Theresa Catharina de Góes Campos

  UM HOMEM BOM

O escritor John Halder, protagonista de Um Homem Bom, do cineasta brasileiro Vicente Amorim, é mais um daqueles magnânimos alemães que ajudaram ou tentaram ajudar judeus durante os tempos da perseguição nazista, cujas ações vêm sendo destacadas em vários filmes, desde que o tema foi abordado pela primeira vez em A Lista de Schindler, de Steven Spielberg, ganhador do Oscar de 1993.

Como o tema vem sendo por demais explorado nos últimos anos, os investidores, a fim de manter viva a tradição de filmes ambientados na época de Hitler, procuram agora focalizar a questão dos judeus que, para sobreviverem ao extermínio nos campos de concentração, colaboraram com os nazistas, tal como acontece em The Counterfeiters, do cineasta alemão Stefan Ruzowitzky, de grande sucesso na Europa, mas inédito no Brasil, visto em DVD, que tem magistral interpretação do ator Karl Markovics.

Um Homem Bom, produção inglesa, baseada na peça de teatro Good, do dramaturgo escocês Cecil Philip Taylor (1929-1981), adaptada por John Wrathall, narra a história de Halder (Viggo Mortensen), um homem comum, de bom coração, tolerante ao extremo, que enfrenta sérios problemas familiares porque tem mulher (Ruth Gemmell) neurótica, filhos desajustados e a mãe (Gemma Jones) sofredora de demência senil.

Halder é, no decorrer do ano de 1933, professor de literatura numa Universidade de Berlim, onde presencia, impassível, a queima de livros - mesmo as obras de Proust - determinada pelo governo do período conhecido como pré-III Reich. Certo dia, ele é chamado à presença de Bouhler (Mark Strong), chefe do Partido Nacional Socialista, que lhe dá conhecimento da boa receptividade que vem tendo, entre as autoridades nazistas, incluindo Hitler, Führer (Chefe) do Estado alemão, o romance intimista escrito por ele, com base em experiências pessoais, em defesa da eutanásia.

Tendo sua vida investigada pelos órgãos de inteligência do governo, tudo vai bem com Halder, segundo afirma Bouhler, exceto o fato de não haver ele aderido ainda oficialmente ao Partido. Isso lhe garantiria, de imediato, conforme pondera, a promoção ao cargo de Chefe do Departamento de Literatura da Universidade e encomenda de um trabalho de interesse da cúpula nazista relacionado com o tema de seu romance.

O escritor sem atinar para as conseqüências que lhe advirão de sua adesão ao nazismo – que coincide com o suspeitoso surgimento em sua vida de uma ex-aluna, Anne (Jodie Whittacker), com quem se amasia -, experimenta repentina ascensão profissional, o que causa estranheza ao seu melhor amigo, Maurice (Jason Isaacs), médico psiquiatra, judeu, que o chama às falas, tendo com ele áspera discussão. Os fatos, contudo, mostrarão, mais tarde, que Halder vai-se colocar em posição difícil para tentar salvar o amigo de infância do extermínio nos campos de concentração.

Perseguindo a trilha de outro brasileiro, Alberto Cavalcante, que se tornou famoso na história da cinematografia britânica, Amorim realiza um bom trabalho de direção, valorizado principalmente pela eficiente composição de planos na seqüência, em tomada externa, da discussão entre Maurice e Halder e, no belo plano seqüência final, em que o escritor encontra, no campo de concentração, uma banda de esquálidos detentos, tocando a música de seus sonhos, ao que ele constata, afirmando: - Isto é real!...

Mas o filme, rodado em Budapeste, na Hungria, tem também excelente ambientação – sinal de produção bem cuidada -, fotografia esmerada de Andrew Dunn e primorosa trilha sonora constituída quase integralmente de canções de Gustav Mahler. O grande trunfo da película, porém, é a magnífica interpretação dos atores, principalmente a de Gemma Jones, no papel de mãe, a de Jason Isaacs – também produtor executivo -, como Maurice e a de Viggo Mortensen, como Halder. Mortensen trabalha principalmente com o olhar, ao qual dá uma opacidade quase constante para sugerir, em sentido de distanciamento, que a personagem que interpreta Halder, seria uma daquelas pessoas, como há muitas, que vêem, mas não enxergam o que acontece à sua volta...

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista

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FICHA TÉCNICA

UM HOMEM BOM
GOOD

Reino Unido/Alemanha/2008
Duração – 96 minutos
Direção – Vicente Amorim
Roteiro – John Whrathall, baseado na peça teatral Good, de Cecil Philip Taylor.
Produção – Sarah Boote, Billy Dietrich, Jason Isaacs, Dan Lupovitz e
Miriam Segal.
Fotografia – Andrew Dunn
Elenco – Viggo Mortensen (John Halder), Jason Isaacs (Maurice), Gemma
Jones (Mãe),
Mark Strong ( Bouhler), Steven Mackintosh (Freddie), Ruth Gemmell
(Elizabeth), Steven Elder (Eichmann)

NOTAS DA EDITORA:

Após Halder chegar àquele campo, procurando pelo amigo judeu, vai
observando e , de fato, enxergando pela primeira vez todos aqueles
absurdos, os indícios de brutalidade...sem mais encontrar qualquer
desculpa em sua mente para justificar toda aquela desumanidade
ditatorial.
O clímax, que rapidamente termina o filme, revelando todo o impacto do
momento...

( a cena foi rápida demais, - deveria ter sido mais lenta, no meu
entender, e não tão
parcimoniosa, talvez...principalmente porque o público não capta com
tanta clareza nessa velocidade, que encerra o filme de forma abrupta,
definitiva. Para
o diretor, é diferente, pois conhece bem a cena, que se repetiu a ele
inúmeras vezes - na leitura do roteiro, na filmagem, na marcação das
cenas e nos movimentos de câmera, nas repetições, nas instruções de
interpretação, enfim, no processo de edição de imagens),

"Isto é real!" - não se trata de uma pergunta, é uma constatação
do personagem. Algo definitivo, como uma redenção pessoal, individual,
após tantas tragédias ignoradas
por seu olhar e sua mente, que amorteceram até o seu coração,
ignorando princípios éticos morais, eis que ele percebe , afinal, o
que estava diante de seus olhos durante tanto tempo...Assim,
conseguindo rejeitar sua atitude alienada tão confortável, egoísta e
premiada por isso, o personagem conclui naquele instante um processo
lento de conscientização, a partir do momento em que nada fez/nada
pôde fazer pelo amigo em perigo, e a sua primeira "visita" ao campo de
extermínio, culminando ao encontrar - sim, uma cena surreal para o seu
estado anterior de alienação - aqueles prisioneiros tocando
instrumentos musicais em meio a toda aquela degradação e ao
desrespeito a seus direitos humanos inalienáveis...

Reynaldo Domingos Ferreira escreveu um belo e competente comentário,
extremamente informativo e que demonstra, mais uma vez, os seus
conhecimentos específicos e a sua cultura literária abrangente.

Theresa Catharina

 

Jornalismo com ética e solidariedade.