Theresa Catharina de Góes Campos

  AUSTRÁLIA

A proposta do cineasta Baz Luhrmann, em Austrália, é a de
reabilitar a narrativa épica dos clássicos, mesmo os do western, para
contar a movimentada história de uma inglesa que, além de recuperar as
terras que lhe deixou o marido, na região do outback australiano, com
sua atitude viril de transportar quase duas mil cabeças de gado para o
Norte do país, restabeleceu a competição no mercado local de carne às
vésperas da eclosão da II Guerra Mundial.

Por compreender que cinema é uma arte popular, Luhrmann (Moulin
Rouge) se mostra determinado e coberto de razão, a meu ver, ao
pretender salvar o épico em nossos tempos – como encarecia por sinal
Jorge Luis Borges, grande admirador do gênero do faroeste -, quando o
teatro (à exceção da ópera) é, lamentavelmente, cada vez mais
minimalista e pouco generoso para com o público.

O envolvente estilo de narrar do cineasta australiano por isso se
compara ao de David Lean em Lawrence da Arábia. Mas ele faz citações e
calca seu trabalho em outros épicos, como Rio Vermelho, de Howard
Hawks, E O Vento Levou, de Victor Fleming, Era Uma Vez no Oeste, de
Sergio Leone, Entre Dois Amores, de Sydney Pollack e, principalmente,
O Mágico de Oz, também de Victor Fleming, King Vidor e Richard
Thorpe.

É do último a música Over the Rainbow, que se torna tema do
filme, compondo a trilha sonora de David Hirchfelder, de muito bom
gosto, em que há espaço para Begin the Beguine, de Cole Porter e
Aquarela do Brasil, de Ari Barroso. A fotografia de Mandy Walker – da
qual se serve Luhrmannn para extrair belos panorâmicos sobre a
vastidão do território australiano – é outro grande trunfo da
película, produzida com o nítido objetivo de promover o turismo na
terra dos cangurus.

O argumento, de Luhrmann e Stuart Beattie, apesar das
previsibilidades e dos lugares comuns, tem o mérito de dar destaque à
cultura dos aborígenes – que cantam quando se sentem esperançosos de
alcançar algum objetivo - ante a terrível intolerância racial vigente
na Austrália, pois o narrador da história é Nullah (Brandon Walters),
um garoto mestiço, consciente de ter poderes especiais de magia, como
o avô, King George (David Gulpilil), uma espécie de pajé dos nossos
indígenas.

Nullah conta que, em 1939, quando a Senhora Patroa – a fútil
aristocrata Lady Sarah Ashley (Nicole Kidman) - chegou à sua
propriedade de Faraway Downs, encontrou o marido morto em
circunstâncias não esclarecidas. Depois de enterrá-lo, ela ficou
sabendo que parte do gado da fazenda fora desviada para o rebanho de
King Carney (Brian Brown), maior criador do país, futuro sogro de Neil
Fletcher (David Wenham), feitor de sua propriedade, que agia como
verdadeiro tirano contra os nativos, seus empregados.

Na época, crianças mestiças, como Nullah, eram procuradas pela
polícia a fim de serem separadas de suas mães e entregues a missões
religiosas, conforme determinação legal que vigorou até 1975.
Apegando-se a Nullah e vendo como ele era tratado por Fletcher, a sra.
Ashley demite o feitor. Contrata, em seguida, o capataz Dover (Hugh
Jackman) para ajudá-la não só a administrar a fazenda, como também a
transportar - com a companhia ainda de Kipling Flynn (Jack Thompson),
antigo ajudante do marido - uma partilha de gado até Darwin, onde
espera concorrer com Carney no fornecimento de carne ao Exército.

Embora esteja, como sempre esteve, muito bonita, Nicole Kidman
não consegue convencer no papel de uma lady britânica. A personagem
estaria a exigir, a meu ver, uma Kristin Scott Thomas (O Paciente
Inglês), se o objetivo da produção – a mais cara jamais feita na
Austrália – não fosse o de prestigiar a prata da casa em termos de
aproveitamento de técnicos e de atores, o que é bom. E Kidman exerce,
sem dúvida, um tipo de liderança entre a classe artística australiana.
Além disso, já havia filmado antes sob a direção de Luhrmann e
contracenado com o ator Hugh Jackman, com quem demonstra ter afinidade
e sintonia.

Jackman, por sua vez, se esforça bastante para expressar a
ingenuidade característica do homem rude e primitivo do outback, mas
nem sempre consegue seu objetivo. Sua presença em cena, contudo,
incendeia os olhares femininos. E Luhrmann explora isso ao máximo nas
seqüências em que o apresentador da cerimônia do Oscar deste ano faz
quase um strip-tease no meio da floresta e executa uma verdadeira
coreografia nas relações de sexo com Kidman.

Mas em termos de interpretação também merecem ser observados os
bons trabalhos de: Brandon Walters, muito talentoso como Nullah; David
Gulpilil, como King George; Brian Brown, empregando técnica teatral no
seu King Carney, assim como Jack Thompson no seu bêbado Kipling Flynn
e, principalmente, David Wenham, no papel de Neil Fletcher, que
promete ser em breve outro ator australiano de projeção internacional.
Pois ele encarna Fletcher com competência e discrição, não deixando
que a personagem seja vista, em momento algum, como qualquer vilão de
novela. Afinal, como reconhece Fletcher, orgulho não é poder.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
AUSTRÁLIA
Australia (2008)
Duração – 166 minutos
Direção – Baz Luhrmann
Roteiro – Baz Luhrmann , Ronald Harwood, Stuart Beattie e Richard Flanagan
Produção – G. Mac Brown, Katherine Knapman e Baz Luhrmann
Fotografia – Mandy Walker
Trilha Sonora – David Hirchfelder
Edição – Dody Dom

Elenco – Nicole Kidman (Lady Sarah Ashley), Hugh Jackman (Capataz Dover), David Wenham (Neil Fletcher), Brandon Walter (Nullah), Brian Brown (King Carney), David Gulpilil, Jack Thompson (Kipling Flynn)
 

Jornalismo com ética e solidariedade.