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SENTAR-SE À JANELA
Alexandre Garcia
Era criança quando, pela primeira vez, entrei em
um avião.
A ansiedade de voar era enorme.
Eu queria me sentar ao lado da janela de
qualquer jeito, acompanhar o
vôo desde o primeiro momento e sentir o avião
correndo na pista cada
vez mais rápido até a decolagem.
Ao olhar pela janela via, sem palavras, o avião
rompendo as nuvens,
chegando ao céu azul.
Tudo era novidade e fantasia...
Cresci, me formei, e comecei a trabalhar. No meu
trabalho, desde o
início, voar era uma necessidade constante.
As reuniões em outras cidades e a correria me
obrigavam, às vezes, a
estar em dois lugares num mesmo dia.
No início pedia sempre poltronas ao lado da
janela, e, ainda com olhos
de menino, fitava as nuvens, curtia a viagem, e
nem me incomodava de
esperar um pouco mais para sair do avião, pegar
a bagagem, coisa e
tal.
O tempo foi passando, a correria aumentando, e
já não fazia questão de
me sentar à janela, nem mesmo de ver as nuvens,
o sol, as cidades
abaixo, o mar ou qualquer paisagem que fosse.
Perdi o encanto. Pensava somente em chegar e
sair, me acomodar rápido
e sair rápido.
As poltronas do corredor agora eram exigência .
Mais fáceis para sair
sem ter que esperar ninguém, sempre e sempre
preocupado com a hora,
com o compromisso, com tudo, menos com a viagem,
com a paisagem,
comigo mesmo.
Por um desses maravilhosos 'acasos' do destino,
estava eu louco para
voltar de São Paulo numa tarde chuvosa,
precisando chegar em Curitiba
o mais rápido possível.
O vôo estava lotado e o único lugar disponível
era uma janela, na
última poltrona.
Sem pensar concordei de imediato, peguei meu
bilhete e fui para o embarque.
Embarquei no avião, me acomodei na poltrona
indicada: a janela.
Janela que há muito eu não via, ou melhor, pela
qual já não me
preocupava em olhar.
E, num rompante, assim que o avião decolou,
lembrei-me da primeira vez
que voara.
Senti novamente e estranhamente aquela
ansiedade, aquele frio na barriga.
Olhava o avião rompendo as nuvens escuras até
que, tendo passado pela
chuva, apareceu o céu.
Era de um azul tão lindo como jamais tinha
visto. E também o sol, que
brilhava como se tivesse acabado de nascer.
Naquele instante, em que voltei a ser criança,
percebi que estava
deixando de viver um pouco a cada viagem em que
desprezava aquela
vista.
Pensei comigo mesmo: será que em relação às
outras coisas da minha
vida eu também não havia deixado de me sentar à
janela, como, por
exemplo, olhar pela janela das minhas amizades,
do meu casamento, do
meu trabalho e convívio pessoal?
Creio que aos poucos, e mesmo sem perceber,
deixamos de olhar pela
janela da nossa vida...
A vida também é uma viagem e se não nos
sentarmos à janela, perdemos o
que há de melhor: as paisagens, que são nossos
amores, alegrias,
tristezas, enfim, tudo o que nos mantém vivos.
Se viajarmos somente na poltrona do corredor,
com pressa de chegar,
sabe-se lá aonde, perderemos a oportunidade de
apreciar as belezas que
a viagem nos oferece.
Se você também está num ritmo acelerado, pedindo
sempre poltronas do
corredor, para embarcar e desembarcar rápido e
'ganhar tempo', pare um
pouco e reflita sobre onde você quer chegar.
A aeronave da nossa existência voa célere e a
duração da viagem não é
anunciada pelo comandante.
Não sabemos quanto tempo ainda nos resta.
Por essa razão, vale a pena sentar próximo da
janela para não perder
nenhum detalhe.
Afinal, 'a vida, a felicidade e a paz são
caminhos e não destinos'.
From: elizabeth
barros
Date: 2009/2/27
Subject: Re: SENTAR-SE À JANELA - Alexandre
Garcia
To: Theresa Catharina de Goes Campos
Tia, gostei muito desse texto que o jornalista
Alexandre Garcia
escreveu. Bem atual e realista. Vou encaminhá-lo
a algumas amigas.
(...) Beijos de sua sobrinha, Elizabeth. |
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