Theresa Catharina de Góes Campos

   O RAIO VERDE

É verão em O Raio Verde (Le Rayon Vert), do diretor francês Eric
Rohmer. Quinto da série "Comédias e Provérbios", o filme, de 1986, foi
ganhador do Leão de Ouro do Festival de Veneza no mesmo ano. Este
período, tão aguardado pelos parisienses, é o das férias de julho,
quando a grande maioria viaja para descansar, relaxar e principalmente
se divertir.

Mas, para a entediada secretária Delphine (Marie Riviere) as férias de
julho chegaram e ela não sabe o que fazer com seus dias livres. Seu
namoro com Jean-Pierre terminou. recentemente. Sua companheira para
uma viagem que faria para a Grécia acabou cancelando duas semanas
antes da data. Sem nenhuma opção e se sentindo solitária e
incompreendida, ela vai tentar encontrar suas "férias ideais" - mesmo
sem saber por onde começar.

Apesar dos convites de seus parentes para acompanhá-los em um
acampamento na Escócia e de suas amiga a encorajarem a viajar em uma
excursão turística, ela decide, mesmo não gostando da idéia, em viajar
sozinha. Mas qual será o lugar ideal?

Delphine vai primeiro a Cherbourg, com uma amiga, mas dias depois
volta para Paris. Então vai para os Alpes Suíços, onde o frio e a
solidão pesam, fazendo com que a moça volte de novo para Paris no
mesmo dia. Finalmente ela decide ir para a badalada Biarritz, na Costa
Atlântica.

É lá que ela escuta uma conversa sobre o romance O Raio Verde de Júlio
Verne e a existência do tal raio, que pode ser visto no último segundo
de um pôr-do-sol no mar, quando a luz do sol, antes de desaparecer, se
torna verde. Segundo o escritor, para quem consegue ver o raio verde,
seus pensamentos mais íntimos e os das pessoas à sua volta são
magicamente revelados.

Triste em Biarritz, Delphine decide voltar mais uma vez para Paris. Na
estação de trem, por acaso, ela acaba conhecendo um rapaz com quem
consegue conversar e se abrir. Talvez, em um pôr-do-sol, o raio verde
esteja esperando os dois...

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O raio verde: o romance como agente estimulador da observação científica
Artigo de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão*
Publicado em 26/04/2005 - 19:31

Desde a minha juventude, ao ler os romances de Jules Verne, o desejo
de ver o famoso raio verde dominou-me. Por ocasião dos meus estágios
no Observatório do Pic-du-Midi, não só no poente como no nascente,
tive ocasião de observá-lo diversas vezes, antes e depois do período
de minhas observações astronômicas. É algo surpreendente: seja
acompanhar o desaparecimento disco solar, no poente, para observar a
luz verde que subitamente aparece quando o Sol se encontra quase
completamente submerso na linha do horizonte, ou ao contrário, tentar,
no silêncio gélido das madrugadas dos Pirineus, a 2.800 metros de
altitude, visualizar o aparecimento do Sol, cuja posição no horizonte,
já havíamos previamente determinado na noite anterior. Exercício de
paciência e determinação que vale a pena ser tentado. Mesmo na
ausência do raio verde, compreendemos o misticismo que acompanha estes
dois momentos, ao longo da história da humanidade, em virtude dos
diversos matizes cromáticos que se apresentam, como uma tela
impressionista a renovar-se a cada dia.

O raio verde é um feixe dominantemente esverdeado que surge quando o
limite superior do bordo do disco solar desaparece ou reaparece no
horizonte, respectivamente, durante o ocaso ou nascer do Sol. O uso
do vocábulo raio, usado na França - le rayon vert - na Alemanha - der
grume Strahl - deve-se à idéia que a observação transmite ao leigo de
que o fenômeno parece constituir um feixe luminoso emitido pelo Sol
naqueles dois exatos momentos. Em virtude do raio verde aparecer como
um relâmpago de curta duração, os ingleses preferem empregar a
expressão green flash, embora também usem green ray, para designar
este fenômeno.

Todas estas designações partem da idéia de que esse fotometeoro é
visto usualmente, durante curta fração de segundos, nas regiões
próximas ao equador terrestre, como ocorre no Egito, onde parece terem
surgidos os primeiros relatos deste evento, sempre como uma ocorrência
de curta duração. Na realidade, o raio verde pode ser mais longo se
observado, nas latitudes mais elevadas, próximo aos pólos norte e sul.
Recentemente surgiu uma nova designação inglesa, mais compatível com a
realidade, - green rim (bordo verde) usada para definir os fragmentos
esverdeados que, às vezes, parecem flutuar sobre os bordos do disco
solar, quando do nascimento ou pôr-do-Sol.

A formação do raio verde depende de vários fatores, fazendo com que a
sua aparição constituía um fenômeno relativamente raro, ou melhor, de
difícil observação. É provocada pela refração, dispersão e observação
da luz solar na atmosfera terrestre, cuja estrutura e composição tem
também muita importância na sua formação.

Nas regiões equatoriais e tropicais, o fenômeno é visto durante uma
fração de segundo e só pode ser apreciado quando o ar está claro e o
horizonte distintamente visível, condições mais fáceis de serem
encontradas nos mares, nas montanhas e nos desertos.

Ao contrário dos outros fenômenos físicos, o interesse pelo raio verde
surgiu de um relato de ficção científica. De fato, foi a publicação do
livro Le Rayon Vert do escritor francês Julio Verne, em 1882, que
atraiu a atenção dos homens de ciência, se considerarmos o número de
artigos de natureza científica consagrados ao raio verde, após o
aparecimento deste romance. Como não se conhece nenhuma publicação
anterior sobre o assunto, seria interessante procurar saber o que
teria despertado a atenção de Julio Verne. A bem da verdade, a mais
antiga observação de que se tem conhecimento foi relatada pelo físico
inglês W. Swan, um ano após a publicação do livro de Verne, na revista
inglesa Nature, em 1883, onde está registrada a "deslumbrante visão de
um raio verde esmeralda, ao pôr-do-Sol, sobre uma distante montanha em
Righi, a 13 de setembro de 1865".

Outra referência anterior é uma carta enviada à Manchester Literary
and Philosophical Society, em 1869, relatando a observação de um raio
verde efetuada por Baxendell. Somente extratos desta carta foram
introduzidos num artigo que D. Winstanley publicou em Nature, em 1873,
na qual se apresenta uma primeira explicação teórica para o fenômeno.
Segundo Winstanley, a atmosfera age sobre a luz solar como um prisma
de baixa dispersão. O espalhamento cromático causado pela ação
prismática proporciona o aparecimento de uma coloração azul-violeta no
bordo superior do disco solar. No entanto, como o violeta e o azul se
dispersam mais intensamente do que o verde na atmosfera, o bordo
superior do Sol apresenta-se esverdeado, pois as outras cores são
absorvidas pela atmosfera.

É curioso que a maior parte dos que estudaram o raio verde tenha se
referido ao romance de Jules Verne, sem lembra que além da descrição
do fenômeno o ficcionista francês sugeriu duas hipóteses científicas
para explicá-lo. Devemos assinalar que a explicação proposta por
Winstanley não aparece na novela, o que faz supor que Verne a
desconhecia ou não a aceitou como provável. Entretanto, o que muito
impressionou é o fato do pesquisador que mais estudou o assunto, o
jesuíta D.J.R.O´Connell, do Observatório do Vaticano, em seu livro The
Green Flash and Other Low Sun Phenomena (1958), tenha atribuído as
duas hipóteses expostas por Verne a outros autores que publicaram seus
trabalhos depois de 1882.

A trama deste romance de Jules Verne - concentra-se na tentativa de
dois tios, Sam e Sib, procurarem convencer a sua sobrinha, Helena
Campbell, a esposar um jovem rapaz de grande cultura, Aristobulus
Ursiclos. Diante da insistência dos tios, Helena acaba confessando que
nunca se casaria: "nunca, meus tios ... ao menos enquanto não tiver
visto ... o Raio Verde". A condição exigida pela jovem personagem
verneana fundamentava-se numa velha lenda, segundo a qual esse raio
tinha o dom de fazer que quem o visse uma vez nunca mais poderia
enganar-se em questões de sentimento: sua aparição destruiria ilusões
e mentiras. Quem tivesse sido suficientemente feliz em avistá-lo uma
só vez, poderia ver claro no seu coração e no dos outros. Escondendo
esta estória dos tios, Helena, para justificar a condição exigida para
se casar e provar a realidade de sua exigência, leu para os seus tios
a seguinte notícia publicada no Morning Post:


"Haveis observado alguma vez o pôr-do-sol em um horizonte marítimo?

Certamente.

Tende-lo seguido até o momento em que a parte superior do seu disco
toca a linha de água e vai desaparecer?

É muito provável.

Mas haveis notado o fenômeno que se dá no instante preciso em que o
radioso astro despede o seu ´ultimo raio, se o céu. Limpo de nuvens,
está então em toda a sua pureza?

Talvez não?

Pois bem, a primeira vez em que se vos oferecer a ocasião - e
oferece-se muito raramente - de fazer esta observação, não será, como
se poderia supor, um raio vermelho que virá ferir-vos a retina, será
um raio "verde", mas de um verde maravilhoso, de um verde que nenhum
pintor pode tirar do seu pincel, de um verde cuja gradação a natureza
nunca reproduziu, nem no matriz tão variado dos vegetais, nem na cor
dos mais límpidos mares!

Se no Paraíso existe verde, não pode deixar de ser este, que é, sem
dúvida, o verdadeiro verde da Esperança!"


Diante de tal condição os seus tios não tiveram outra alternativa
senão realizar numa longa viagem à procura de horizontes marítimos
livres, onde pudessem acompanhar o pôr-do-Sol. O livro é uma longa
seqüência de dificuldades que se opõem a visualização do raio verde.
Quando as condições atmosféricas eram favoráveis, era a vela de um
barco, ou uma revoada de pássaros ou o súbito aparecimento de nuvens,
no horizonte, os motivos para que o fenômeno não fosse observado.
Neste longo relato cheio de peripécias a mais incrível, em um
determinado momento Aristóbulos surge, com o ar pedante dos profundos
conhecedores. Além de expor suas idéias sobre o raio verde apresentou
as duas hipóteses mais em voga na época. Aliás, sob os protestos de
Helena, que não gostaria de ver os seus sonhos desfeitos com
explicações de natureza física:


"- Não diga, senhor, gritou miss Campell, não quero saber!

- Mas sim, replicou Aristóbulos Ursiclos, exaltado pela discussão.

- Proibo-lho ...

- Embora, hei de dizer-lho, miss Campell. Esse último raio que o sol
despede no momento em que o bordo superior do seu disco toca ao leve o
horizonte, se é verde, é talvez porque no momento em que atravessa a
delgada camada de água se impregna da sua cor...

- Cale-se, Sr. Ursiclos!

- A não ser que o verde muito naturalmente suceda ao vermelho do
disco, que subitamente desapareceu, mas de que os olhos conservaram a
impressão, porque, em ótica, o verde é a sua cor complementar

- Ah! senhor, as suas demonstrações físicas...

- Os seus raciocínios, miss Campbell, estão de acordo com a natureza
das coisas, e tenciono justamente publicar uma memória sobre o
assunto.

- Saiamos daqui, meus tios! disse miss Campbell, verdadeiramente
irada. O senhor Ursiclos, com as suas explicações, acabaria por me
estragar o meu Raio Verde!"



A estas duas explicações Jules Verne fez uma crítica irônica, através
do seu personagem Oliveiros Sinclair, ao comentar que outros sábios
trataram cientificamente uma outra importante questão ao publicar: Da
influência dos rabos de peixe nas ondulações do mar, quando então
sugeriu a Aristóbulus que além de redigir sua memória sobre o raio
verde, recomendaria às suas sabias cogitações outro importante
assunto: Da influência dos instrumentos de sopro na formação das
tempestades

Tais críticas indiretas às explicações em voga na época, são um
indício de que o escritor de Nantes estava muito convencido da
veracidade científica daquelas idéias. Infelizmente parece que Verne
desconhecia a proposta de Winstanley, limitando-se às hipóteses de um
reflexo da cor dos oceanos e o de cor complementar. Não compreendemos,
no entanto, como O´ Connell não tenha atribuído à Verne as duas
hipóteses. De fato é nesta obra, que encontramos a primeira exposição
escrita sobre tais explicações. Não há dúvida que ficcionista francês
deve ter lido algo sobre o assunto antes de começar a escrever o seu
romance. Sabe-se que Verne era um profundo estudioso dos problemas que
relatava ou previa em suas obras. Aliás, convém recordar que Verne
condenava em H.G.Wells justamente o fato deste "inventar", como no
caso da carvorita - matéria capaz de anular o campo gravitacional -
que não tem nenhuma base científica. Verne previu muitos inventos,
porém tudo foi conseqüência de um profundo estudo e análise, quase
sempre com fundamento científico. Aliás, este fato é talvez a origem
de sua universalidade e atualidade, como se verifica ao saber que as
suas novelas são lidas até hoje com o mesmo interesse pelos jovens.
Por outro lado, convém recordar que ao seus relatos, Verne associava
sempre o seu conhecimento geográfico na descrição das paisagens e
acidentes topográficos das regiões onde se passavam suas viagens
maravilhosas. Os mapas que acompanham as primeiras edições de seus
livros, infelizmente eliminados nas posteriores, comprovam que a
elaboração de suas obras era precedida por uma pesquisa minuciosa. O
mesmo deve ter ocorrido com a novela O Raio Verde, quando sem dúvida o
escritor realizou uma pesquisa cuidadosa sobre o problema. Aliás, pela
leitura de um manuscrito inédito de Jules Verne, Voyage a Reculons en
Anglaterre et en écosse (Viagem em Recuos pela Inglaterra e Escócia),
publicado agora pelas Editions du Cherche Midi, em Paris, podemos
afirmar que a celebre gruta escocesa de Fingal - cenário da novela O
Raio Verde - foi visitada, em 1859, pelo autor de Vinte Mil Léguas
Submarinas, que na época tinha 31 anos, quando teve a oportunidade de
visitar, com um amigo, a lendária Escócia. Além de notícias populares
escocesas sobre este fenômeno, as explicações científicas devem ter
sido de seu conhecimento, bem como as lendas sobre o assunto de origem
egípcia, quando as primeiras observações foram realizadas. De fato, o
segundo o que expõe o egiptólogo francês W. Groff, em La plus ancienne
observation d?un phenomène natural ou astronomique, publicado em 1893,
no Boletim do Instituto Egípcio, existem indícios arqueológicos que
sugerem ter sido o raio verde familiar entre os egípcios. Com efeito,
o Sol durante sua viagem noturna era designado de mafkait, nome de um
mineral de cor esmeralda, o que permitia considerar o Sol como verde
no ocaso como ao nascer.

Realmente, no antigo Egito, a noite era o emblema da morte e Osíris, o
deus da morte, era identificado com o Sol noturno. Em conseqüência,
Osíris era pintado de verde quando desejavam representá-lo como o deus
da morte. De acordo com alguns autores, em particular, a historiadora
italiana C.M.Botley, existem relatos folclóricos que fazem supor que
os celtas também conheciam o raio verde.

Apesar de até hoje não ter sido encontrado o trabalho que motivou o
interesse de Jules Verne, não existe dúvida que o seu romance foi o
grande agente estimulador para que começasse a observação científica
do fenômeno.Para comprovar tal afirmativa, além de farta bibliografia
sobre o assunto que surge a partir de 1882, existem os próprios
relatos, como por exemplo, o do Lorde Kelvin, em Nature, em 1899, com
uma referência explicita à novela verneana. Nestes últimos cem anos, a
quantidade de observação, os registros fotográficos e a literatura
sobre o assunto cresceram como jamais se teria imaginado, não tivesse
sido escrito aquele romance. As duas primeiras mais expressivas
discussões do problema foram publicadas, em 1922, pelo norte-americano
W.J.Fischer, na revista Popular Astronomy e pelo oftalmologista alemão
M.E. Mulder, professor na Universidade de Groningen, que escreveu um
livro The Green Ray (1922), editado em Haia. Este livro contém o
resumo da literatura publicada até aquela data bem como uma discussão
sobre as causas do fenômeno. Na Universidade de Utrecht, uma tese de
doutoramento foi defendida sobre o assunto, pelo astrônomo holandês P.
Feenstra Kuiper, sendo editada com o título The Green Ray (1926) por
C. de Boer, em Helder. Essa tese reúne várias centenas de observações
detalhadas, muitas delas realizadas em navios holandeses, por sugestão
de A.A. Nijland, professor da Universidade de Utrecht, que, depois uma
longa discussão sobre o fenômeno, expõe as suas possíveis causas.

Ao longo do tempo, diversas hipóteses foram sugeridas para explicar o
aparecimento do raio verde. A primeira - a teoria fisiológica -
explicava o evento como sendo exclusivamente de origem biológica: o
cansaço da retina, após os olhos terem sido expostos aos raios
avermelhados do pôr-do-Sol, causava o aparecimento de cor
complementar. Sugerido em 1883, por Swan, que não duvidava que o
fenômeno era puramente subjetivo, foi colocado em dúvida pela
observação do Lorde Kelvin, em 1899, de um raio azul. No entanto, tal
idéia, retomada em 1905 pelo astrônomo norte-americano W.H.Pickering,
continuou a ser defendida; finalmente, em 1920, os astrônomos
franceses A.Danjon e G. Rougier provaram a objetividade do fenômeno ao
fotografarem o espectro de um raio verde.

A segunda explicação - a teoria das ondas do mar - sugeria que o raio
verde era causado pela dispersão da luz solar nas cristas das ondas
dos oceanos, quando o Sol baixava à linha do horizonte. Exposta, em
1886, pelo físico inglês R.T.Omand, esta hipótese foi retomada, em
1924, pelo astrônomo francês C.D.Perrine que, dois anos mais tarde,
admitia ser o evento provocado pela dispersão dos raios solares na
atmosfera, pois verificou-se o raio verde podia ser visto tanto no
horizonte marítimo como terrestre.

Convém reafirmar que estas duas hipóteses são aquelas expostas por
Jules Verne no seu famoso romance sobre o assunto. Apesar dos
conhecimentos de física óptica do escritor, acreditamos que ele se
baseou em estudo que ainda não foram localizados.

Uma terceira explicação - a dispersão anômala - foi elaborada pelo
astrônomo holandês W.H.Julius, em 1901, segundo a qual os comprimentos
de ondas mais longos eram mais refratados que os mais curtos, o que
produzia a inversão de algumas linhas telúricas do espectro solar. Tal
teoria atraiu a atenção de vários físicos e astrônomos, em particular
dos franceses Danjon e Rougier, que ao fotografarem, em 1920, o
espectro de um raio verde, demonstraram a ausência de qualquer traço
de dispersão anômala, concluindo que a dispersão atmosférica normal e
a absorção eram suficientes para explicar o raio verde.

Em 1930, a dispersão atmosférica aparece como o principal fator
responsável pela formação do raio verde, segundo o físico inglês Lord
Rayleigh, principal defensor desta quarta explicação. Para confirmá-la
Rayleigh, em 1934, realizou experimentos, usando um horizonte
artificial, com o qual reproduziu raio vermelho, azul e esverdeado.
Uma curiosa observação de raio verde artificial foi provocada pelo
português Gago Coutinho, em 1910, durante um levantamento geodésico,
em Moçambique, ao trocar sinais heliográficos entre dois sítios
situados a 80 metros um acima do outro e separados entre si por 50km
de mar.

Uma quinta hipótese, sugerida pelos físicos D. Keilin e F.E.Hartrel,
em 1952, a da absorção seletiva na atmosférica - segundo a qual o
verde é eliminado mais ou menos bruscamente do lado de maior cumprido
de onda por várias absorções telúricas das linhas e faixas
provenientes do oxigênio e do ozônio.

Na realidade, a formação do raio verde é causada por diversos fatores
que agem simultaneamente: a dispersão atmosférica, a absorção seletiva
na atmosfera, bem como, de um lado, o espalhamento produzido pelas
moléculas de ar, o que reduz a intensidade das radiações de menor
comprimentos de onda e, por outro lado, absorção e o espalhamento
provocado pela poeira e névoa na atmosfera. Em conseqüência, quando o
bordo superior do Sol toca o horizonte, uma maior quantidade de
radiações alaranjadas e amarelas são absorvidas pela atmosfera, quando
as radiações luminosas de maior comprimento de onda (vermelho,
alaranjado e amarelo) já estão abaixo do horizonte. Se o azul e o
violeta, radiação de menor comprimento de onda, se espalham, só uma
estreita faixa verde atravessa a atmosfera e aparece - eis o raio
verde.

Finalmente, convém lembrar que a história de Verne passa-se na
Escócia, onde o evento é bem conhecido pois, segundo um velho ditado
escocês, o raio verde é um sinal de bom tempo:

"Se você vislumbrar o raio verde

Espere para amanhã um belo dia"

Não se trata, como poderá aparecer à primeira vista, de uma
advertência que permita prever se no dia seguinte fará bom tempo. Na
realidade, as pessoas acreditavam que a contemplação do raio verde
poderia preservá-las de todas as decepções da vida graças ao poder
mágico que permitiria ver claramente o seu próprio íntimo e o dos
outros.

Ironicamente, no romance, Helena e Oliveiros encontram o amor, na
ânsia de observar o raio verde, mas acabaram deixando de observá-lo.
Helena terminou vendo o raio negro que lançavam os olhos do seu
apaixonado e Oliveiros o raio azul dos olhos de sua enamorada.
Finalmente, concluindo o relato, Verne faz com que Helena confesse ao
seu noivo Oliveiros, em voz baixa:

--- "Vimos melhor do que isso!"

"Vimos a própria felicidade, essa que, segundo a lenda, depende da
observação do fenômeno! E visto que a encontramos, meu querido
Oliveiros, que ela nos seja suficiente, e deixamos aos que não a
conhecem, e querem conhecê-la, a procura do Raio Verde!"

* Resumo da conferência pronunciada pelo autor durante as comemorações
do Centenário de morte de Julio Verne, no Centre International Jules
Verne, em Amiens, no dia 23 de março de 2005, cidade na qual residia
quando faleceu.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, além de pesquisador-titutar do
Museu de Astronomia e Ciências Afins, do qual foi fundador e primeiro
diretor, é autor de mais de 70 livros, dentre outros, Explicando a
Teoria da Relatividade. Consulte a homepage: www.ronaldomourao.com/ .
 

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