença. Mas a exigência da clínica, que Grant recebe, com relutância, é a de que ele terá, no início, de ficar sem visitá-la, longe dela, por um período de trinta dias. Para ele, que, em quase cinqüenta anos, jamais se separou de Fiona, isso significa um grande sacrifício.

Fiona, porém, orgulhosa, firme e determinada se veste como se fora para uma festa – Julie Christie mostra, na cena, como, aos 66 anos de idade, é ainda uma mulher bonita – a fim de que o marido a conduza à clínica:  - Ninguém é capaz de vencer a vida, Grant. – Ela afirma. No caminho, porém, Fiona se lembra de que alguns dias antes passearam ambos por uma reserva ambiental, cuja entrada era indicada por uma placa, vista do carro. Na reserva, ao tocar uma flor, que intumescera, ela dissera: - Não é sempre que a natureza está disposta a se mostrar decorativa! Ele se entusiasma com a reação dela.

Ao chegar à clínica, Grant conta o fato à diretora, Dra. Fischer (Alberta Watson), a qual, entretanto, o desilude, de uma vez, pois, conforme afirma, o diagnóstico não deixara dúvida quanto à constatação dos sintomas da doença em Fiona. Depois de um mês, entretanto, ao regressar para ver a mulher, Grant terá uma surpresa, que lhe exigirá grande sacrifício, pelo qual não esperara durante toda a vida, mas que, de certa forma, lhe vai abrir também um novo horizonte.

O elenco é, sem dúvida, um dos grandes trunfos do filme de Sarah Polley. De Julie Christie, Ganhadora do Globo de Ouro de Melhor Atriz do Ano, além de outros inúmeros prêmios e indicação ao Oscar por sua atuação como Fiona, pode-se dizer que está esplêndida, soberba ou magnífica. Há de se reconhecer, contudo, que ela encontrou um parceiro à altura no ator Gordon Pinsent, considerado o Melhor do Ano no Canadá, além de ter obtido inúmeros outros prêmios internacionais.

Gordon Pinsent compõe a personalidade de Grant ao estilo de Erland Josephson, um dos atores preferidos de Bergman. É dele que se utiliza Sarah Polley para sugerir que a leitura – tão desprezada pelos brasileiros – é um dos meios mais eficazes para exercitar a memória, quando põe Grant a ler para Fiona, numa cena inesquecível, as Cartas da Islândia, de Auden. Por sua vez, os atores Olympia Dukakis, Michael Murphy, Alberta Watson e Kristen Thomson destacam-se também por suas excelentes atuações.

Por último, não se deve deixar passar despercebida ainda a mensagem que Sarah Polley emite subliminarmente em seu belo trabalho, merecedor de sete prêmios no Canadá, além de inúmeros outros no plano internacional: na hora do enfrentamento com a doença ou com a morte quem tem a força é a mulher!... Longe Dela é, pois, um filme que não pode deixar de ser visto.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
LONGE DELA
AWAY FROM HER

Canadá / 2006
Duração – 110 minutos
Direção – Sarah Polley
Roteiro – Sarah Polley e Alice Munro
Produção – Daniel Iron, Simone Urdl, Jennifer Weiss
Fotografia – Luc Montpellier
Música Original – Jonathan Goldsmith
Edição – David Wharnsby

Elenco – Julie Christie (Fiona Anderson), Gordon Plinsent (Grant Anderson), Michael Murphy (Aubrey), Olympia Dukakis (Marian), Alberta Watson (Dra. Fischer), Kristen Thonson (Kristy) e Deanna Desmary (Veronica).

 

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