Theresa Catharina de Góes Campos

  Tereza Halliday

"Recado de eleitora", copyright Diário de Pernambuco, 22/08/02

"Trabalha, candidato. É nobre o emprego que vou te arranjar: ser meu
representante nas instâncias do poder - assembléias legislativas,
Câmara, Senado, gabinetes de prefeito, governador e presidente.
Pago-te regiamente para zelar por minha cidade, meu estado, meu país.
Mesmo sabendo que poderás zelar pouco e fazer mal ao bem comum.

Sem mim, tua eleitora e fonte pagadora, ou concorres à reeleição com
risco de ‘dançar’, ou ainda não tiveste o gostinho do poder e aspiras
a cargo que aumente as chances de te fazer na vida. Sem mim, tua
eleitora e escada, não terás acesso às imunidades e mordomias ‘em nome
de’ serviços a mim prestados - eu, cidadã que te contrata para seres
competente e decente no trato da coisa pública.

Trabalha, candidato. É grande a missão que te vou confiar: falarás por
mim, ora bem, ora dizendo asneiras e empulhações que me deixarão
indignada e envergonhada, como tua patroa. Eu te contrato por quatro
anos como meu procurador para assuntos da sociedade que me é devida -
mais séria, justa e harmoniosa. Se descumpres o contrato, não tenho
uma Justiça do Trabalho a quem recorrer. Resta-me fazer justiça com as
próprias mãos, não te elegendo da próxima vez. Pena que meu voto
consciente seja minoria no cesto dos votos comprados.

Trabalha, candidato. Terás muitas vantagens financiadas pelos meus
impostos: passagens aéreas, uso das telecomunicações, serviços médicos
e postais, combustível, assessores, residência funcional - tudo
subsidiado por mim, através do Leão e demais fontes coletoras.
Conchavarás como se fosse para o meu bem, terás teus dez minutos
regulares de glória na TV e muito mais de dez benesses executivas ou
parlamentares.

O poder acelera o envelhecimento e predispõe a doenças. Em meado de
mandato já estarás sambado. Mas sabes que é melhor ficar doente e
envelhecido no poder, com dinheiro no bolso e prestígio na praça, do
que liso e com o desprestigiado status de ‘cidadão’ apenas.

Sabes por que te contrato a cada quatro anos? Mesmo quando abusas da
minha confiança, envileces tua função e desmereces o polpudo salário
que te pago? Para sustentar Dona Democracia. Ela é frágil, cheia de
achaques e exigências. Mas ainda não apareceu ninguém melhor que ela
para coabitar. Sabes por que sou tão paciente contigo, candidato
eleito? Somente, tão somente, para que nenhum sujeito - nem civil, nem
militar - consiga mandar sozinho, fazer o mal escondido, proibir-me de
pensar diferente e me punir por discordar.

Elegendo-te, posso criticar-te em prosa, verso, anedota, artigo de
jornal. Quer sejas governo, quer sejas oposição. Este meu pequeno
poder da liberdade de expressão é bem menor que o teu poder de agir
mal e porcamente como político eleito. Mas se Dona Democracia for
embora, eu perderei meu pequeno poder. E isto me saíria muito mais
caro do que votar em ti."
 

Jornalismo com ética e solidariedade.