Theresa Catharina de Góes Campos

  FOI APENAS UM SONHO

Em Foi Apenas Um Sonho, baseado numa das melhores novelas
americanas do século vinte, o premiado cineasta britânico Sam Mendes
esmera o aspeto visual para reconstituir a época do conformismo da
classe média suburbana dos EUA a fim de nela situar a história de um
casal que procura, já no sétimo ano de vida conjugal, cada qual à sua
maneira, a realização de seus sonhos.

O objetivo admitido por Mendes – vencedor do Oscar por Beleza
Americana –, assim como o de seu roteirista Justin Haythe, é o de
fazer com que mais pessoas redescubram a obra The Revolutionary Road,
de Richard Yates, em que se baseia o filme. Yates, por sua vez,
esclareceu, de certa feita, que o tema de seu livro, se pudesse ser
sintetizado, estaria centrado em pessoas que, apesar de haverem
nascido para viver sozinhas, insistem em ocultar das outras essa sua
tragédia pessoal.

É no aspeto visual – imposto em grande parte pelas cores neutras
da excelente fotografia de Roger Deakins - que o filme de Mendes se
diferencia bastante de Mad Man, glamurosa série televisiva da HBO
sobre executivos da propaganda que, passada também na década de
cinqüenta, exibe ambientação suburbana de tonalidades vivas,
chamativas, o que a torna, a meu ver, bastante superficial.

Para evitar isso, como acredito, Mendes rodou seu filme,
inicialmente, nos subúrbios de Connecticut, cujas construções
conservam as características da década de cinqüenta. É em uma pequena
casa desse lugar, onde, no ano de 1955, vive – às mil maravilhas, pelo
menos na aparência - o casal Frank (Leonardo DiCaprio) e April Wheeler
(Kate Winslet), com dois filhos. Ela estudou arte dramática, mas sua
estréia no palco resultou num grande fracasso, o que a levou a se
tornar exclusivamente dona de casa.

Frank, por sua vez, se viu forçado a trabalhar para a mesma
empresa Knox, que deu emprego a seu pai durante toda a vida. Embora
insatisfeito com o que faz – mas também sem ter certeza do que deseja
fazer -, Frank vai galgando posições aos poucos até que, um dia, é
transferido para Nova York, onde a sede da empresa fica num
arranha-céu de arquitetura antiquada, cujo ambiente, de certa
decadência, reflete bem as frustrações profissionais da personagem.

Com a ajuda da corretora Helen Givings (Kathy Bates), Frank e
April, que se julgam especiais, de gostos e costumes refinados,
escolhem uma casa, próxima de uma floresta e vizinha à dos Campbell –
Shep (David Harbour) e Milly (Kathryn Hahn) –, de quem se tornam
amigos. Mal se completa a mudança, porém, April, cheia de caraminholas
na cabeça, arquiteta o mirabolante plano de mudança da família para
Paris, onde Frank já estivera durante a guerra.

É sobre esse plano de April que se estabelecem os conflitos do
casal, pontuados por comentário musical de Thomas Newman, de belo
efeito dramático. A partir de então, o filme ganha sentido de
atemporalidade pela abordagem de temas atuais, como o aborto. Haythe,
o roteirista, teve o cuidado de preservar quase a integralidade dos
diálogos de Yates. E a mise-en-scène de Mendes, egresso do teatro,
calca o realismo próprio das montagens dos textos de Tennessee
Williams. Suas marcações são rígidas no sentido de valorizar a atuação
dos atores. E que atores!...

Leonardo DiCaprio, seguindo à risca as orientações da direção,
apresenta uma interpretação madura de um homem que, embora um tanto
desmotivado do ponto de vista profissional, faz de tudo para que, no
âmbito familiar, as coisas dêem certo. Sua atuação é discreta, sem
arroubos, sustentada pelo expressivo uso dos músculos faciais. O seu
Frank traz sempre um sorriso aberto nos lábios para April desde que
ela – ou qualquer pessoa do restrito círculo de relacionamento do
casal, como o matemático esquizofrênico John Grivings (Michael
Shannon), – não o atinja em seus valores morais, herdados do pai
naturalmente, cujos conceitos ele guarda na lembrança.

Kate Winslet volta magnífica ao papel de uma suburbana como
Sarah Pierce, que interpretara em Pecados Íntimos, de Todd Field. Mas
é certo que, desta feita, a carga dramática de sua personagem, April
Wheeler, é mais intensa porque seu conflito é interior. Ela está
insatisfeita consigo própria. April quer luz, quer platéia, quer a
vastidão da floresta lá fora, vista da janela, enquanto ela fica,
durante toda a jornada, na claustrofóbica cozinha de sua casa entregue
à rotina do trabalho doméstico. April pretende por isso inverter os
papéis com o marido, Frank. Ela quer ganhar o mundo e deixá-lo em casa
na ociosidade.

Winslet, ao que fica evidente, trabalhou arduamente na
construção da personagem não só no que diz respeito àqueles elementos
considerados essenciais – como figurinos, maquiagem, postura em cena,
etc. -, mas principalmente à observação do seu poder de atriz de
hipnotizar pessoas pela emissão de radiações invisíveis das vontades e
dos sentimentos de April Wheeler. E nessa particularidade ela está
perfeita. Excepcional. Além disso, contou com as marcações de cena
inteligentes do marido Mendes e, também muito importante, o irrestrito
apoio do amigo DiCaprio, que nos momentos mais dramáticos, lhe
propicia a necessária sustentação para brilhar.

Há no elenco três nomes ainda a mencionar: primeiro, a
irrepreensível Kathy Bates que, como a corretora de imóveis Helen
Grivings, não deixa transparecer, na atuação profissional, o
sofrimento de sua vida familiar, qual seja o de ter o filho John, PhD
em Matemática, isolado na clínica psiquiátrica sob tratamento de
eletrochoque; segundo, David Harbour, que se destaca no papel de Shep
Campbell, um indivíduo sensível, que capta o drama dos vizinhos
Wheeler, absorve-o e, pensando não ser observado pela mulher, Milly,
passa a sofrer intensamente por eles e, terceiro, Michael Shannon,
numa brilhante atuação como John Grivings que, durante um passeio com
o casal em crise, observa: - Não é difícil encontrar pessoas que
reclamam do vazio da vida. O que é raro é ver alguém que clame por
falta de esperança.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
FOI APENAS UM SONHO
THE REVOLUTIONARY ROAD

EUA/ Reino Unido/ 2008
Duração – 106 minutos
Direção – Sam Mendes
Roteiro – Justin Haythe, baseado no livro The Revolutionary Road, de Richard Yates.
Produção – John N. Hart, Scott Rudin, Sam Mendes e Bobby Cohen
Fotografia – Roger Deakins
Música – Thomas Newman
Edição – Tariq Anwar

Elenco – Leonardo DiCaprio (Frank Wheeler), Kate Winslet (April Wheeler), Kate Bates ( Helen Givings), Michael Shannon (John Givings), Kathryn Hahn (Milly Campbell), David Harbour ( Shep Campbell), Zoe Kazan (Maureen Grube).
 

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