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PEÇAS DE TEATRO EM LIVRO
Antônio Hohlfeldt*
Umas das queixas constantes de produtores e
diretores de teatro
no Brasil é a inexistência de textos novos para
serem produzidos ou
montados. Por outro lado, também se fala muito
na inexistência de
publicação desses textos, na forma de livro, o
que facilita em muito
sua divulgação. Ainda há pouco, participando de
um encontro com
realizadores locais de teatro, lembrei que, em
boa parte, existe total
distanciamento entre escritores e teatro,
fazendo com que raríssimos
autores de romances, contos ou novelas, ou mesmo
poetas, se arrisquem
ou se interessem em escrever para teatro. Falta
de tradição? Falta de
interesse apenas? Ou falta de "status" para o
teatro que os
preconceitos sobre literatura, assumidos por
nossos escritores apenas
agravam?
Lembrava eu, na ocasião, que a editora gaúcha
Tchê chegou a
inaugurar, há dois anos, uma coleção de textos
dramáticos, não
chegando, porém, a completar meia dúzia de obras
e suspendendo o
projeto. Não obstante, recebi, nos últimos
meses, alguns livros
contendo textos teatrais que, por isso mesmo, a
partir de hoje, quero
comentar brevemente e divulgar através desta
coluna. Pode ser até que
alguns interessados acabem se valendo dessas
obras para suas
realizações.
Começo com um texto mais antigo, pois foi
originalmente editado
em 1986, tendo sido produzido em Brasília em
1983, após conquistar
auxílio de montagem na premiação do concurso de
dramaturgia "Nelson
Rodrigues" do Distrito Federal. Seu autor é o
jornalista Reynaldo
Domingos Ferreira e o texto nasceu, conforme seu
depoimento, de um
artigo escrito em 1972, publicado inclusive aqui
em Porto Alegre pelo
então "Correio do Povo". No texto breve do
artigo, Reynaldo Domingos
Ferreira chamava a atenção para e entronização
de nossas personagens
históricas, que recebem certa versão oficialesca
e nela permanecem ad
saecula saecolorum, perdendo, por isso mesmo,
sua perspectiva humana
e, conseqüentemente dramática. Vale dizer,
exatamente aquela dimensão
que a tornaria interessante aos olhos
contemporâneos e nos permitiriam
maior interesse e compreensão. Na ocasião, o
jornalista falava da
figura do inconfidente Tiradentes, sobre quem,
aliás, a escritora
Maria José de Queirós publicou há dois anos
alentado romance, que
registrei no "Diário do Sul", enfocando uma
filha bastarda do líder
insurrecional do século XVIII, filha essa que é
a segunda referência
explícita aos amores de Joaquim José, pois ele
teve também um outro
filho bastardo, tendo sua geração, por este
lado, remanescido até o
início do século XX.
Pois Reynaldo Domingos Ferreira escreveu
interessante e valioso
drama em torno do episódio da Inconfidência
Mineira, tomando como
centro de sua atenção a figura de Bárbara
Heliodora, a amante e depois
esposa do poeta Inácio Alvarenga Peixoto. O
leitor lembrará, aliás, as
menções a uma outra Bárbara na peça de Chico
Buarque de Holanda,
"Calabar", proibida na época da ditadura.
Pois "Dona Bárbara" desenvolve sua ação
dramática no final do
dia 5 de abril de 1789, quando Inácio Alvarenga
Peixoto, retornando do
Rio de Janeiro a Vila Rica, após audiência com o
Visconde de
Barbacena, vice-rei na ocasião, acaba sendo
preso em sua própria casa.
"Dona Bárbara" divide-se em dois atos e
constitui-se em verdadeiro
"tour de force" de seu autor, pois é uma peça
eminentemente
descritiva, advindo sua dramaticidade da
oposição entre as duas
principais personagens Bárbara e Alvarenga
Peixoto, que se expressa de
maneira crescente menos pelos atos explícitos de
cada cena do que
pelos conceitos que expressam.
No primeiro ato, Bárbara e Alvarenga relembram
fatos passados,
valendo-se o autor, por isso mesmo, da clássica
técnica da descrição e
da rememoração. O início do ato centraliza sua
atenção em Bárbara,
que tam premonições sobre o que virá a ocorrer
com ela e o marido (o
que, depois se entenderá, decorre de um encontro
seu com o Padre
Toledo, um dos inconfidentes, que lhe avisara
sobre a sustação da
derrama, a descoberta da rebelião e a ameaça de
prisão a alguns dos
inconfidentes). O texto é eminentemente poético
e altamente
informativo.
Já num segundo momento, quando Alvarenga Peixoto
chega a casa,
temos cenas amorosas entre os dois esposos,
revelando-se ainda a
impetuosidade da mulher (historicamente, conta
Reynaldo num
pós-escrito, Bárbara manteve um relacionamento
por mais de dois anos
com o poeta, sem as bênçãos e oficialização da
Igreja, o que foi
altamente escandaloso para a época, só não tendo
desenvolvimento maior
pela fortuna que a família de Bárbara possuía em
sua conseqüente
situação social. Aliás, deste estudo desvenda-se
também o interesse
particular de ascensão social de Alvarenga
Peixoto. Seja como for, a
seqüência é bastante interessante sobretudo
quando o poeta declama um
soneto que teria composto pouco antes, na
viagem, e que centraliza a
tensão dramática de toda a peça.
Já o segundo ato nos revela a cena familiar do
jantar, quando,
do dialogo, entre Bárbara e Inácio, depreende-se
os primórdios do
romance: o conhecimento dos dois, a decisão de
Bárbara em casar-se com
o jovem, as resistências oferecidas, etc. A cena
é cortada
abruptamente pela chegada do Padre Toledo que
vem avisar a Inácio para
que fuja, escapando da prisão, a que refuga o
poeta, convicto de que
convenceu o vice-rei de sua inocência. É então
que, dramaticamente
falando, a tensão se revela – o sacerdote e
Bárbara descobrem que o
poeta deve ter, no mínimo, renegado suas
convicções e talvez até mesmo
traído seus companheiros.
Logo após a fuga de Padre Toledo chegam os
soldados com ordens
de prisão para Inácio. O poeta pretende ver-se
livre das acusações,
realmente traindo aos demais inconfidentes, o
que não é aceito pela
esposa, que o alerta de que se vai entregar os
companheiros, deve
mencionar a ela própria, Bárbara. Esse fato é
tão mais digno de nota
quando se sabe que, na sua convivência com os
inconfidentes, Bárbara
não era bem vista, pois defendia a monarquia, ao
contrário dos
sediciosos, que eram republicanos. A peça se
encerra com os gritos de
Alvarenga Peixoto no sentido de que a mulher o
salve, seguindo-se a
leitura dos "Autos da Devassa" (que se encontram
publicados em sete
volumes, e cujos comentários foram alvo
inclusive de um interessante
livro do escritor gaúcho Sergio Faraco).
"Dona Bárbara" filia-se à tradição do teatro
literário romano de
Sêneca, mas uma montagem cuidada e inteligente
sem dúvida alguma faz
deste texto um belo espetáculo teatral, na linha
de Ibsen, por
exemplo, sobretudo na medida em que nos coloca à
frente das
contradições humanas do poeta e da personagem
histórica e nos revela
sobretudo mais um perfil feminino cuja presença
é tão forte, mas,
contrariamente, tem sido marginalizado em nossa
história.
*Crítico de teatro e ex-vereador em Porto
Alegre. |
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