Theresa Catharina de Góes Campos

  From: REYNALDO FERREIRA
Date: 2009/1/14
Subject: FW: A mídia, Gaza e Israel
To: Theresa Catharina Campos


Repassando

A Mídia, Gaza e Israel

Por Luis Milman, jornalista e doutor em Filosofia, professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, preocupado e abismado com
as reações de governos e da mídia internacional a partir da ação
desenvolvida por Israel na Faixa de Gaza, território controlado pela
organização terrorista Hamas, desde o ano passado, escreve o artigo a
seguir para esclarecer aspectos importantes da questão, que não são
considerados.

"Desde o início da ofensiva de Israel contra o Hamas, na Faixa de
Gaza, no último sábado, dia 27 de dezembro, a mídia ocidental
vem relatando as operações israelenses com base em pressupostos
flagrantemente aparvalhados. Coincidentemente, estes pressupostos são
os mesmos que pautaram as primeiras manifestações oficiais de
condenação moderada lançadas contra Israel, por governos de nações
importantes, logo no primeiro dia da ofensiva, quando pouca ou quase
nenhuma informação sobre a real dimensão das operações israelenses
eram conhecidas. As manifestações da França, Rússia, do Japão e da
China, exortavam Israel a interromper suas ações em Gaza.

Ao invés de condenarem os ataques do Hamas, que iniciaram ainda em
novembro e quebraram o cessar-fogo, a retórica destes países partia de
duas premissas equivocadas: Israel estava respondendo aos ataques de
forma desproporcional e, por isso, elevando o número de vítimas civis.

Assim, a linguagem protocolar criava o mantra da desproporcionalidade,
adotado também pelo Secretário Geral da ONU, o senhor Ban Ki-moon, na
última segunda-feira, dia 29. Ki-moon convocou a imprensa mundial para
expressar seu repúdio ao uso da "força excessiva" por parte de Israel
em seus ataques à Faixa de Gaza. O secretário-geral da ONU foi mais
longe: ele apelou "às partes" para que interrompessem as hostilidades
e reiniciassem negociações para um novo cessar-fogo.

O coro foi reforçado pelo primeiro-ministro inglês Gordon Brown,
também no dia 29. "Estou horrorizado (ênfase aqui) com a violência dos
bombardeios", disse. "Reiteramos nosso apelo a Israel e ao Hamas
(ênfase aqui) para que declarem o imediato cessar-fogo e previnam a
perda de mais vidas inocentes. Não há uma solução militar para esta
situação. É preciso redobrar os esforços internacionais para assegurar
que tanto Israel quanto a Palestina tenham terra, direitos e segurança
para viverem em paz", finalizou Brown.

Ao mesmo tempo, seguiram-se manifestações de repúdio previsivelmente
mais radicais, vindas de países muçulmanos e grupos extremistas, como
o Hezbollah, que passaram a percorrer o planeta: massacre, genocídio,
holocausto, crimes de guerra, crimes contra a humanidade. Enfim,
surradas acusações disputavam espaço na mídia internacional com cenas
de passeatas e aglomerações de rua pipocando na Europa e no mundo
islâmico, em protesto contra a nova "barbárie" cometida por Israel.

Enquanto isto, a quantidade de vítimas dos bombardeios parecia dar a
impressão de amparar a fórmula da desproporcionalidade: já passam de
150 mortos, muitos deles civis, já ultrapassam os duzentos, entre eles
mulheres e crianças; agora são mais de 300, entre os quais inúmeros
inocentes. Agora, quando escrevo (terça-feira, 30 de dezembro), os
mortos chegavam a 360. Horrível.

A mídia apropriou-se do mantra protocolar, tomando-o como axioma para
sua cobertura. E, por mídia, não estou nomeando nenhuma abstração.
Refiro-me à CNN, à BBC, à Sky News, à France 24, para não mencionar a
Al-Jazirah em Inglês e os diários New York Times, The Guardian e Le
Figaro, que podem ser todos acessados on-line. Também não estou me
referindo aos analistas de prontidão, sempre rápidos no gatilho quando
se trata de comparar o "desproporcional" confronto entre a potência
militar israelense e a pobre capacidade de resistência dos palestinos.

Restrinjo-me ao que se chama de "noticiário", aquele texto informativo
que, recomenda-se, deve ser feito com imparcialidade e um mínimo de
cautela e caldo de galinha. Pois é nele que constato a desproposital
incursão, em nome do imediatismo, no domínio da estupidez e da má fé.
Ora, o que se espera de um noticiário é que ele informe e não
desinforme ou deforme os fatos. E quais são os fatos?

Um: no primeiro dia da ofensiva, Israel apenas reiterou publicamente
uma decisão que vinha sendo anunciada desde o final do frágil
cessar-fogo de seis meses, mediado pelos egípcios, que entrara em
vigor em junho último e se encerrara em 19 de dezembro. Por que
frágil? Porque o Hamas, há oito anos, vinha despejando diariamente
seus foguetes contra Israel. Os ataques diários haviam matado nove
pessoas, ferido outras tantas, danificado prédios e vinham
configurando uma situação de permanente insegurança nas cidades que se
encontram num raio de 20 quilômetros da fronteira com Gaza.

Durante oito anos, Israel tentou tratar do problema de modo restrito:
incursões rápidas de comandos no norte de Gaza para destruir bases de
lançamentos de foguetes, bloqueio marítimo para evitar a entrada de
armamento enviado pelo Irã e pela Síria ao Hamas e Jihad Islâmica;
bloqueio terrestre, para impedir a infiltração de terroristas suicidas
nas grandes cidades israelenses; cortes esporádicos no suprimento de
energia elétrica para a Faixa de Gaza (70% desta energia é fornecida
por Israel até hoje) com a finalidade de retardar a fabricação dos
tais foguetes "caseiros" (na verdade, são foguetes produzidos em
fábricas erguidas em meio a bairros densamente povoados da Cidade de
Gaza, Dayir al Balah, Khan Yunis e Rafah). De qualquer modo, findo o
cessar-fogo - e diante das saraivadas diárias dos foguetes contra o
sul de Israel-, o governo israelense anunciou que terminaria
definitivamente com os ataques que ameaçavam seus cidadãos.

Esta decisão foi, inclusive, comunicada, no dia 23 de dezembro, pela
ministra do exterior israelense, Tzipi Livni, no Cairo, após um
encontro com o presidente Hosni Mubarak. Livni, ainda no Cairo, não
deixou dúvidas: Israel desencadearia a operação militar necessária
para destruir a capacidade do Hamas de atingir Israel.

Nos últimos dez anos, o Hamas construiu, com o apoio logístico e
financeiro do Hesbollah, da Irmandade Muçulmana (baseada no Egito), da
Síria e, sobretudo do Irã, uma estrutura policial e militar na Faixa
de Gaza, a tal ponto organizada, que lhe permitiu, no primeiro
semestre de 2007, dizimar completamente as forças do Fatah (o braço
armado da Autoridade Palestina) que ainda restavam no território
palestino. Com isso, ele consolidou suas instalações militares,
estocagem de armas e munição, seus campos de treinamento e suas bases
de ataque contra Israel em toda a Faixa de Gaza. Hoje, o Hamas (que é
sunita) conta com 15 mil homens no seu "exército regular", e ainda com
cinco mil membros armados da milícia xiita Jihad Islâmica. Esse
pequeno exército dispõe, além de armamento pessoal pesado, de mísseis
antiaéreos, mísseis antitanques, mísseis de médio alcance do tipo
Katiusha e minas espalhadas por toda a fronteira com Israel.

Tudo isto é do conhecimento dos chefes de governo que emitiram o
mantra protocolar da desproporcionalidade. Os senhores Gordon Brown e
Nicholas Sarkozy sabem disto, certamente. Mas a mídia faz de conta que
não sabe. Ora, o panorama é bem nítido: Israel desencadeou a ofensiva
para defender a integridade de seus habitantes, ameaçados
constantemente pelo movimento fundamentalista militarmente organizado
que controla toda a Faixa de Gaza desde junho de 2007.

Mais ainda, o Hamas e seus associados menores, como a Jihad Islâmica e
outros grupelhos, não representam a Autoridade Nacional Palestina
(AP). Eles são terroristas, não aceitam a existência do Estado de
Israel e estão comprometidos explicitamente com a sua extinção total.
Como então podem os líderes da Inglaterra e da França, ou o
Secretário-geral da ONU, apelarem para que "as partes" retornem a um
cessar fogo?

Que partes? Israel, um estado nacional soberano e membro da ONU, por
um lado, e o Hamas, um movimento terrorista que usurpou à força, da
Autoridade Palestina, o controle sobre a Faixa de Gaza, por outro? Se
a China não conversa sequer com o Dalai Lama, líder político e
espiritual do Tibet ocupado (exilado, obviamente), por que Israel deve
dialogar com o Hamas? Pelo que se sabe, o Dalai Lama defende apenas
uma autonomia para o Tibet e jamais pregou a extinção da China. Por
que Israel deveria "dialogar" com um movimento que objetiva
abertamente a sua destruição? Ou por que o senhor Ban Ki-moon não
apela para que a Espanha dialogue com o ETA, a Colômbia dialogue com
as FARC, a Turquia dialogue com o PKK curdo, que quer criar um estado
independente no Curdistão? Ou para que os Estados Unidos da América
deixem o Afeganistão e dialoguem com o Talibã? Ou para que os senhores
muçulmanos da guerra que governam o Sudão interrompam imediatamente a
carnificina que já matou 300 mil cristãos e animistas e deslocou quase
três milhões de refugiados para a zona de Darfour? Onde estão as
passeatas na Europa contra esse massacre? Ou os protestos contra a
tirania assassina de Ruanda? Onde estão os apelos para o diálogo entre
as trezentas tribos que se entredevoram na muçulmana Somália?

O termo médio de comparação é suficiente, para quem possui mais de
dois neurônios. Talvez, dois neurônios e meio. Por isso paro por aqui.
Dois: Israel não está, como apregoa aos berros Hassan Nasrallah (em
vídeo e de seu bunker em Beirute), cometendo um "genocídio" em Gaza.
Ao contrário, é o líder do Hesbollah (Partido de Deus, em português),
hoje quase um segundo exército dentro do Líbano, abastecido e
financiado pelo Irã, que repete incansavelmente o objetivo
político de seu partido: destruir Israel, sem deixar pedra sobre
pedra. A voz de Nasrallah é amplificada nas ruas de todo o mundo árabe
e encontra acolhida em alguns analistas ocidentais procurados pela
mídia para que "possamos (nós, o público) entender o trágico cenário
da Faixa de Gaza".

Pensemos: se desejasse destruir a população de Gaza (isto é um
despropósito descomunal naturalmente, mas só assim teríamos base para
falarmos em genocídio) - e estou admitindo essa possibilidade apenas
(ênfase aqui) para argumentar-, Israel o teria feito durante a Guerra
dos Seis Dias, em 1967, (lembram ?, ela ocorreu!), ou durante a Guerra
do Yom Kypur, em 1973 (lembram?, ela também ocorreu), ou durante a
ocupação israelense de Gaza, que se estendeu de 1967 a 2000, ano em
que unilateralmente (ou seja, sem qualquer pré-condição) Israel deixou
a Faixa de Gaza na sua totalidade.

O que é fato: a ofensiva israelense tem objetivos militares e
políticos definidos. Os militares estão sendo plenamente atingidos,
até agora. E com um baixíssimo custo em termos de vidas humanas. É
isso mesmo. Baixíssimo! Afinal, depois de quatro dias de centenas de
incursões aéreas e marítimas, depois de ter despejado sobre Gaza mais
de 500 toneladas de explosivos, apenas, repito, apenas, 360 pessoas
morreram! E destas, cerca de 60, segundo as informações do próprio
Hamas e da ONU, são civis. Ora, isto quer dizer que o restante fazia
parte do exército terrorista, logo um alvo militar.

A operação israelense impressiona, mas não pelas razões do senhor
Nasrallah ou dos desavisados apedeutas de boa fé (admitamos), que usam
a palavra "genocídio" sem saber o que ela significa. O conceito se
aplica quando um governo deliberadamente promove o extermínio de povos
ou populações inteiras, encontrem-se elas em seu próprio país ou em
outros. Os turcos foram genocidas com relação aos armênios; os
nazistas, com relação aos judeus; os comunistas stalinistas com
relação aos russos; os maoístas com relação aos chineses; os japoneses
com relação aos chineses e, hoje, os sudaneses muçulmanos com relação
aos sudaneses não muçulmanos.

Nem os cubanos castristas, que nos primeiros cinco anos após a
revolução de 59, exterminaram 95 mil pessoas, praticaram um genocídio.
Eles cometeram assassinatos em massa, uma ação sem dúvida abjeta e
execrável, um crime contra a humanidade. Mas, não cometeram genocídio.
E atentarmos para as diferenças ainda é fundamental. Por que a
operação israelense impressiona?

Por duas constatações que saltam aos olhos. A primeira: a ofensiva
está se processando na área mais densamente povoada do planeta (1,5
milhão de habitantes em 360 quilômetros quadrados); a segunda: o Hamas
ergueu intencionalmente toda a sua infra-estrutura policial e militar
nos centros urbanos, justamente os locais mais densamente povoados
deste território já muito densamente povoado (a hipérbole é
proposital).

Ora, se é para destruir alvos militares, é preciso atingi-los onde se
encontram. E Israel está fazendo isto, de forma quase milimétrica,
cirúrgica, mesmo correndo o risco, inevitável nesta situação, de
atingir civis. Repito: e o faz de forma impressionante, pois as baixas
civis, nesse contexto, são aquém de mínimas. Como a aviação e a
marinha israelenses conseguem fazer isto? Empregando altíssima
tecnologia, mísseis inteligentes e alvos previamente
selecionados. Caso contrário, estaríamos diante de um massacre. E é
necessário que se reafirme: não estamos sequer a milhões de milhas
próximos disto.

O Secretário-geral da ONU, que jamais reuniu uma conferência de
imprensa para falar sobre a situação no Sudão, deveria saber disto.
Ele, desta forma, ficaria calado. Obviamente, eu não esperaria que o
senhor Ki-moon aplaudisse a operação de Israel. O Secretário-geral da
ONU deve, por princípio, lamentar todas as guerras. Mas ele deveria,
também por obrigação, calar-se, porque esta é uma guerra legítima,
sobretudo defensiva, com objetivos militares e políticos claros, de um
país soberano contra um grupo terrorista que prega o seu aniquilamento
e contra os governos que apóiam este grupo.

Três: Falei que a guerra possui objetivos políticos claros. Ei-los:
Israel quer expulsar o Irã da Faixa de Gaza. O Irã? Isso mesmo, o Irã.
O Hamas e a Jihad Islâmica nada mais são do que uma extensão do
governo de Teerã e de seu potencial bélico virtualmente no interior
de Israel. E todos sabem o quê mais almejam os aiatolás iranianos:
destruir o que eles chamam de entidade sionista. Assim, ao eliminar a
capacidade do Hamas de atacar seu território, Israel, além de retomar
o controle sobre sua segurança imediata, desfere também um golpe
mortal nas pretensões iranianas de penetrar em sua fronteira sul. Com
isso ainda pretende isolar política e militarmente o Irã, travestido
de Hezbollah, na sua fronteira norte.

Ao mesmo tempo, forja uma situação mais favorável para negociar com a
Síria, também enfraquecida com a derrota do Hamas, um tratado de paz
entre os dois países. Esta é uma meta de médio prazo. Por essa razão o
senhor Nasrallah esbraveja contra o Egito de Mubarak e a Autoridade
Palestina, de Mahmud Abas, chamando-os de traidores do Islã. Nasrallah
sabe que, sem o Hamas e a Jihad Islâmica em Gaza, o Hezbollah, ou
seja, o Irã, se enfraquece, enquanto o Egito, a Autoridade Palestina e
a Jordânia se fortalecem e, pior (para o Irã), Israel recupera a
posição geopolítica decisiva para sua existência na região.

A ofensiva ainda torna explicita a disposição de Israel de não tolerar
que os iranianos consigam obter armamento nuclear. Ou seja, Israel
está preparando o terreno para uma intervenção direta no Irã. Como
Barak Obama assume a presidência dos Estados Unidos em janeiro, Israel
envia uma mensagem inequívoca para Washington: não há diálogo com o
Hamas, nem com Teerã.

Os Estados Unidos devem se preparar para apoiar irrestritamente a ação
militar direta de Israel contra os iranianos. E essa ação não deve
tardar, pelo que se depreende do palco desenhado por Jerusalém. Quer
dizer: trata-se de uma ação já planejada e montada pela inteligência
militar israelense, que deve ser deflagrada em breve.

Pergunta oportuna: o que é "breve"? Resposta: Israel certamente sabe.
E, creio agora, Barak Obama também. No fim das contas, Israel não está
fazendo mais do que colocar seu destino em suas próprias mãos. E isto
ele sempre fez, sob o preço de simplesmente deixar de existir.
Dúvidas? Consultem a História.

Finalizando: e a mídia com relação a esse quadro? Nada informa, nada
analisa, nada investiga. Pelo contrário, submete-se ao
superficialismo, mistifica, embrulha-se toda no mantra da
desproporcionalidade e mergulha de cabeça no noticiarismo demagógico e
pretensamente humanitário. É um crime contra a lucidez e a razão. Mas,
que diabos, isso lá importa?"
 

Jornalismo com ética e solidariedade.