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Publicado no Diário de Pernambuco,
16/03/2009, p.A-9:
CASÓRIOS – BELEZA E BARULHO
Tereza Halliday –
Artesã de Textos
Queria prima Aninha:
Esta carta é partilhada com meus leitores do
Diário de
Pernambuco porque o tema ultrapassa a esfera
pessoal.
O primeiro casamento ao qual compareci foi o de
Tio Laércio e
Tita, lá nos confins da infância. Prova
documental é aquela foto em
preto e branco, dos noivos com a sobrinha
miudinha ao lado. O número
de festas de casamento em minha vida aumentou
exponencialmente, à
medida que a população de parentes, colegas e
amigos ampliava meu
mundo. Noivas lindas, noivos nervosos, marchas
nupciais emocionantes,
bolos deliciosos, ti-ti-ti de festa, vai-e-vem
de fotógrafos, beleza e
barulho - provei de tudo.
Entra ano, sai ano, toda emperiquitada a me
abanar na igreja,
tomei copiosos chás de cadeira das noivas, por
obrigação social ou
afetiva, aceitando os numerosos convites. Apesar
dos apelos de
líderes de opinião como o colunista João
Alberto, a falta de
pontualidade das noivas continua endêmica.
Alguns cerimonialistas até
a recomendam, levando os nubentes a descumprir a
palavra dada no
convite impresso, onde a hora da cerimônia é
especificada.
As igrejas ganharam amplificação de som, às
vezes com resultados
desastrosos: em vez de enlevar, a música parece
vinda de alto-falante
de palanque e não se consegue entender a fala do
celebrante. As
recepções, oferecidas com tanto esmero, passaram
a ser ruidosíssimas,
com tal excesso de decibéis que roubam dos
convidados o prazer de
conversar. Para dançar animadamente, eu, de
audição normal, não
preciso de orquestra desvairada estuporando
pelas caixas de som, ou DJ
botando pra quebrar até os cristais, por causa
das vibrações sonoras
que doem no tórax e nos tímpanos.
Com o tempo, a alma velha de guerra cansou. Não
sendo masoquista,
busco aumentar meus gostos e diminuir os
desgostos – como esperar
excessivamente pelas noivas, conviver em
multidão e ser submetida a
abusos de som que a maioria dos circunstantes
não percebe como tal.
Por isto, não fui ao casamento de Natália, nem
ao de Renata nem
ao de Carol – filhas de primos queridos, quase
sobrinhas, por quem
nutro afeto e admiração como jovens mulheres que
dão gosto aos seus
pais. Fiz-me presente com um presente, texto
especial em cartão e
preces pelos noivos. Não posso afirmar que
jamais irei de novo a uma
cerimônia e recepção de casamento, apesar de meu
currículo estar
abarrotado delas. Mas, no momento, minha alma
prefere perder a beleza
da festa a ganhar o sofrimento do barulho.
Com seu bom humor e compreensão, sei que você
entende minha
ausência à sua recente celebração especial.
Mesmo se eu tivesse ido,
não poderíamos conversar no seu plantão de mãe
de noiva e naquele
estrupício de som. Então, vamos almoçar qualquer
dia desses? Em
restaurante sem TV nem música alta, para que eu
possa desfrutar de sua
conversa inteligente e presença gentil.
CAMPANHA EM PROL DE SONS CIVILIZADOS
From: Tereza Lúcia Halliday
Date: 2009/3/24
Subject: Campanha em prol de sons civilizados
Aos meus leitores via-e-mail:
O texto abaixo, de Edson Bandeira de Mello,
pianista, educador,
musicólogo, com formação na França, retoma o
tema do meu artigo da
semana passada e diz muito mais:
Diário de Pernambuco, 23 de março de 2009 - p.
A-11
Violência do som
Edson Bandeira de Mello // Músico
Casórios - Beleza e Barulho - Sob este
intrigante título, li
atualíssimo artigo de Tereza Halliday, nesta
página. Tereza diz-se
"Artesã de Textos" o que demonstra tanto a sua
humildade quanto o seu
orgulho pelo belo trabalho que realiza. Ao tempo
em que eu ia lendo
meu interesse crescia. O assunto me interessa de
perto. A autora
apresenta suas razões por não mais comparecer a
casamentos: o
sofrimento que o excesso de som lhe causa é
maior que a alegria de ali
estar.
Estamos habituados a ouvir que nós, cidadãos do
bem, estamos sendo
aprisionados em nossas casas enquanto os
criminosos nos aguardam nas
ruas. Tal afirmativa, em geral, provoca
protestos contra o descaso das
autoridades. Mas não é por isto que Tereza não
mais pode ir a
casamentos. De fato, é por outras formas de
violência perpetradas por
nossos entes mais queridos, cheios de orgulho
por nos estarem
brindando com sua atenção e carinho. Uma delas é
a da insuspeitada
agressão sonora.
Éque nossos queridos anfitriões não percebem que
estão se deixando
levar pelo "marketing do sucesso" que, a cada
vez, torna-se mais caro
e agressivo, pois, uma. Festa Bonita é aquela na
qual a alegria
convive com a liberdade de trocar ideias e com o
prazer de rever
amigos. Festa Bonita é aquela em que podemos
admirar sua fina e
discreta organização sentindo a beleza dos
festejados e a dos que com
eles se regozijam em clima de enlevo criado por
músicas que sejam
delicadamente sussurradas e não enfiadas à força
em nossos tímpanos, o
que talvez seja tolerável em um amplo
descampado.. Festa Bonita é
aquela na qual há espaço para que a nossa
percepção estética sinta o
belo e expressivo que ali existe, relaxando os
nervos já em frangalhos
pelo dia a dia das grandes metrópoles.
Lembro-me de haver dito a Alexandre Lemos: Veja,
Alexandre! Ao
entrarmos em uma Catedral Gótica nosso espírito
tende ao infinito!
Veja a amplidão dessas naves! É admirável que
tenham sentido e
construído tudo isto. Não havia eletricidade,
tampouco microfones e
amplificadores. Contudo, sermões aqui eram
feitos por pregadores
excepcionais! E todos ouviam tudo muito bem.
Essas imponentes naves,
sem caixas de som, eram inundadas por músicas
belíssimas que levavam
nosso espírito à amplidão do divino e do eterno,
que habitam em nós.
Pena que em nossos dias, em qualquer lugar, por
pequenino que seja, lá
está ele, o microfone - dono, líder, atual
divindade que comanda,
ordena e a tudo desordena, em nome da
informalidade que apenas esconde
o novo e vulgar poder de um falso comandante a
nos levar ao desespero,
a estilhaçar nossos nervos. Poder de comando
este, que teve início com
Hitler e seu microfone. Padre, pregador,
conferencista, cantor, banda!
Todos de microfone em punho a fazerem um barulho
infernal, inferno
este que, decididamente, não combina com um
ambiente de enlevo que
requeira a atenção do espírito.
Hoje, quase não se ouve mais nada. É uma
civilização anormalmente
visual e tátil. Os chamados shows musicais são
uma demonstração viva
desse histerismo coletivo. Ali, milhares de
jovens mal educados, mal
formados e mal amados extravasam o vazio que
lhes vai na alma através
de uma forma de protesto alucinada, a qual
chamam de diversão. Com a
gritaria que eles aprontam, recebem como retorno
apenas maior
gritaria, ainda mais histérica, que vem dos
instrumentistas. Chamam
àquilo de Música... Pasmem! Chamam de Música! O
artigo de Tereza
Halliday deveria desencadear uma campanha
sistemática dos órgãos de
"saúde pública do corpo, da mente e da alma".
Aqui está minha adesão à
campanha. |
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