|
|
|
|
O BANHEIRO DO PAPA
Os estreantes cineastas uruguaios, César
Charlone e Enrique Fernández, realizam, em O
Banheiro do Papa, uma crônica singela e
poética - que se concretiza principalmente pelo
apuro e sensibilidade da captação fotográfica -
sobre a vida sofrida de contrabandistas de
mercadoria barata, que atuam na fronteira de seu
país com o Brasil, baseando-se, para isso, em
fatos reais ocorridos na oportunidade em que
João Paulo II visitou a região em 1988.
O filme, como destacam seus realizadores –
Charlone é diretor de fotografia das películas
de Fernando Meirelles -, embora seja contrário
às ilusões, prega abertamente o direito de
sonhar, pois os que sonham, segundo eles, com
quem concordo, se não realizam o que sonharam,
acabam por chegar a alguma coisa bem próxima.
Desde a primeira imagem, quando, sobre a estrada
de terra batida, se projetam sombras da
bicicleta, em movimento, do muambeiro Beto
(César Trancoso), e das bonitas, possantes e
velozes motos de seus concorrentes, não é
difícil, para o espectador, identificar, por um
plano fechado no rosto da personagem, qual é o
sonho dela.
Quando Beto chega a casa, depois de enfrentar,
no meio da serra, inesperada batida de um fiscal
aduaneiro corrupto, Capitão Alvarez (Baltasar
Burgos), que desejava tirar apenas uísque da
carga de um de seus amigos, Valvulina (Mario
Silva), não é difícil, da mesma forma, constatar
que a filha dele, Silvia (Virginia Ruiz),
ouvindo e repetindo o noticiário, transmitido
por um radinho de pilha, sonha ser locutora.
Só a mulher, Carmen (Virginia Mendez) parece ser
pessoa sem sonhos, com os pés mais fincados no
chão, que vai a reboque do marido e da filha,
cuidando das atividades domésticas e fazendo,
como pode, uma economiazinha, de dinheiro
pingado, para qualquer situação de emergência da
família.
Beto conta o sucedido à mulher, dizendo-lhe que
se livrara por pouco da pilhagem do fiscal
aduaneiro porque, sorrateiro, se escondera atrás
de uma pedra. Presta-lhe conta do que trouxera
ou do que deixara de trazer, e sai, em seguida,
rumo às vendinhas locais, a fim de fazer o
acerto das mercadorias compradas, e receber, ao
mesmo tempo, como espera, encomendas para outras
viagens nos dias seguintes.
O esmero da captação fotográfica dos cineastas
uruguaios se exprime não só ao mostrar, em
detalhes, a vida miserável dos moradores da
cidade de Melo - atemporal -, como também ao
repetir planos no seguimento das viagens dos
contrabandistas a fim de lhes conferir sentido
de dura rotina, mas principalmente ao criar um "ballet"
de duas bicicletas emparelhadas, na seqüência em
que Beto vai à procura do amigo espoliado,
Valvulina, para lhe prestar solidariedade.
A ação do filme se baseia, contudo, na
constatação do fato de como a população de um
vilarejo, como Melo, pobre, ignorante,
entorpecida pelo poder da imagem, pode ser
facilmente induzida pela mídia televisiva a
cometer desatinos. Pois, desde que se noticia a
presença de João Paulo II no lugar, para um ato
religioso de duração de apenas alguns minutos,
exagera-se na previsão de quantas pessoas
poderão ali chegar para assistir à cerimônia.
O repórter, movido por interesses escusos
naturalmente, açula o entusiasmo dos moradores
de Melo, levando-os a fazer previsões as mais
descabidas possíveis. Para uns, a visita do Sumo
Pontífice atrairia, para o local, cerca de 40
mil pessoas, sendo a metade procedente do
Brasil. Para outros, esse número poderia ser
duplicado. E havia quem sequer soubesse
dimensionar a multidão que apinharia as poucas
ruas do vilarejo.
As pessoas se iludem e endividam então até a
raiz dos cabelos para armar barracas, comprar
pão, lingüiça, carne para churrasquinho,
bandeirolas, refrigerantes, etc. Enfim, uma
fartura de alimentos como nunca fora vista no
lugar. Beto segue na mesma onda, mas, para
faturar com a visita do papa, prefere investir o
pouco que Carmen economizara na edificação de um
banheiro – em linguagem mais apropriada, um
mictório – como o que ele utiliza, no lugarejo,
além da fronteira, onde faz as compras, já que
em Melo só se usa a fossa.
Além do esmero na captação fotográfica, que se
conjuga adequadamente com as imagens de arquivo
que registram a presença de João Paulo II em
Melo, o filme é também irrepreensível no tocante
às interpretações, entregues a elementos
amadores, selecionados, ao que consta, entre os
habitantes de Melo, mas bem preparados pelos
dois cineastas uruguaios. Um desses elementos,
César Trancoso, que faz o papel de Beto, é ator
nato, dotado de força de expressão
extraordinária. Pode-se, por isso, considerar
sua atuação como muito boa. Alguns de seus
melhores momentos, contudo, são os que ele
contracena com Virginia Mendez, excelente
intérprete do papel de Carmen, com quem ele se
sintoniza perfeitamente.
Em suma, O Banheiro do Papa, que marca,
com brilhantismo, a estréia de César Charlone e
Enrique Fernández na direção, ganhador de 5
Kikitos de Ouro em Gramado, Prêmio Bandeira
Paulista de Melhor Filme, na Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo, e
selecionado para a Mostra Un Certain Régard,
do Festival de Cannes, é uma película que, sem
sombra de dúvida, merece ser vista.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
www.theresacatharinacampos.com
www.arteculturanews.com
www.noticiasculturais.com
www.politicaparapoliticos.com.br
cafenapolitica.blog.br
FICHA TÉCNICA
O BANHEIRO DO PAPA
EL BAÑO DEL PAPA
Brasil / Uruguai / França / 2007
Duração – 97 minutos
Direção – César Charlone e Enrique Fernández
Roteiro – César Charlonge e Enrique Fernández
Produção – Elena Roux
Fotografia – César Charlone
Música – Luciano Supervielle e Gabriel
Casacuberta
Edição – Gustavo Giani
Elenco – César Trancoso (Beto), Virginia Mendez
(Carmen), Virginia Ruiz (Silvia), Mario Silva (Valvulina),
Henry de Leon (Nacente), José Arce (Tica),
Nelson Lence ( Meleyo), Rosario dos Santos
(Teresa), Alex Silva (Gordo Luna), Baltasar
Burgos (Capitão Alvarez) e Carlos Lorena
(Soldado). |
|
|
|