Theresa Catharina de Góes Campos

  PARA ONDE MANDAR A TRISTEZA?


Encontrei a tristeza dentro de mim.
Fiquei assustada.
Amedrontada, ansiosa,
sem saber o que fazer...
Como tantas pessoas humildes
que visitei em suas palhoças,
decidi matutar, matutar,
para ver o que fazer
amanhã, depois de amanhã...


Pensei em mandá-la exilada
para qualquer lugar desterrada,
desde que mais distante fosse...
Outra idéia foi torná-la reclusa,
em solitária permanente.
Morte por fuzilamento, nem pensar!
(Aliás, nenhuma morte, a não ser a natural,
eu poderia aceitar, ressalto convicta.


Aí o caso ficou difícil de resolver,
bem complicado, de fato.
Continuando a matutar,
vislumbrei algumas soluções:
mandá-la viajar para bem longe
foi a primeira alternativa.
Se a tristeza implicasse
com o destino e as escalas da viagem,
eu proporia que ela apresentasse
seus próprios roteiros.
Mas com uma única exigência
de minha parte: seus planos
não poderiam incluir continuar
morando comigo.
As outras idéias seriam aceitáveis,
consideradas justas por mim,
que continuava intimidada com a tristeza,
sitiada por sua persistência,
um verdadeiro cavalo-de-tróia,
ferindo meu "calcanhar-de aquiles",
meu frágil coração.


Ora, ora, a tristeza também decidiu
matutar, matutar, à beira de seu casebre
instalado dentro de mim,
afirmando eu que ela invadira
(jamais obtivera minha autorização)
inesperadamente meu corpo,
coração...e, na sua petulância
plena de disfarces e máscaras
inusitadas, dramáticas,
chegando aos poucos, de pouquinho,
até a dominar minha mente! -
enquanto eu matutava, matutava,
para depois ocupar bastante espaço.
Não lhe pertencia, o lugar em que vivia
nos meus domínios.Não era dela!
continuo a dizer, chorando,
muitas vezes aos gritos,
reafirmando eu, ainda assustada,
que deveria sair sem mais delongas,
sem matutar mais, por favor!


Ora, ora, depois de muito matutar, matutar,
a tristeza resolveu se defender
de minhas acusações tão agressivas
(seriam histéricas? vou matutar,
matutar, antes de meu comportamento analisar...)
Em sua defesa, a tristeza argumentou
que eu estava muito esquecida...
ou talvez fosse fingimento meu ...
porque ela se "alembrava" bem,
não tinha esquecido, não,
ela se "alembrava direitinho":
recebera meu convite, e aceitara!
Por que não? Agora era minha hóspede,
sem data certa para sair...
em casa tão agradável, com generosa dona.
Como estava gostando de minha hospitalidade...
sim, era sempre bem tratada, ressaltou
a tristeza com repentino atrevimento:
com educação, cortesia, como ela merecia!


E eu ansiosa, a matutar, a matutar,
suando frio, a matutar sem parar,
o dia todo pensando, atormentada ,
como parar de matutar, matutar
e uma solução imediata encontrar.


Enquanto eu matutava, matutava,
dentro ou fora de casa,
sonhando ou bem acordada,
a tristeza tomava conta de mim,
se apossando de todos os espaços
possíveis e disponíveis!
Como enfrentá-la? Como expulsar
um falso hóspede, sem convite?
Enquanto eu matutava, servia café,
chá de hortelã, sobre o tempo conversava.


Depois de muito matutar,
apesar de minha pressa,
cheguei à conclusão,
talvez arriscada, não sei,
em favor da não-expulsão
de uma tristeza tão pacífica,
sem agressividade e companheira.
Uma tristeza melancólica, ainda
não-depressiva, companheira...


O resultado de tanto matutar
foi a realidade da vida aceitar.
Dei permissão para a tristeza ficar,
porém, assumindo a coragem
necessária, fundamental a todas as vidas,
seus limites em minha casa demarquei,
seu espaço reduzido indiquei,
sem hesitação, sem mais matutar,
não mais silenciosa, alienada,
conscientemente falei e agi.
E aí, sim, fiz um convite formal, sincero,
para um hóspede querido em minha casa,
que teria quase todos os privilégios renovados
periodicamente:a alegria faceira, sábia, companheira
para conviver sem atritos com a tristeza.
A alegria que também inspira os seres humanos
a grandes realizações, fortalecendo-os nos sonhos,
e fica matutando, matutando, sobre os segredos
de toda existência: tantos caminhos difíceis
que tristeza e alegria percorrem juntos.


(Ora, ora, que tanto matutar é esse?!
Ufa, agora chega de matutar!)


Theresa Catharina de Góes Campos
(1966) Ilha do Bananal - Goiás (desde 1988, Estado do Tocantins)

From: artemis coelho
Date: 2008/12/27
Subject: RE: PARA ONDE MANDAR A TRISTEZA?
To: Theresa Catharina de Goes Campos


Um embate e tanto! Ótimo,cheguei a imaginar um monólogo/diálogo teatral; e prá minha surpresa, de 1966! e Ilha do Bananal! haja surpresas...
Fiquei encantada de vc usar o 'matutar' de que tanto gosto. Não sei se já te mandei um poeminha sobre a palavra, tomara não ser repetitiva, "voilà"...

MATUTAR

Artemis Coelho


Só pode matutar quem é matuto.
Só é matuto quem sabe que nada sabe,
Só matuta.

Somente quem pensa que sabe
Sabe o que é um matuto.
Mas o que o matuto de fato não sabe.

É que quem pensa que sabe o que é um matuto,
nada sabe...

Pensando saber tudo.


From: Dolinha
Date: 2008/12/27
Subject: Re: PARA ONDE MANDAR A TRISTEZA?
To: Theresa Catharina de Goes Campos


Querida amiga

(...) a sua poesia me calou fundo e me abriu lembranças, de 1966. Na Universidade de Brasília (UnB), eu era sua aluna de Jornalismo, e a admirava como hoje.
Com carinho
Dolinha


From: Luci Tiho Ikari
Date: 2008/12/31
Subject: Re: PARA ONDE MANDAR A TRISTEZA?
To: Theresa Catharina de Goes Campos


Theresa Catharina:
A vida te tornou uma filósofa de mão cheia. Luci

 

Jornalismo com ética e solidariedade.