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Artigo30/06/2008 | 19:30
Direito Autoral no Século XXI
*Paulo Cannabrava Filho
A terceira revolução industrial que nos levou à
era digital está apenas em seu início. Difícil
imaginar o que ainda está por vir como derivado
da nanotecnologia. As novas tecnologias estão se
desenvolvendo a tal velocidade que não está
dando tempo para a sociedade e o estado fecharem
as brechas que vão deixando no direito, nas
leis, até mesmo na ética, ou seja, nas relações
humanas.
Outra característica da contemporaneidade, a
globalização, coloca-nos ante dois caminhos
perigosos: o da ditadura do pensamento único e a
grande concentração do capital nas mãos de
megacorporações transnacionais. Através de
fusões, liquidações e aquisições esses grupos
empresariais que já dominam as telecomunicações
estão avançando sobre as comunicações sociais.
Quando se fala em comunicação social, em mídia,
se subentende a existência de conteúdo, de
criação do espírito em suas mais diversas
expressões: texto, imagem, som, enfim tudo
aquilo que é obra autoral e é protegida por um
arcabouço legal que vai da Constituição, Código
Civil, até leis específicas como a 9.610/98, que
consolida a legislação sobre direito autoral.
Às grandes corporações, como bem constatou o
professor Denis Borges Barbosa, professor na
PUC/Rio, intervindo no II Congresso de Direito
de Autor e Interesse Público, interessa
privilegiar o retorno do investimento. Assim
sendo, ao adquirir meios de comunicação social
pretendem fazer valer aqui unicamente as regras
do mercado em explícito confronto com nossas
leis e costumes.
Temos advertido aos profissionais da comunicação
e jornalismo sobre os riscos de se deixarem
aliciar pelas regras do mercado. Ao fazê-lo
estarão prejudicando os trabalhadores de todas
as categorias profissionais envolvidas na
produção de conteúdo. A primeira conseqüência,
que já se faz notar, é o aviltamento das
relações de trabalho, a precarização do emprego,
o trabalho informal.
Como o capital é aético, outra conseqüência é o
flagrante desrespeito aos direitos humanos e às
soberanias nacionais praticadas por esses grupos
nos países onde estendem seus tentáculos.
No trabalho apresentado ao I Congresso de
Direito de Autor e Interesse Público, menciono
como exemplo o Le Monde de Paris, um jornal
emblemático que era gerido por uma cooperativa
de seus trabalhadores. O jornal foi adquirido
pelo grupo Hachette que edita 47 revistas na
França. Até aí parece que tudo bem. Ocorre que
depois da falência do grupo Vivendi, a Hachette
foi adquirida por Arnaude Lagardiere, presidente
do grupo que, entre outras coisas, fabrica armas
e controla emissoras de televisão e vários
jornais na França. Outro sócio é o grupo
Mondatori, do italiano Berlusconi, que depois de
acaparar todos os meios e editoras da Itália fez
joint venture com a Randon House, do grupo
alemão Bertelsmann AG, e passou a ser o maior
truste editorial europeu.
Bom, e o que nós temos a ver com isso? Temos a
ver porque esse grupo está comprando editoras e
meios de comunicação social por toda a América
Latina. No Brasil eles salvaram a Editora Abril
da quebra e compraram nada menos que a Ática/Scipioni
que durante décadas liderou o mercado de livro
escolar no Brasil. A Dimap, a distribuidora do
grupo que já detinha 70% do mercado, ficou com
100% após adquirir, em 2007, a segunda colocada,
Distribuidora Fernando Chinaglia.
Não se pode falar da Abril sem falar da Folha.
Isso porque a Portugal Telecom entrou com muito
dinheiro tanto na Abril (21%) como na Folha (já
deve ser 30%). Hoje todas as empresas do grupo,
que conforma o segundo conglomerado de mídia no
país, estão reunidas na holding Folha-UOL. Já a
gráfica Plural, que aparece como sendo da Folha,
tem como sócia a estadunidense Quad Graphics.
A Portugal Telecom com a Telefônica Moviles
controla a Vivo com sete operadoras de telefonia
celular e 41,9% dos telefones portáteis.
Controla também a Mobitel (paging), Dedic (contact
center), Primesys (serviços web e tecnologia),
PT Inovação e, PT Multimedia (TV/assinatura, web
banda larga, cinema, jogos), que renderam R$
4,89 bilhões em 2004.
Poderia ficar aqui um dia inteiro citando
exemplos do que está a ocorrer com os meios de
comunicação social na América Latina. Do México
à Argentina exemplos como esses que acabo de
mencionar ocorrem em profusão. Outro dia li nota
de um jornal britânico saudando o relançamento
de um jornal de um oligarca colombiano que havia
permanecido fechado durante décadas, porque
todos os demais já estão em mãos de grandes
corporações.
Agora estamos aqui em outro ambiente de pesquisa
acadêmica para prosseguir com a cruzada encetada
por jornalistas pelo reconhecimento de nossos
direitos. Direitos dos jornalistas mas que são
direitos cidadãos iguais para todas as pessoas
que habitam este país, para não dizer este
planeta.
Constata-se que o Brasil tem a mais prolífera
produção em pesquisas e trabalhos sobre
comunicação social. É impressionante a qualidade
dos diagnósticos, a excelência das pesquisas nas
mais diversas áreas do universo comunicacional e
das propostas de caminhos para se construir uma
comunicação democrática que sirva às
necessidades de desenvolvimento do país.
Não obstante, quando se reivindica
regulamentação necessária para uma comunicação
democrática impõem-nos desregulamentação ou, o
que é pior, artifícios legais que favorecem
ainda mais os monopólios. Realizam-se reuniões
de alto nível intelectual e técnico, e nada
acontece. Nem sequer gera notícia. Olham-nos
como se estivéssemos em um encontro entre
amigos, ou, um palco para intelectuais se
exibirem uns para os outros. O que fazer para
que alguma coisa aconteça? Será tão espantosa
essa ditadura imposta pelo capital financeiro e
as grandes corporações que conseguiu liquidar
com a capacidade criativa e transformadora da
sociedade? Ou é maior o pecado do conformismo,
do imobilismo, do marasmo da sociedade
indiferente à dramática realidade? Realidade que
se agrava na medida em que avança a concentração
do capital e a apropriação dos meios de
comunicação pelas grandes corporações.
Meditemos sobre um exemplo. Cerca de 30
instituições entre universidades, centros de
pesquisa e empresas privadas trabalharam oito
anos para desenvolver a tecnologia brasileira de
TV digital interativa. Só de recursos oficiais
foram consumidos R$ 80 milhões. Tudo jogado
fora. Sem nenhuma consulta, sem nenhuma
explicação atendem a exigência da grande rede e
impõem a tecnologia japonesa. E o que é pior,
desprezam o conceito que permitiria a ampliação
ilimitada da oferta e a baixo custo. Onde há
indignação ante tal iniqüidade?
Outro exemplo. Bastou a visita de três
proprietários de grandes empresas de comunicação
ao Congresso para que se mudasse o dispositivo
constitucional que proibia a participação de
capital estrangeiro nas empresas de comunicação
social. E bastou telefonemas desses empresários
às lideranças partidárias no Congresso para
derrubar e arquivar o projeto que cria o
Conselho Federal de Jornalismo.
Neste momento está em pauta para julgamento no
Supremo Tribunal Federal recurso sobre a
validade do diploma para o exercício da
profissão de jornalista. Há anos nós,
jornalistas organizados nos Sindicatos, na
Federação e na Apijor e outras associações
estamos travando sozinhos essa batalha para
manter a obrigatoriedade do diploma. Nem mesmo a
maioria das instituições de ensino de
comunicação e jornalismo que emitem esses
diplomas manifestaram apoio à nossa luta.
Corremos o risco de perder mais essa, pois o
juiz relator anteriormente já se havia
manifestado contrário a obrigatoriedade do
diploma. Se perdermos, para que servirá o
diploma? São 300 mil jovens freqüentando essas
escolas que ao terminarem o curso receberão um
papel pintado sem serventia.
Entendemos que essa é uma luta que deve
interessar a toda a sociedade, pois a única
garantia que tem a sociedade de receber uma
comunicação crível, honesta, eticamente
aceitável, é a responsabilidade de um autor
eticamente responsável.
È preciso recuperar à sociedade a capacidade de
indignar-se. A indignação saudável que leva à
mobilização e a exigir que as leis sejam
cumpridas, a cobrar as políticas públicas que
reforcem a soberania nacional, que priorizem o
desenvolvimento humano.
* Presidente do Conselho da Associação
Brasileira da Propriedade Intelectual dos
Jornalistas. Intervenção proferida no I
Congresso de Direito de Autor e Interesse
Público realizado em Florianópolis em junho de
2008, no âmbito do Fórum Nacional de Direito
Autoral. |
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