Theresa Catharina de Góes Campos

  From: REYNALDO FERREIRA
Date: 2009/1/21
Subject: FW: Uma suposição arrepiante
To: Theresa Catharina Campos


Repasso. Confrontemos opiniões.

CORRELAÇÃO DE FORÇAS EM ISRAEL MUDOU PARA PIOR

por Élcio Siqueira, historiador

Agnóstico, formado numa família católica, tomei contato com a
comunidade hebraica através dos judeus progressistas, no começo dos
anos 80. Gente que eu encontrava em protestos em São Paulo contra a
invasão israelense do Líbano em 1982, que realizava um debate muito
sério com militantes da OLP e se referenciava no movimento Paz Agora e
em outras iniciativas de diálogo originadas no interior do universo
judaico. Para contato com as idéias dessa brava e honorável gente,
recomendo o sítio http://www.pazagora.org no qual estão disponíveis,
dentre outros textos interessantes, matérias muito recentes de jornais
e pensadores israelenses traduzidas para o português.

Acredito que esses horríveis acontecimentos na Faixa de Gaza que ora
estamos acompanhando pela mídia remetem a dois pontos de
estrangulamento.

O principal (e mais imediato) é a recusa israelense a realizar
quaisquer concessões significativas aos palestinos nos territórios
ocupados, como ficou claro durante o governo de Ehud Barack
(1999-2001). Eleito sob o signo da retomada do processo de negociações
que tinha sido interrompido com o assassinato do premiê Yitzhak Rabin
em 1995 e pela vitória do Likud nas eleições de 1996, Barack
apresentou um projeto que, dentre otros problemas, devolveria uma
parcela mínima da Cisjordânia aos palestinos e retalhava seu
território no meio aos assentamentos judeus que não seriam retirados,
proposição reconhecida pelos palestinos (e internacionalmente) como
inaceitável.

Mesmo que esta proposta tenha resultado menos da inabilidade do
governo de Barack (e mais da própria correlação de forças dentro do
parlamento israelense), o fato é que, no fim das contas, a iniciativa
representou uma derrota política da coalizão então hegemônica, à qual
se somou o fracasso da busca de uma solução negociada que encerraria a
ocupação israelense do sul do Líbano. Nessa área, o exército
israelense vinha tendo um índice de baixas de 5% no contingente
engajado, marca reconhecida em mundo como característica de guerra
aberta entre forças equivalentes.

Partindo dessa contestação – que poderia, em tese, ter levado à
obtenção de ganhos políticos e diplomáticos através da negociação de
uma saída honrosa – o governo Barack acabou colhendo uma derrota
espetacular; suas tropas foram simplesmente enxotadas das terras
libanesas pelo Hesbollah, na primeira grande vitória de uma força
árabe num confronto direto com Israel.

Entre os governos de Yitzhak Rabin em 1992-1995 (durante o qual foi
assinado o Acordo de Oslo com a OLP que permitiu a criação da
Autoridade Palestina) e Ehud Barack, a correlação de forças dentro da
sociedade israelense mudou para pior com a chegada massiva de judeus
da União Soviética em derrocada (que deram base a um partido bastante
conservador) e com a proliferação de partidos confessionais de vários
matizes, sem os quais é muito difícil compor uma maioria parlamentar
estável.

O preço (literalmente) cobrado é a destinação de recursos públicos
para escolas de feição religiosa fundamentalista e a imposição de
impedimentos de toda sorte às conversações com as lideranças
palestinas.

Outro sinal do mesmo processo de direitização da política israelense
foi a criação do partido Kadima em 2005, reunindo antigos líderes do
Likud e supostos adversários trabalhistas de épocas passadas, como
Shimon Peres. Um denominador comum entre todos é que os assentamentos
israelenses em terras árabes são entendidos como uma realidade que
veio para se firmar em definitivo. Aliás, a maior concessão que
qualquer governo israelense se permitiu nesta questão foram os
supostos "congelamentos" de novos núcleos judeus em áreas palestinas.

Existem, claro, expressivos setores progressistas e lúcidos em Israel,
capazes de se fazer sentir nas disputas internas como um fator de
moderação contra propostas de novas aventuras militares. Entretanto, a
idéia de que a sociedade israelense, no seu conjunto, tem feição
politicamente avançada parece pertencer a um passado de retorno cada
vez mais difícil.

O outro aspecto fundamental é a composição demográfica do Estado de
Israel. De acordo com Sergio Della Pergola, professor de Demografia
Judia na Universidade Hebraica de Jerusalém, Israel contava, em 2005,
com 10,5 milhões de habitantes, sendo 50% de hebreus. Os árabes
nascidos em Israel eram 1,3 milhões e os palestinos nesse mesmo
território somavam 3,3 milhões. Mantida a tendência ora verificada, o
número de judeus cairá para 35% do total da população israelense até
2050: as mães judias têm uma média de 2,7 filhos contra 04 filhos por
mulher entre as palestinas (conforme
http://www.pazagora.org/impArtigo.cfm?idArtigo=1215 e
http://maierovitch.blog.terra.com.br/2009/01/09/em-gaza-a-lei-e-outra/)
O mesmo estudioso assinala que, em todo o mundo, o crescimento da
população judaica é negativo, com um percentual crescente de idosos em
pouco mais de 13 milhões de indivíduos. Cinco milhões vivem nos
Estados Unidos, onde são 2% do contingente populacional.

Portanto, uma eventual incorporação da população árabe dos territórios
ocupados à política israelense simplesmente implodiria o Estado Judeu.
Mas, até quando será possível tanto inviabilizar o Estado Palestino
quanto negar direitos de cidadania às populações árabes da Cisjordânia
e de Gaza? Aparentemente, os setores majoritários da opinião pública
de Israel preferem acreditar que decisões dessa natureza podem ser
proteladas indefinidamente e que quaisquer concessões feitas por um
governo aos palestinos poderão ser canceladas por outro que vier, mais
firme e decidido.

Nessas condições, não é surpreendente que, em 2001, Ariel Sharon tenha
sucedido ao hesitante Ehud Barack na liderança de Israel. Já que os
setores nominalmente favoráveis a negociações com os palestinos e com
os Estados vizinhos não tinham nem firmeza de propósitos em suas
ações, nem capacidade de articular uma maioria parlamentar coerente,
Sharon propunha-se a realizar sem problemas de consciência a
destruição da estrutura administrativa da Autoridade Palestina e a
aplicação de uma política de extermínio seletivo das lideranças árabes
nos territórios ocupados, combinada com um esforço sistemático para
desmoralizar o governo do Presidente Yasser Arafat.

Outro ponto essencial de seu governo foi a construção de dezenas de
quilômetros de muros para isolar as áreas de população
majoritariamente palestina, com direito a portões de entrada vigiada,
torres com homens pesadamente armados e limitações de acesso à água
para os confinados. Essas medidas restringiram as possibilidades de
obtenção de empregos para os palestinos fora das terras onde residem,
agravando os índices de pobreza em seu meio.

Dessa maneira, o Estado de Israel tornou-se crescentemente parecido
com o extinto regime sul-africano do apartheid, com a construção de
barreiras físicas destinadas a proteger uma minoria privilegiada numa
escala provavelmente nunca imaginada pela liderança africâner.

A incansavelmente repetida alegação de que Israel é um país
democrático não invalida o paralelo, pois o apartheid era um regime
democrático para a elite branca que tratava o principal movimento de
oposição ao sistema (o Congresso Nacional Africano, de Nelson Mandela)
como organização terrorista, tal como ocorre em Israel em relação a
qualquer movimento palestino de resistência.

Nos primeiros dias de 2006, o premiê Sharon entrou em estado
vegetativo, não podendo, conseqüentemente, testemunhar o principal
resultado das ações de seu governo: a vitória do Hamas nas eleições
palestinas de 25 de janeiro desse ano, à qual se seguiu (dentro do
meio palestino), o rompimento com o governo moderado do Presidente
Abbas, com a instauração de um domínio exclusivista dessa facção na
Faixa de Gaza; catástrofes tão evidentes que as forças políticas
dominantes em Israel viram-se na contingência inadiável de
restabelecer relações com a Fatah, facção palestina do falecido
Arafat. No entanto, o estrago estava concretizado: o Hamas emergiu
como a liderança de enormes parcelas dos palestinos e nenhuma
negociação séria sobre os territórios ocupados poderia ocorrer sem a
sua presença a partir de então.

Ehud Olmert, continuador de Sharon no governo de Jerusalém, tem se
revelado um colecionador de desastres. O primeiro foi a invasão do sul
do Líbano em 2006 que resultou na segunda grande vitória do Hesbollah
sobre Israel, ao qual se seguiram escândalos que reduziram o Premiê a
uma personalidade desmoralizada. O terceiro grande fracasso pode estar
ocorrendo neste momento, em Gaza, às vésperas das eleições israelenses
marcadas para março próximo.

Estamos assistindo a um desgaste inédito de Israel e do sionismo
perante a opinião pública de todo o mundo que assiste horrorizada à
matança de centenas de crianças e a práticas como bombardear
residências, escolas e hospitais para, em seguida, cercar as áreas
atingidas para que o socorro humanitário não chegue a tempo. Por outro
lado, o Exército Israelense até agora não foi capaz de apresentar
evidências claras de qualquer ganho fundamental na suposta luta contra
o terrorismo; alguma coisa como a eliminação da liderança ou da
estrutura de funcionamento do Hamas ou de alguma outra organização
palestina.

Uma meta desse tipo, aliás, dificilmente poderá ser realizada devido
ao conhecido fato de que o Hamas e outras facções terroristas não
possuem um comitê central ou uma estrutura hierarquizada que, ao ser
destruída, paralisaria a organização. Muito ao contrário, o modelo
vigente é o de pequenos núcleos que não se conhecem entre si cujos
membros, se capturados, não têm nenhuma informação cuja revelação
comprometeria de forma importante o movimento. Também é imprudente
prometer a "destruição das bases de lançamento de mísseis contra o
território de Israel" porque os artefatos que militantes palestinos
disparam a partir de Gaza são de fabricação caseira, produzidos em boa
parte com produtos de limpeza...

O governo israelense parece ignorar que, se Clausewitz estava certo ao
conceber a guerra como continuidade da política, ações armadas não
deveriam iniciar-se sem que, antes, seus objetivos tenham sido
estabelecidos com clareza. Nessa maneira clássica de encarar o
problema ora considerado, as alternativas são: ou a equipe de governo
de Israel está jogando uma espécie de partida de xadrez visualizando
os lances que ocorrerão sete ou oito jogadas adiante – num horizonte
muito além da percepção do grande público – ou a aventura em Gaza
prosseguirá até o momento em que se perceba que o isolamento político
e diplomático de seu país atingiu níveis que nem mesmo a tradicional
prepotência israelense pode permitir-se.
 

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