Theresa Catharina de Góes Campos

  From: lmaikol <lmaikol@uol.com.br>
Date: 2008/10/13
Subject: Missas de Novembro 2008


Reflexões Homiléticas para Novembro de 2008
COMEMORAÇÃO DE TODOS OS FIÉIS DEFUNTOS (02.11.08)

João 6, 37-44

A celebração de hoje deve ser vista em relação com a de
ontem, dia 1 de novembro - a Festa de Todos os Santos. É a grande
celebração da "Comunhão dos Santos" - nós, a Igreja peregrina, ontem
comemoramos a Igreja já vivendo a plenitude de vida com Deus; e hoje
comemoramos a Igreja ainda em processo de purificação (a palavra
"purgatório" vem do termo latino que significa "purificar" e não
"sofrer"). No fundo, celebramos o imenso amor de Deus para conosco,
todos participantes daquilo que celebramos todos os domingos no Credo
quando declaramos que acreditamos, "Na Comunhão dos Santos, na
Ressurreição da Carne e na Vida eterna".

Embora para muitas pessoas a celebração de hoje traga
conotações de tristeza, pois suscita lembranças e saudades dos seus
entes queridos já falecidos, realmente é uma celebração de esperança e
confiança na bondade, no perdão e no amor de Deus.

O texto escolhido para hoje, ligado às declarações de
Jesus sobre o Pão da Vida, é extremamente alentador e animador.
Explicita com todas as letras que a vontade do Pai é de que Jesus
ressuscite todos/as que lhe foram confiados pelo Pai, no último dia.
Longe de nos apresentar o Pai como um juiz implacável, Jesus declara
que a vontade de Pai é que "toda pessoa que vê o Filho e n'Ele
acredita, tenha a vida eterna" e que Ele "o ressuscite no último dia"
(v 40).

Naturalmente, o texto foi dirigido em primeiro lugar à
comunidade joanina, e por isso enfatiza a ressurreição de todos/as que
receberam de Deus o dom da fé (vêem Jesus e n'Ele acreditam); mas,
fica clara a vontade do Pai de salvar para a vida eterna todas as
pessoas que procuram viver a verdade. O que perpassa todo este
discurso de Jesus é a confirmação da vontade salvífica de Deus, a
misericórdia de Deus e a manifestação desta compaixão na pessoa e obra
de Jesus de Nazaré.

É mais do que natural que hoje a gente sinta saudade dos
falecidos - especialmente dos que partiram deste mundo há pouco tempo.
Mas a celebração deve nos animar e encorajar, pois desde ontem a
Igreja toda está em festa de celebração da grandeza do amor de Deus -
nós ainda em peregrinação na terra, os falecidos no processo de serem
purificados pelo amor de Deus e os que já estão na plenitude da vida,
pois somos todos recipientes da bondade de Deus, através de Jesus que
veio "para que todos tenham a vida e a vida em plenitude" (Jo 10, 10).


FESTA DA DEDICAÇÃO DA BASÍLICA DO LATRÃO (09.11.08)
João 2, 13-22
"Mas, Ele falava do templo do seu corpo"

A Basílica de São João Lateranense, a catedral da Igreja de Roma, é
considerada a mãe de todas as Igrejas Católicas do mundo. Foi
construída por Constantino nas primeiras décadas do século quatro.

No contexto do Quarto Evangelho, esse texto se situa durante a visita
de Jesus a Jerusalém para a primeira das três Páscoas mencionadas
neste Evangelho (nos Sinóticos a vida pública de Jesus só durou um ano
e eles só mencionam uma Páscoa). No Templo, que deveria ser o lugar do
culto ao Deus verdadeiro de Israel, o Deus de libertação, o Deus dos
pobres e sofridos, ele encontra um verdadeiro mercado, onde, no pátio
externo, era possível comprar os animais para os sacrifícios, e trocar
a moeda, uma vez que a moeda corrente do país não era aceita no
Templo. Quando atacava esse comércio, Jesus estava indo além da mera
condenação de um abuso. Pois, os animais e o câmbio eram necessários
para o funcionamento do Templo. Como nos versículos precedentes do
Capítulo 2, Jesus substituiu a purificação dos judeus no sinal das
bodas de Caná, aqui ele demonstra que o centro do culto judaico perdeu
o seu sentido. Pois, a presença de Deus, antes achada no Templo, agora
deturpado pela elite religiosa e política, doravante reside em Jesus,
o Filho de Deus encarnado. Ele cumpre as profecias de Jeremias e
Zacarias que predisseram uma religião sem templo nacionalista,
explorador econômico do povo (Jr 7, 11-14; Zc 14, 20-21).

João entende que o verdadeiro e duradouro templo é o corpo de Jesus,
que será ressuscitado em três dias - ele usa de propósito o verbo
"reerguer" em lugar do "reconstruir" dos Sinóticos (Mt 26, 61). As
autoridades judaicas (não "os judeus," como raça ou religião)
destruíram o sentido do Templo, abusando do povo economicamente, como
vão destruir o corpo de Jesus, matando-o; mas Jesus tem o poder de
reerguer o verdadeiro Templo onde habita Deus, na Ressurreição, depois
de três dias.

Mais uma vez Jesus, através de uma ação profética, desmascara a
deturpação da religião, por parte das autoridades de Jerusalém. Embora
o templo fosse muito bonito e imponente, com liturgias pomposas bem
freqüentadas, a sua religião era vazia, pois escondia o rosto
verdadeiro do Deus da Bíblia. As Igrejas correm este mesmo risco nos
dias de hoje. Além da descarada exploração financeira dos seus fiéis
por parte de algumas seitas religiosas (cuidemos para não
generalizarmos aqui e que a mesma coisa não aconteça na nossa
Igreja!), as poucos muitas comunidades cristãs perderam a sua dimensão
profética de denúncia e anúncio, configurando-se ao mundo neo-liberal
de consumismo e gratificação emocional imediata, tornando o Evangelho
uma mercadoria a ser vendida através de um marketing, que jamais pode
questionar os valores da sociedade vigente. Como escreveu uma vez o
Frei Beto, a religião assim "brilha sob as luzes da ribalta, trocando
o silêncio pela histeria pública, a meditação pela emoção, a liturgia
pela dança aeróbica. Na esfera católica, torna o produto mais
palatável, destituindo-o de três fatores fundamentais na constituição
da igreja, mas inadequados ao mercado: a inserção dos fiéis em
comunidades, a reflexão bíblico-teológica e o compromisso pastoral no
serviço à justiça. As homilias se reduzem a breves exortações que não
incomodam as consciências".

Assim, o texto de hoje nos traz um alerta - Jesus não veio compactuar
com uma religião exploradora, alienadora, aliada ao poder, mas para
encarnar as opções do Deus Javé, libertador dos males e de toda
exploração; ele veio "para que todos tenham a vida e a vida em
abundância"(Jo 10, 10). Uma religião que abandonasse a sua função
profética seria tão traidora como a religião decadente das elites do
Templo. Diante da arrogância despótica dos que se consideram "donos"
do mundo e dos seus recursos, por causa do seu poderio militar e
econômico (embora esse último esteja com os alicerces minados nesses
últimos meses), as vozes de Bento XVI, do Arcebispo Desmond Tutu, do
Dalai Lama e de outros líderes religiosos soam profeticamente ao redor
do mundo, lembrando-nos que a religião não se confina à sacristia, mas
tem que levar à prática dos princípios do Reino, que recusa legitimar
o derramamento de sangue e a destruição do meio-ambiente em troca de
petróleo e do lucro. A Campanha da Fraternidade de 2009 convocará
todos os cristãos para que recuperem essa dimensão profética na luta
em favor das pessoas que sofrem todo tipo de violência hoje, com o
lema "Da Justiça Florescerá a Paz".

Neste domingo em que a Igreja celebra a dedicação da Basílica de São
João de Latrão, em Roma, verifiquemos o estado de reparo da nossa
Igreja Viva - feita não de pedras talhadas e construções imponentes,
por tão bonitas e até necessárias que possam ser, mas de
discípulos/as-missionários/as, inspirados pela pessoa e projeto de
Jesus. Aproveitemos do ensejo para reavaliar a nossa prática
religiosa, para que não caiamos na desgraça do Templo - bonito,
atraente e emocionante, mas vazio de sentido.

TRIGÉSIMO TERCEIRO DOMINGO COMUM (16.11.08)
Mateus 25, 14-30
"Muito bem, empregado bom e fiel"

O Evangelho de hoje situa-se no quinto e último grande
discurso do Evangelho de Mateus - o Discurso Escatológico, ou aquele
que trata do fim último das coisas. O tema básico do discurso é a
vigilância, ilustrada pela leitura dos sinais dos tempos (24, 1-44), a
parábola do empregado responsável (24, 45-51), a das virgens prudentes
e imprudentes (25, 1-13), e que vai terminar no próximo domingo, Festa
de Cristo Rei, com o texto sobre o Juízo Final (25, 31-46).

O texto de hoje versa sobre os empregados e os talentos -
no tempo de Jesus um talento era uma soma considerável de dinheiro, e
hoje, no contexto da parábola, pode ser interpretado em termos de dons
recebidos de Deus. O trecho demonstra que o importante é arriscar-se e
lançar-se à ação em prol do crescimento do Reino de Deus, para que os
dons que recebemos de Deus possam crescer e se frutificar (de forma
alguma se deve interpretar o texto ao pé-da-letra, como se ela
tratasse de investimentos e lucros financeiros, pois ele é uma
parábola, que é uma comparação que usa imagens e símbolos conhecidos).

Jesus confiou à comunidade cristã a revelação dos segredos
do Reino e a revelação de Deus como o "Abbá", ou querido Pai. Esse dom
é um privilégio, mas também um desafio e uma responsabilidade. Nem a
comunidade cristã, nem o cristão individual podem guardar para si essa
riqueza. Embora carreguemos "esse tesouro em vasos de barro" (2 Cor
4,7), como disse São Paulo, temos que partir para a missão, para que o
maior número possível chegue a essa experiência de Deus e do Reino.
Não é suficiente que estejamos preparados para o encontro com o Senhor
(mensagem do texto anterior a este, o das virgens) - o outro lado da
medalha é a atividade missionária, que faz com que o Reino de Deus
cresça, mediante o testemunho da nossa prática da justiça!

FESTA DE JESUS CRISTO REI DO UNIVERSO (23.11.08)
Mateus 25, 31-46
"Quando fizeram isso a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim"

Hoje encerramos as celebrações dominicais do ano litúrgico
com a festa de Cristo Rei. O evangelho de hoje é o famoso texto de
Mateus 25 sobre o Juízo Final. Nesse texto, enfatiza-se a sorte eterna
dos que optaram ou não pela vivência da "justiça do Reino dos Céus". O
primeiro discurso do evangelho - o Sermão da Montanha - enfatizou que
quem vivesse essa justiça seria perseguido (5, 12); o segundo
discurso, o Missionário, insistiu que os discípulos não deveriam ter
medo diante dessas perseguições, sofrimentos e rejeição (10,
23.28.31); o terceiro - as parábolas do Reino - ensinou a paciência e
perseverança diante do lento crescimento do Reino e da fraqueza da
comunidade (13); o quarto - o Discurso Eclesiológico - traçou as
características da comunidade dos que procuram essa justiça. Agora, o
último discurso - o Escatológico - mostra que a vivência dessa justiça
será o critério de Deus para o julgamento final. Ilustra-se, de uma
maneira viva, o sentido da frase lapidar do Sermão da Montanha: "Se a
justiça de vocês não for superior à dos doutores da lei e dos
fariseus, não entrarão no Reino do Céu" (5, 20). Jesus - o Rei - não
pergunta sobre o cumprimento das leis de ritual e de pureza, tão caras
aos doutores da lei e fariseus, mas sobre a prática da justiça do
Reino, diante do sofrimento de tanta gente - famintos, sedentos,
migrantes, esfarrapados, doentes e presos. A prática de solidariedade
com os oprimidos é a única prova de uma verdadeira fé em Jesus, e do
seguimento fiel dele.

Esse texto não pode deixar de nos questionar, vivendo como
estamos numa sociedade cada vez mais excludente. Celebramos hoje Jesus
como "Rei do Universo". Mas, Ele se torna rei da nossa vida somente na
medida em que fazemos essa opção real pelos oprimidos, e vivenciamos
"a justiça do Reino do Céu", tema central do Evangelho de Mateus. Num
mundo que nos apresenta tantas outras opções "régias" - ou seja,
opções que regem a nossa vida e manifestam o que são os nossos valores
últimos, o texto nos leva a verificar se realmente Jesus é o Rei da
nossa vida - se é o Evangelho d'Ele que as rege, ou se o título não
passa de mais um dos rótulos vazios, sem conseqüências práticas, tão
queridos dos arautos de uma religião intimista, sentimentalista e
individual, tanto em voga nos nossos tempos. Será que a utopia do
Reino de Deus, o seguimento de Jesus até a Cruz, a prática da Justiça
do Reino são os elementos que norteiam as nossas práticas, individuais
e comunitárias? Se não, então Jesus Cristo ainda não se tornou Rei do
nosso universo pessoal e eclesial. É o questionamento do texto de
hoje, que nos lembra que Jesus não é Rei conforme os padrões deste
mundo, mas o Rei pobre e justo, tão esperado pelos oprimidos de todos
os tempos. A sua proposta para a sociedade não é a confirmação de uma
estrutura piramidal, conforme os modelos históricos, mas a sua mudança
radical para que o mundo seja regido por princípios de solidariedade e
justiça, de partilha e fraternidade. Ele é Rei, no sentido da
esperança dos "pobres de Javé" do Antigo Testamento, tão bem retratada
pelo profeta Segundo Zacarias: "O seu Rei está chegando, justo e
vitorioso. Ele é pobre, vem montado num jumento, num jumentinho, filho
de uma jumenta. Ele destruirá os carros de guerra de Efraim e os
cavalos de Jerusalém, quebrará o arco de guerra. Anunciará paz a todas
as nações, e o seu domínio irá de mar ao mar, do Rio Eufrates até os
confins da terra" (Zc 9, 9s). Jesus será o nosso rei na medida em que
vivemos esses valores da verdadeira Shalom, que inclui a paz, a não
violência, a partilha e a justiça.

A crise atual no sistema financeiro mundial, com as suas
cifras astronômicas de apoio aos bancos e banqueiros falidos -
enquanto somente migalhas são destinadas aos bilhões e famintos e
sofridos do mundo - demonstra bem como a sociedade atual é dominada
pelos interesses do lucro e do capital, mesmo em países que se dizem
cristãos. Estamos longe de um mundo onde Jesus Cristo seja realmente o
Rei - regido pelos valores que Jesus encarnou na sua pessoa, projeto,
ensinamento e opções, e que nós herdamos como discípulos/as d'Ele.

PRIMEIRO DOMINGO DO ADVENTO (30.11.08)
Marcos 13, 33-37
"Digo a todos: fiquem vigiando!"

Com a celebração do Primeiro Domingo do Advento, a Igreja inicia um
novo Ano Litúrgico, num ciclo que celebra todos os principais eventos
da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Advento é um tempo não
tanto de penitência, mas de expectativa e preparação para a vinda do
Senhor no Natal. Três figuras muito importantes da liturgia do Advento
são: o profeta Isaías; o Precursor - São João Batista; e, Maria de
Nazaré - a Mãe do Senhor.

Um tema constante no Advento é o da vigilância. "O que
digo a vocês, digo a todos: fiquem vigiando". Obviamente, não no
sentido de vigiar os outros, mas da vigilância evangélica, uma atitude
constante de compromisso com o seguimento de Jesus. É preciso vigiar a
nós mesmos, para que não deixemos de pôr em prática as mesmas atitudes
e opções concretas de Jesus de Nazaré. É vigiar para que façamos
sempre não o que Jesus fazia, mas o que ele faria se estivesse no meio
de nós hoje.

O convite à vigilância não é somente pessoal, mas também
comunitário. Pois, com o decorrer dos anos, é possível que tanto os
indivíduos como as instituições eclesiais – congregações religiosas,
pastorais específicas, movimentos espirituais e até as próprias
igrejas - caiam no comodismo, perdendo de vista a finalidade última da
sua atuação - o Reino - e se contentando com uma prática meramente
externa de uma moral ou ética. O texto de hoje convida a todos nós
para que façamos do discernimento um modo de viver, que sejamos sempre
vigilantes para que o nosso modo de ser, atuar e falar estejam
coerentes com as opções concretas de Jesus de Nazaré, em favor do
Reino de Deus, da justiça, solidariedade e fraternidade.

Daqui quatro semanas, celebrar-se-á o Natal. Para muitos,
será simplesmente uma festa comercial ou uma oportunidade de festejar
e alegrar-se. Para outros, mergulhados na miséria e na fome, endêmicas
em muitas regiões do planeta, será sem sentido. A qualidade do nosso
Natal dependerá em grande parte da qualidade do nosso Advento. Se
fizermos desse tempo um verdadeiro momento de discernimento,
avaliação, vigilância e renovação, então teremos realmente um Natal -
um renascimento de Jesus na nossa vida. Caso contrário, somente
teremos uma festa no dia 25 de Dezembro, que logo acabará e passará
sem deixar rastros, a não ser dívidas a pagar ou ressacas! Atendamos o
convite de Jesus! Façamos do Advento deste ano um tempo de avaliação,
de oração, de renovação, e teremos a imensa alegria de um verdadeiro
Natal - um reencontro verdadeiro com Jesus, o Emanuel - o
Deus-Conosco!

"O que digo a vocês, digo a todos: Fiquem vigiando".

Tomaz Hughes, SVD

E-mail: thughes@netpar.com.br

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