Theresa Catharina de Góes Campos

 

ALLEGRO 

Em Allegro, o cineasta dinamarquês Christoffer Boe tenta reconstituir a idéia de que pouco adianta a um homem desenvolver toda a sua potencialidade técnica, numa arte ou numa profissão, se lhe falta acesso às manifestações da natureza. Em síntese, é a mesma argumentação usada por Goethe, em Fausto, símbolo de uma humanidade que se vem afastando cada vez mais de seus ideais.

Para recriar o mito, sob a personalidade de um pianista excessivamente técnico, mas excêntrico, Zetterstrom (Ulrich Thomsen), Boe usa de linguagem barroca, carregada de metáforas e de desenhos, para mostrar, através dos tempos, a infância da personagem e suas conquistas e fracassos no campo profissional, bem como o alheamento em que sempre se manteve em relação aos anseios da vida.

Pela animação, tem-se, de início, breve relato da infância de Zetterstrom (Svetoslav Korolev), quando ele, para superar frustrações, decide dedicar-se, com afinco, ao estudo do piano.  E nesse mister se mostra tão rigoroso para consigo próprio, em busca do aprimoramento técnico, que chega a ser advertido pelo professor (Benedikte Hansen). Mas ele cresce com a mesma obstinação, embora isso o faça tornar-se, mais tarde, uma pessoa fria, sem afeto, sem amor.

Quando um dia, ao acaso, Zetterstrom conhece Andrea (Helena Christensen), novas sensações são por ele descobertas. A existência se modifica para o pianista, que se sente atraído pela moça desde o primeiro momento em que a vê, saindo de um edifício – não de uma igreja, como a Margarida do Fausto -, numa determinada rua de Copenhague, por onde passa um rio. Mas, apesar disso, ele não consegue prendê-la por muito tempo. Andréa se vai. E Zetterstrom se isola no esquecimento.

Passada uma década de apresentações no exterior, Zetterstrom volta à Dinamarca para um concerto de gala. É seduzido então pelo convite do mefistofélico Tom (Henning Moritzen), um senhor que se locomove em cadeira de rodas, para ir ao reencontro do seu passado, na região da cidade, então chamada de "Zona" - onde ele conheceu Andréa -, cujo acesso se tornara, com o passar do tempo, proibido.

Apesar de estar atrasado para o concerto, Zetterstrom, como Fausto, se deixa conduzir por Tom por algumas labirínticas ruas da cidade de Copenhague, na ilusão de ir à procura do amor perdido, mais importante, para ele, até mesmo que a fase da infância não-aproveitada. Mas a incursão no tema do Fausto fica apenas nisso. Não ganha evidentemente a abrangência de ordem metafísica da genial obra de Goethe.

E Boe, como já o fizera em seu primeiro filme, Reconstrução de um Amor (Prêmio de Fotografia em Cannes ), começa a embaralhar fatos, com insistente repetição de alguns deles, para dar conotação de complexidade ao seu trabalho, que, ao contrário, acaba por cair no vazio e na superficialidade. A narrativa, até certo ponto obediente a alguns preceitos estéticos do já superado Dogma 95, só não perde o rumo porque o ator Ulrich Thomsen, usando de sábias improvisações, não deixa.

Aliás, Thomsen, estupendo intérprete de Festa de Família, de Thomas Vinterberg (Prêmio do Júri em Cannes), é realmente o dono soberano do filme. Fluente em alemão e inglês, além de seu idioma pátrio, ele é hoje um dos atores mais requisitados da Europa, já tendo atuado em 25 produções internacionais. Por sua atuação em Irmãos, de Susanne Bier, recebeu sua segunda indicação a Melhor Ator Europeu – a primeira foi em Festa de Família – e ganhou o prêmio de Melhor Ator do Festival de San Sebastian. Em Allegro, Thomsen tem outra memorável atuação, que, às vezes, em termos de composição, faz lembrar algumas de Sir Laurence Olivier. Pena que sua parceira, Helena Christensen, embora muito bonita – ex-Miss Dinamarca -, seja inexpressiva, em termos dramáticos. Mas Thomsen consegue bom apoio técnico, quando contracena com o veterano ator Henning Moritzen, intérprete de Tom.

Além da atuação de Ulrich Thomsen, Allegro, de Christoffer Boe, tem excelente trabalho fotográfico de Manuel Alberto Claro – que faz certa região urbana de Copenhague se tornar quase uma personagem - e primorosa trilha sonora, de Thomas Kirak, constituída de músicas de Franz Liszt e de Johann Sebastian Bach. É um filme, portanto, que, apesar das ressalvas feitas, vale a pena ser visto.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
ALLEGRO
ALLEGRO

Dinamarca/2005
Duração – 88 minutos
Direção – Christoffer Boe
Roteiro – Christoffer Boe e Mikael Wulff
Elenco – Ulrich Thomsen (Zetterstrom), Helena Christensen (Andréa), Henning Moritzen (Tom), Benedikte Hansen ( Professor de piano), Svetoslav Korolev (Zetterstrom jovem), Ida Dwinger (Simone), Jon Lange (Morten), Signe Vaupel (Lise).

 

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