O
ESCAFANDRO E A BORBOLETA
Premiado em Cannes (2007) e ganhador
de dois Globos de Ouro - Melhor
Direção e Melhor Filme (2008) -, O
Escafandro e a Borboleta, de
Julian Schnabel, é uma obra-prima,
extraída do livro autobiográfico do
jornalista francês Jean-Dominique
Bauby que, aos 43 anos de idade,
vitimado por derrame cerebral,
passou a ter vida vegetativa, mas
não se deixou por isso abater. Pelo
contrário, embora não religioso,
isto é, ateu confesso, ele narra a
vigorosa luta de seu espírito para
se libertar do corpo inerte, como
sugere a metáfora do título.
O diretor, Julian Schnabel, pintor e
escultor, nascido em Nova York, em
1951, com obras expostas, mesmo em
retrospectivas, nos melhores museus
e galerias do mundo, realizou
também, entre outros filmes, em
2000, Antes do Anoitecer, que
narra a vida do escritor cubano
Reinaldo Arenas, perseguido pelo
regime de Fidel Castro, premiado com
o Leão de Ouro de Veneza, além da
indicação de Javier Bardem ao Oscar
de Melhor Ator do Ano.
Com base no excelente roteiro de
Ronald Harwood – também premiado com
o Oscar por seu trabalho, em O
Pianista, de Roman Polanski – o
filme tem início vinte dias após a
data de 8 de dezembro de 1995,
quando Jean-Dominique Bauby (Mathieu
Amalric), pai de três filhos, editor
da revista Elle,
especializada em alta costura,
entrou em estado de coma profundo
após sofrer um acidente vascular
cerebral.
As primeiras imagens, captadas pela
câmara, fixa, de Janusz Kaminski,
oferecem ao espectador o que está
dentro do restrito campo visual de
Bauby (ou "Jean-Do", como é tratado)
ao retomar a lucidez. Ele sofre de
paralisia total. O único movimento,
que lhe resta no corpo, é o do olho
esquerdo. Aos poucos, Bauby toma
ciência de que se encontra sob
cuidados médicos, no histórico
hospital naval de Breck-Sur-Mer,
no litoral Norte da França.
O chefe da equipe médica, Dr. Lepage
(Niels Arestrup), aparece para
explicar a Bauby a situação em que
se encontra. O pior, segundo o
médico, já passou. Daí por diante,
ele viverá a experiência da
locked-in syndrome. Terá
de se comunicar pelo piscar do olho
esquerdo, utilizando um alfabeto
ordenado de letras mais usadas no
idioma francês. As letras lhe serão
ditadas pela ortofonista (Marie-Josée
Croze) ou mostradas num quadro à sua
frente. Assim, se ele der uma
piscadela, estará acenando "sim" em
relação a uma determinada letra, se
der duas, "não". Piscando três
vezes, indicaria o espaço entre os
vocábulos. E, dessa forma,
conseguirá formar palavras, frases e
períodos.
Bauby não se conforma com a sua
situação. Como antes de sofrer o
derrame, ele já vinha pensando em
escrever um livro – embora seu pai,
Papinou (Max Von Sydow) achasse
estapafúrdia sua idéia de criar uma
nova versão para o Conde de Monte
Cristo, de Alexandre Dumas -,
ele decide escrever, soletrando,
pela pálpebra do olho ativo, com a
ajuda da secretária Claude (Anne
Consigny), a obra que dá título ao
filme, repleta de frases de humor e
de observações um tanto quanto
cínicas sobre seu estilo de encarar
a vida antes da experiência da
locked-in syndrome.
É a partir do momento em que Bauby,
para escrever o livro, começa a
exercitar a memória e a imaginação,
que a câmara, fixa, de Kaminski,
começa a se mobilizar e, em
decorrência disso, a direção de
Schnabel ganha também brilho e asas
para voar. Então não é só o que vai
dentro da mente de Bauby que passa a
ser focalizado, mas também os seres
que participaram ou participam de
seu mundo - visto em desintegração
por meio de imagens metafóricas de
extremo bom gosto, mesmo as citações
de filmes famosos, como a de A Um
Passo da Eternidade, de Fred
Zinneman -: os seus filhos; a mãe
deles, Céline (Emmanuelle Seigner):
o amigo, Laurent ( Isaach de Bankolé),
a quem ele cedera lugar num avião,
que acabara sendo seqüestrado em
Beirute; o pai; os médicos; a
ortofonista; o padre Lucien
(Jean-Pierre Cassel) e, por fim,
figuras históricas, também pacientes
do hospital naval de
Berck-Sur-Mer, como a Imperatriz
Eugênia (Emma de Caunes) e o
bailarino russo Nijinski (Nicolas Le
Riche).
Schnabel pontua sua narrativa com a
trilha sonora magnífica de Paul
Cantelon em que, além da canção
La Mer, de Charles Trenet, são
ouvidas outras preciosidades, como
Excerpt, de Jean Constantin,
tema do filme de François Truffaut,
Os Incompreendidos (1959).
Mas a técnica de direção de Schnabel
é notável particularmente pela
maneira com que sabe extrair dos
atores o trabalho criador de suas
emoções. Ele já demonstrara isso,
dirigindo Javier Bardem. E agora
repete a dose com Mathieu Amalric
que, embora na imobilidade total,
expressa, pela agudeza do único olho
ativo, as emoções profundas da
experiência vivida por Jean-Do, sem
que passe em branco nem mesmo sua
virulenta crítica ao comércio de
produtos religiosos em Lourdes.
Além da soberba atuação de Amalric,
é também estupenda a de Max Von
Sydow – um dos atores preferidos de
Bergman - como Papinou,
principalmente na cena em que ele,
aos 93 anos de idade, diz ao filho,
pelo telefone: - Você está preso
aí ao seu corpo, e eu, aqui, ao
apartamento sem nada poder fazer,
nem poder ir abraçá-lo!... Da
mesma forma é digna de nota a
interpretação de Emmanuelle Seigner
no papel de Céline, mãe dos filhos
de Jean-Do, de personalidade
discreta, plácida e serena,
especialmente na seqüência em que,
tendo de substituir a secretária na
soletração do alfabeto, recebe
telefonema de uma das amantes do
ex-marido, que lhe exige que deixe o
quarto por instantes porque precisa
falar a sós com ele por meio do
amplificador de voz... Todos os
demais integrantes do elenco
apresentam também grandes atuações.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
www.theresacatharinacampos.com
www.arteculturanews.com
www.noticiasculturais.com
www.politicaparapoliticos.com.br
cafenapolitica.blog.br
FICHA TÉCNICA
O ESCAFANDRO E A BORBOLETA
LE SCAPHANDRE ET LE PAPILLON
FRANÇA/ EUA/ 2007
Duração – 112 minutos
Direção – Julian Schnabel
Roteiro – Ronald Harwood, baseado no
livro O Escafandro e a Borboleta,
de Jean-Dominique Bauby, 1997
Produção – François-Xavier Jecraene,
Leonard Glovinski, Pierre Guntem e
Kathleen Kennedy
Fotografia – Janusz Kaminski
Trilha Sonora – Paul Cantelon
Edição – Juliette Welfing
Elenco – Mathieu Amalric
(Jean-Dominique Bauby ou Jean-Do),
Emmanuelle Seigner (Céline), Max Von
Sidow ( Papinou), Niels Arestrup
(Dr. Lepage), Isaac de Bankolé
(Laurent), Anne Consigny (Claude),
Jean-Pierre Cassel (Lucien), Nicolas
Le Riche (Nijinski), Emma de Caunes
( Imperatriz Eugênia).