Theresa Catharina de Góes Campos

  NA PRESSA, SE ESQUECE A VIDA
Theresa Catharina de Góes Campos


(ADVERTÊNCIA: Quem tiver pressa e gostar de celular, favor não ler!
Não diga que eu não avisei...porque não pretendo pedir desculpas por
minha sinceridade e convicção.)


A única pressa
que aceito:
a pressa para salvar vidas!


A pressa desnecessária
é uma forma de rejeição,
agressividade e violência,
um verdadeiro insulto.
Por isso a pressa me magoa
profundamente...porque
rejeita a convivência,
a partilha com os outros.


Tenho pressa somente,
muita pressa, mesmo,
para fugir dos apressados.


De carro e celulares,
sempre muito apressados,
sem tempo para nada,
enganando a si mesmos
na correria sem fim,
esgotam seu tempo
falando aos telefones,
porém mal conseguem
conversar, comunicar-se
de fato, com qualidade.


Têm pressa, muita pressa...
foi pena terem me visto,
esbarrado na minha pessoa,
pois mal podem me falar
umas poucas palavras
de cortesia ou informação.
A rapidez com que de mim
se aproximam e se afastam
até me faz sofrer...
Não parece encontro,
nem reencontro social,
apenas em mim esbarraram
e me reconheceram.


Onde há pressa,
há estresse,
muita ansiedade.
Por que tanta pressa?
Parece agonia
encurtando nossos dias!


A pressa que afugenta
a filosofia do cotidiano,
tão necessária,
ao contrário da maldita pressa,
impede nascer a arte,
a poesia escorraça...


A velocidade dos apressados
minha calma atropelam,
em mim esbarram.
Em cima da hora
ou repetidamente atrasados,
por isso correm, correm,
aos celulares agarrados.
As pessoas, deixam de lado;
os celulares, jamais.


Os sons dos celulares
intrometidos, abusados,
que, descorteses,
não pedem licença...
são desorganizados,
indiscretos ao máximo,
invasores de todos os espaços.


Quem posa de importante,
a mim não convence
de celular ligado.
Ora, se tão ilustres fossem,
teriam deixado uma secretária,
um assessor para atender,
em nome deles resolver.
Ora, autoridades e profissionais,
eficientes precisam ser,
na organização de compromissos
e horários tão inadiáveis.
Auxiliares não devem ser dependentes
de instruções na última hora.
Programação se faz com antecedência,
não precisariam depender
de telefonemas repetitivos.


Ruidosamente, os celulares
anunciam os apressados.
Sem o mínimo de respeito,
a comunicação silenciam,
os sons da vida apagam.


Quando esquecem os celulares,
voltam , coitados, seus donos,
de coração palpitando.
Por que os deixaram?
Foi a tragédia da pressa.
Imagine, seus celulares
largaram...como puderam?


Não consegui ouvir,
nem compreender,
o que me disse alguém,
sem largar, ouvindo seu celular,
já bem longe de meus ouvidos,
bem distante de mim.
Não vou saber mesmo
o que tentou me dizer,
a não ser que eu decidisse,
estar do outro lado da linha,
mais prestigiada que a convivência
pessoal, intransferível.


Temo que um dia
eu me veja a rezar:
"Livrai-me, Senhor,
dos apressados e seus celulares.
Escondei-me dos que não querem
me ver, nem escutar,
tão ocupados estão,
com seus celulares e
tantos compromissos
inadiáveis, mais agradáveis
que a minha simples pessoa."


Reconheço que os celulares
lhes permitem falar
com inúmeras pessoas
distantes e mais importantes.
Com as mais próximas,
entretanto, não conversam,
ignoram, silenciam.
Ainda que seja preciso
os bons modos esquecerem,
seus celulares não guardam.


De sua vida
detalhes contam,
nos elevadores, corredores,
nas salas de espera repletas,
nos banheiros públicos,
nas ruas agitadas,
até dirigindo seus carros,
muitas vidas arriscam...
Mas o celular não silenciam!


A pressa dos sem tempo
todo dia presenciar,
mesmo a contragosto,
é um grande pesadelo
para mim, angustiada
por ouvir sem cessar
os celulares chamando,
mais que as pessoas falando.


Uma das tragédias
de nossa sociedade tecnológica,
avançada materialmente,
quase retardada espiritualmente,
é termos pressa, muita pressa,
para o que não merece
nem justifica um só minuto
de nossa enlouquecida pressa.


Têm a posse dos celulares,
mas a posse da paz perderam.
Igualmente não sabem
que sem luta entregaram,
seu direito à liberdade,
à tão valiosa privacidade,
à individualidade
de seus passos,
hoje rigorosamente acompanhados,
identificados, denunciados...
Uma pergunta ouvem,
a todo momento respondem:
- "Onde você está?
O que está fazendo agora?"
Os adultos, se independentes fossem,
responsáveis por seus atos,
a tal questionamento precisariam
a todo momento dar uma resposta?


A pressa é destrutiva.
Não é presteza.
Não salva. Não constrói
nem restaura o que precisa
e pode ser regenerado,
aperfeiçoado.
A pressa gera
desentendimentos,
conflitos, incompreensões,
muitos ruídos na comunicação.


Talvez um dia ,
que espero nunca chegue,
eu precise informar
aos inúmeros apressados,
que nem precisam,
de mim se aproximar,
balbuciando frases incompletas,
sem conseguir disfarçar
a sua pressa.
Posso de bom grado aceitar,
seus cumprimentos de longe.
Compreendi, afinal,
capacidade não ter,
para falar com os apressados.


Não aprendi, não sei,
pela metade conversar,
sem as frases terminar,
sem os pensamentos concluir.
Como posso saber
o que não têm tempo
para dizer, explicar?


Os apressados, em sua rotina,
pelo caminho me deixam,
feliz, cada instante aproveitando,
com meus sonhos conversando,
meus sentimentos embalando,
bem tranqüila escutando,
o que diz meu Anjo da Guarda,
que jamais tem pressa...


Não sei fazer
refeições com pressa
porque apressada não sei comer.
Também não consigo, com pressa,
qualquer coisa aprender.
Ñada vejo nem escuto
se apressada estiver.
Com pressa, só tenho medo.
Com pressa, não sei completar,
não consigo admirar
nem incentivar.
Com pressa não sinto
estar vivendo.


A pressa me tolda
os olhos abertos.
Se pressa eu tivesse,
com certeza esqueceria
os maravilhosos amigos.
Apressada eu magoaria
aqueles que tanto amo.
Concluo, portanto, que a pressa
não é fada, nem coisa boa!
Pressa é bruxa malvada,
não é magia nem lirismo.
De poesia despojada,
a pressa conduz ao caos,
a conflitos desnecessários
(tão desnecessários quanto a pressa
não motivada para salvar vidas),
aos precipícios da desesperança.


Pressa não civilizada,
desumana...Como se
tempo não houvesse
para o que deve ser feito
amorosamente,
sem pressa.


Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília-DF, 09 de outubro de 2008.

Escravidão voluntária - Telefones celulares - abuso!
Texto publicado no www.jornalada.com

Theresa Catharina de Góes Campos

No campo e na cidade, dentro e fora dos edifícios e veículos, uma praga se alastra como epidemia sem vacina, simulando progresso e liberdade. Telefones celulares e bips interrompem conversas, invadem o espaço sonoro; perturbam os momentos de oração e lazer, as salas de aulas, as bibliotecas, as igrejas, os cinemas e teatros. Um horror!

As pessoas não parecem entender que, ao invés de demonstrarem evolução, poder, eficiência e posse, estão revelando incompetência no uso de seu precioso tempo. Afinal, deixam-se envolver em compromissos supostamente inadiáveis, abdicam de seus momentos de privacidade, esquecem as mais elementares regras de etiqueta, mostram-se descorteses, egoístas ao extremo.

Falta de educação, organização, planejamento...salta aos olhos dos que, incomodados e/ou boquiabertos, resistem a esse tipo de escravidão voluntária, sentem-se mal e aguardam que, num instante de reflexão, os viciados no uso ininterrupto de bips e telefones celulares venham a compreender que se deixaram dominar por um vírus barulhento e visível.

Afinal, não se trata mais de prova de status...aparelhos reais ou de brincadeira surgem nas mãos de todos... como armas quase tão perigosas como os revólveres de brinquedo. Olhando-se à volta, vemos que apenas os bichos ainda não dispõem de celular. E por isso são mais saudáveis do que nós!

Tenhamos a coragem de resistir, colocando limites aos exageros e abusos, dizendo "não" a esta nova forma de escravidão voluntária. Conscientes da liberdade que precisamos conquistar a cada dia, reconhecendo os direitos e a dignidade do próximo, aprendamos - e tenhamos orgulho de mostrar que sabemos exercer tal domínio - a manter nossos bips e celulares, apesar de ativos, agradavelmente invisíveis e calados, aguardando que a nossa inteligência determine quando, com urgência, precisamos utilizá-los!

Theresa Catharina de Góes Campos
Fonte: Boletim informativo do Cineclube dos Educadores
Data: 18/2/2000

 

Jornalismo com ética e solidariedade.