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PREGUIÇA DE SOFRER
Zuenir Ventura
From: Hercilia
Lopes
Date: 2008/6/21
Subject: Fw: PREGUIÇA DE SOFRER - Zuenir Ventura
To: Theresa Catharina
PREGUIÇA DE SOFRER
- Zuenir Ventura (20.07.2006)
Há 26 anos, elas cumprem uma alegre rotina: às
sextas-feiras pela manhã sobem a serra e descem
aos domingos à tarde, quando não permanecem a
semana toda lá, em sua casa de Itaipava,
distante hora e meia do Rio.
São quatro irmãs de sobrenome Sette - Mily, a
mais velha, de 86 anos; Guilhermina (84), Maria
Elisa (76) e Maria Helena (73) - mais a cunhada
Ítala (87), prima Icléa (90) e a amiga de mais
de meio século, Jacy (78). O astral e a energia
da "Casa da sete velhinhas" são únicos.
Elas cuidam das plantas, visitam exposições,
assistem a shows, lêem, jogam baralho,
conversam, discutem política, vêem televisão,
fazem tricô, crochê e sobretudo riem. Só não
falam e não deixam falar de doença e
infelicidade. Baixaria, nem pensar. Quando
preciso tomar uma injeção de ânimo e
rejuvenescimento, subo até lá, como fiz no
último sábado. Já viajamos juntos algumas vezes,
como a Tiradentes, por cujas redondezas andamos
de jipe, o que naquelas estradas de terra é
quase como andar a cavalo. Tudo numa boa. Elas
têm uma sede adolescente de novidade e
conhecimento.
Modéstia à parte, são conhecidas como "As
meninas do Zuenir". Me dão a maior força. Quando
sabem que estou fazendo alguma palestra no Rio,
tenho a garantia de que a sala não vai ficar
vazia. São meu público cativo e ocupam em geral
a primeira fila. Numa dessas ocasiões, com a
casa cheia, elas chegaram atrasadas e fizeram
rir ao se anunciarem a sério na entrada: "Nós
somos as meninas do Zuenir".
Nos conhecemos nos anos 70, quando morávamos no
mesmo prédio no Rio e Maria Elisa, que é
química, passou a dar aulas particulares de
matemática para meus filhos, ainda pequenos, de
graça, pelo prazer de ensinar. Depois nos
mudamos, continuamos amigos e nossa referência
passou a ser a casa de Itaipava - onde minha
mulher e eu temos um cantinho - um pequeno
apartamento. Na parte externa da casa, os "Alpes
suíços". No começo o terreno não passava de um
barranco de terra vermelha. Hoje é um jardim
suspenso, com árvores e flores variadas que
constituem uma atração para os pássaros. Dessa
vez, não cheguei a tempo de ver a cerejeira
florida, mas em compensação assisti a uma
exibição especial de um casal de papagaios.
O interior da casa é um brinco, não fossem elas
meio artistas, meio artesãs, todas muito
prendadas, como se dizia antigamente. Helena e
Jacy, por exemplo, tecem mantas e colchas de
tricô e crochê que já mereceram exposições. Mily
desafia a idade preferindo as novas tecnologias
e a modernidade, sem falar no vôlei, de que é
torcedora apaixonada. Sabe tudo de computador e,
com Jacy, freqüenta todos
os cursos que pode: de francês a ética, de
inglês a filosofia. Na parede, Tom Jobim observa
tudo. A foto é autografada para Elisa, de quem
ele foi colega no Andrews. Aliás, nesse colégio
da Zona Sul do Rio, Guilhermina trabalhou 53
anos, como secretária e professora de Latim, que
ela ensinava pelo método direto, ou seja,
falando com os alunos. Ficou muito feliz quando
na praia ouviu, vindo de dentro do mar, o grito
de alguém no meio das ondas, provavelmente um
surfista: "Ave, magister!". Amiga de personagens
como o maestro Villa-Lobos, ela ajudou ou
acompanhou a carreira de dezenas de jovens que
passaram por aquele tradicional colégio, cujo
diretor uma vez lhe fez um rasgado elogio
público, ressaltando o quanto ela era
indispensável ao educandário. No dia seguinte,
ela pediu as contas, com essa sábia alegação:
"Eu quero sair enquanto estou no auge, não
quando não souberem mais o que fazer comigo".
Foi para casa e teve um choque, achando que não
ia suportar a aposentadoria. Durou pouco, porque
logo arranjou o que fazer. É tradutora e gosta
muito de etimologia: adora estudar a vida das
palavras desde suas origens, principalmente
quando são gregas. Ah, nas horas vagas, faz
bijuterias. Para explicar como se desvencilhou
do vazio de deixar um emprego de 53 anos e
começar nova vida já velha, Guilhermina usou uma
frase que se aplica a todas as outras seis
velhinhas e que eu gostaria de adotar também:
"Tenho preguiça de sofrer".
Não são o máximo as meninas do Zuenir? |
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