Theresa Catharina de Góes Campos

 
SENTAR-SE À JANELA
Alexandre Garcia

Era criança quando, pela primeira vez, entrei em um avião.
A ansiedade de voar era enorme.

Eu queria me sentar ao lado da janela de qualquer jeito, acompanhar o
vôo desde o primeiro momento e sentir o avião correndo na pista cada
vez mais rápido até a decolagem.

Ao olhar pela janela via, sem palavras, o avião rompendo as nuvens,
chegando ao céu azul.
Tudo era novidade e fantasia...

Cresci, me formei, e comecei a trabalhar. No meu trabalho, desde o
início, voar era uma necessidade constante.

As reuniões em outras cidades e a correria me obrigavam, às vezes, a
estar em dois lugares num mesmo dia.

No início pedia sempre poltronas ao lado da janela, e, ainda com olhos
de menino, fitava as nuvens, curtia a viagem, e nem me incomodava de
esperar um pouco mais para sair do avião, pegar a bagagem, coisa e
tal.

O tempo foi passando, a correria aumentando, e já não fazia questão de
me sentar à janela, nem mesmo de ver as nuvens, o sol, as cidades
abaixo, o mar ou qualquer paisagem que fosse.

Perdi o encanto. Pensava somente em chegar e sair, me acomodar rápido
e sair rápido.

As poltronas do corredor agora eram exigência . Mais fáceis para sair
sem ter que esperar ninguém, sempre e sempre preocupado com a hora,
com o compromisso, com tudo, menos com a viagem, com a paisagem,
comigo mesmo.

Por um desses maravilhosos 'acasos' do destino, estava eu louco para
voltar de São Paulo numa tarde chuvosa, precisando chegar em Curitiba
o mais rápido possível.

O vôo estava lotado e o único lugar disponível era uma janela, na
última poltrona.
Sem pensar concordei de imediato, peguei meu bilhete e fui para o embarque.

Embarquei no avião, me acomodei na poltrona indicada: a janela.
Janela que há muito eu não via, ou melhor, pela qual já não me
preocupava em olhar.

E, num rompante, assim que o avião decolou, lembrei-me da primeira vez
que voara.
Senti novamente e estranhamente aquela ansiedade, aquele frio na barriga.
Olhava o avião rompendo as nuvens escuras até que, tendo passado pela
chuva, apareceu o céu.

Era de um azul tão lindo como jamais tinha visto. E também o sol, que
brilhava como se tivesse acabado de nascer.

Naquele instante, em que voltei a ser criança, percebi que estava
deixando de viver um pouco a cada viagem em que desprezava aquela
vista.

Pensei comigo mesmo: será que em relação às outras coisas da minha
vida eu também não havia deixado de me sentar à janela, como, por
exemplo, olhar pela janela das minhas amizades, do meu casamento, do
meu trabalho e convívio pessoal?

Creio que aos poucos, e mesmo sem perceber, deixamos de olhar pela
janela da nossa vida...

A vida também é uma viagem e se não nos sentarmos à janela, perdemos o
que há de melhor: as paisagens, que são nossos amores, alegrias,
tristezas, enfim, tudo o que nos mantém vivos.

Se viajarmos somente na poltrona do corredor, com pressa de chegar,
sabe-se lá aonde, perderemos a oportunidade de apreciar as belezas que
a viagem nos oferece.

Se você também está num ritmo acelerado, pedindo sempre poltronas do
corredor, para embarcar e desembarcar rápido e 'ganhar tempo', pare um
pouco e reflita sobre onde você quer chegar.
A aeronave da nossa existência voa célere e a duração da viagem não é
anunciada pelo comandante.
Não sabemos quanto tempo ainda nos resta.
Por essa razão, vale a pena sentar próximo da janela para não perder
nenhum detalhe.
Afinal, 'a vida, a felicidade e a paz são caminhos e não destinos'.

From: elizabeth barros
Date: 2009/2/27
Subject: Re: SENTAR-SE À JANELA - Alexandre Garcia
To: Theresa Catharina de Goes Campos


Tia, gostei muito desse texto que o jornalista Alexandre Garcia
escreveu. Bem atual e realista. Vou encaminhá-lo a algumas amigas.
(...) Beijos de sua sobrinha, Elizabeth.

 

Jornalismo com ética e solidariedade.