Theresa Catharina de Góes Campos

  DÚVIDA

Com impressionantes atuações de Meryl Streep, Philip S. Hoffman,
Viola Davis e Amy Adams, Dúvida, de John Patrick Shanley, embora não
negue sua origem teatral, é um filme de belo efeito tanto visual como
dramático, com cinco indicações ao Oscar, que suscita no espectador a
questão do difícil exercício da função de autoridade ante os preceitos
da moral e da religião.

Trata-se da adaptação da obra homônima de Shanley – Prêmio
Pulitzer de Teatro de 2005 – que permaneceu durante um ano (525
apresentações) em cartaz na Broadway, tendo recebido quatro prêmios
Tony. De estrutura seca, enxuta, a peça, apesar de não ser moldada
como tragédia, se inicia como Morte Na Catedral, de T.S. Elliot, pelo
sermão do padre Brendan Flynn (Philip S. Hoffman), cujo tema antecipa
a trama:

A dúvida – adverte o sacerdote aos fiéis presentes à missa
dominical -, ao contrário do que muitos pensam, pode ser um elo tão
poderoso quanto a certeza. Pode ser até mesmo um lume a orientar os
nossos caminhos...

O vibrante padre Flynn chegara à Escola São Nicolau, no Bronx,
Nova York, em plena ebulição da década de sessenta, cheio de idéias
novas, tentando acabar ou atenuar os rígidos costumes ali adotados
pela diretora, irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep), que, para
exercer sua autoridade, acredita na eficácia da imposição do medo e da
disciplina aos alunos: - Está na hora, irmã!... A Igreja precisa
mudar! – afirma o padre Flynn.

Os bons ventos das mudanças políticas e da liberalização dos
costumes, que marcaram a época, já sopram, contudo, pela comunidade do
Bronx – embalada até mesmo pelo ritmo nada autêntico, por sinal, da
bossa nova -, determinando, por exemplo, que, pela primeira vez em sua
história, a Escola São Nicolau receba a matrícula de um aluno negro,
Donald Miller (Joseph Foster II).

Para que Miller, de natureza tímida, se adapte com mais
facilidade à escola ante a intolerância dos alunos racistas do
estabelecimento, padre Flynn o escolhe como coroinha, isto é, ajudante
do sacerdote nas celebrações litúrgicas, como missas e novenas. O
tratamento diferenciado dado por Flynn a Miller acaba, contudo, por
despertar a curiosidade da ingênua irmã James (Amy Adams), que passa a
suspeitar de que o padre esteja abusando do garoto.

Intrigada pelo fato de Miller haver sido chamado pelo sacerdote
ao presbitério durante a aula e de lá ter regressado, em seguida, um
tanto constrangido e, pior, apresentando sintomas de haver ingerido
álcool, a irmã James comunica o fato à irmã Aloysius, que, por sua
vez, troveja sobre Flynn. Sentindo-se pressionado, mas, sem ter
aparentemente como se defender, o padre aproveita o sermão da missa do
domingo seguinte para falar aos fiéis sobre o poder disseminador e
maléfico do boato.

É essa uma das seqüências mais bonitas do filme, da qual se serve
Shanley para arejar sua narrativa com tomadas externas, ilustrativas
da metáfora do travesseiro soltando penas de cima de um edifício,
captadas pela fotografia, de belo efeito visual e funcionalidade
dramática, de Roger Deakins, indicado ao Oscar por outro trabalho
estupendo realizado em Foi Apenas Um Sonho, de Sam Mendes.

O que categoriza o filme, entretanto, é o duelo das
interpretações propiciadas por um elenco afiadíssimo, que sabe tirar
proveito máximo não só da construção dramática do texto e das
marcações de cena de Shanley como também da fina sutileza e precisão
de seus diálogos.

Completando com esse trabalho quinze indicações ao Oscar – ou
seja, trinta anos decorridos desde a primeira por A Escolha de Sofia,
de Alan J. Pakula -, Meryl Streep está soberba no papel da irmã
Aloysius Beauvier. Trabalhando apenas com o jogo facial, pois o corpo
se anula pelo hábito religioso usado pela personagem, a atriz – única,
em sua idade, a receber papéis em Hollywood, segundo reclamações de
sua concorrente, Glenn Close – domina a cena, do começo ao fim,
mostrando como é espinhoso o exercício da autoridade para pessoa que
se julga dona de todas as verdades.

Philip S. Hoffman empresta à interpretação do padre Flynn, com a
qual foi indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, postura de
dignidade nos debates que trava com a irmã Aloysius e nas persuasivas
conversações que ele mantém com a irmã James: - Não acredite,
irmã!...Não houve nada no presbitério. Se você suspeita de alguém,
você se volta contra Deus. A atuação de Hoffman é mais vibrante,
porém, tanto pelo timbre de voz, como pela expressão facial, ao
proferir, no altar, os sermões das missas dominicais.

Por sua vez Amy Adams, indicada ao Oscar de Melhor Atriz
Coadjuvante, de face meiga e bonita, comove pelo toque de ingenuidade
dado à irmã James que, na verdade, personifica, na trama, a própria
vulnerabilidade da dúvida: - Não há evidência, nem testemunhas..Eu não
creio que padre Flynn tenha feito algo errado. Nisso irmã James faz
contraponto à irmã Aloysius, que afirma sempre: Mas eu tenho
certezas!...

A extraordinária revelação do filme é, sem dúvida, Viola Davis,
egressa da televisão –, também indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante
-, que, no papel da sra. Miller, dá perfeita lição de interiorização
de personagem na cena da discussão que mantém com a irmã Aloysius no
pátio do colégio, coalhado de folhas secas que se desprendem das
árvores durante o outono. Ela diz na seqüência, que pode ser
considerada uma das mais dramáticas do ano: - Meu filho veio para o
Colégio, mas os meninos não gostam dele. Só o padre Flynn o protege. É
bom com ele, que, em casa, também apanha do pai!...

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA

DÚVIDA
DOUBT
EUA/2008
Duração – 105 minutos
Direção – John Patrick Shanley
Roteiro – John Patrick Shanley com base na peça teatral homônima de sua autoria
Produção – Scott Rudin, Célia D. Costas, Mark Roybal e Nora Skinner
Fotografia – Roger Deakins e Matt Turval
Música Original – Howard Shore
Edição – Dane Collier
Elenco – Meryl Streep (irmã Aloysius Beauvier), Philip S. Hoffman (padre Brendan Flynn), Amy Adams (irmã James), Viola Davis (sra. Miller), Joseph Foster II (Donald Miller), Alice Drummond (irmã Verônica), Audrie J. Neenan (irmã Raymond), Susan Blomaert (sra. Carlson), Robert Ridgell (Organista).
 

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