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REFLEXÕES PARA DOMINGO DE RAMOS E PÁSCOA
From: lmaikol <lmaikol@uol.com.br>
Date: 2009/3/22
Subject: Reflexões Homiléticas para Abril de
2009
Reflexões Homiléticas para Abril de 2009:
DOMINGO DE RAMOS (5 de abril de 2009)
Mc 11, 1-11
“Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor!”
Quase não existe comunidade católica no Brasil
que não
comemore hoje, com muita alegria e entusiasmo, a
entrada de Jesus em
Jerusalém. Organizam-se procissões, o povo abana
ramos, e pessoas que
dificilmente pisam numa igreja num domingo
comum, hoje fazem questão
de não perder a celebração. Mas acredito que,
para não reduzirmos a
comemoração a mero folclore ou teatro, seja
importante estudar mais de
perto o que significava esta entrada em
Jerusalém para Jesus, e para o
evangelista.
Uma das coisas que dificultam o nosso
entendimento da
passagem - como de outros textos - é a nossa
pouca familiaridade com o
Antigo Testamento. Cumpre relembrar hoje um
trecho do profeta
Zacarias: “Dance de alegria, cidade de Sião;
grite de alegria, cidade
de Jerusalém, pois agora o seu rei está
chegando, justo e vitorioso.
Ele é pobre, vem montado num jumento, num
jumentinho, filho duma
jumenta... Anunciará a paz a todas as nações, e
o seu domínio irá de
mar a mar, do rio Eufrates até os confins da
terra” (Zc 9, 9-10). Esse
era um trecho muito importante na
espiritualidade do grupo conhecido
como os “Anawim”, ou “os pobres de Javé”, que
esperavam ansiosamente a
chegada do Messias libertador. Entre este grupo
seguramente estavam
Maria e José, e os discípulos de Jesus. Jesus
foi educado dentro dessa
espiritualidade. Zacarias traçava as
características do verdadeiro
messias - seria um rei, mas um rei “justo e
pobre”; não um rei de
guerra, mas de paz! Estabeleceria uma sociedade
diferente da sociedade
opressora do tempo de Zacarias (e de Jesus, e de
nós) - onde poderosos
e ricos oprimiam os pobres e pacíficos! Um rei
jamais entraria numa
cidade montado num jumento - o animal do pobre
camponês, mas num
cavalo branco de raça! Então Jesus, fazendo a
sua entrada assim, faz
uma releitura do profeta Zacarias, e se
identifica com o rei pobre, da
paz, da esperança dos pobres e oprimidos!
Por isso, muitas vezes perdemos totalmente o
sentido da
entrada de Jesus em Jerusalém. Celebramos o
evento como se fosse a
entrada de um Presidente ou Governador dos
nossos tempos, - de pompa,
imponência e demonstração de poder e força.
Parece muito mais ligado à
prepotência de um déspota ou imperialista do que
à figura de Jesus! O
contrário do que significava o que Jesus fez!
Chamamos o evento da
“entrada triunfal de Jesus em Jerusalém” - e
realmente foi uma entrada
triunfal, mas como triunfo de Deus, que se
encarnou entre nós como o
Servo Sofredor, o triunfo da vida, morte e
ressurreição de Jesus! Nada
mais longe do sentido original deste evento do
que manifestações de
poderio e pompa, mesmo - ou especialmente -
quando feitas em nome da
Igreja e do Evangelho de Jesus! O texto de hoje
convida a todos nós a
revermos as nossas atitudes. Seguimos Jesus -
mas, será que é o Jesus
real, o Jesus de Nazaré, o Jesus rei dos pobres
e humildes, o Jesus
cumpridor da profecia de Zacarias? Ou inventamos
um outro Jesus -
poderoso nos moldes da nossa sociedade, com
força, poder e prestígio,
conforme o mundo entende estes termos? É valiosa
a advertência contida
num canto muito usado nas celebrações de hoje:
“Eles queriam um grande
rei, que fosse forte, dominador. E por isso não
creram nele e mataram
o salvador!”
Realmente, acreditamos no rei dos pobres e
oprimidos, ou só fazemos um
folclore bonito no Dia de Ramos, totalmente
desvinculado da mensagem
verídica e profunda do profeta Zacarias e do
Evangelho de hoje?
Acreditamos na força do direito (Jesus e o seu
projeto de vida) ou no
direito da força (George Bush, Osama-bin-Laden e
os tantos aliados
deles com o seu projeto de morte?)
DOMINGO DE PÁSCOA (12 de abril de 2009)
Jo 20, 1-9
“Ele viu e acreditou”
Os quatro evangelhos relatam os acontecimentos
do Dia da
Ressurreição, cada um de acordo com as suas
tradições. Mas, certos
elementos são comuns a todos: o fato do túmulo
vazio, de que as
primeiras testemunhas eram as mulheres (embora
divirjam quanto ao seu
número e identidade e o motivo da sua ida ao
túmulo - para ungir o
corpo, ou para vigiar e lamentar), que uma delas
era Maria Madalena.
Podemos tirar disso a conclusão que as mulheres
tinham lugar muito
importante entre o grupo dos discípulos de
Jesus, e que elas eram mais
fiéis do que os homens, seguindo Jesus até a
Cruz e além dela!
Infelizmente, outras gerações fizeram questão de
diminuir a
importância das discípulas na tradição - e a
Igreja sofre até hoje as
conseqüências.
Lendo os relatos, um fato salta aos olhos -
ninguém
esperava a Ressurreição! Para os discípulos, a
Cruz era o fim da
esperança, a maior desilusão possível. Se
somamos a isso o fato que
todos eles traíram Jesus (ou por dinheiro, ou
por covardia), podemos
imaginar o ambiente pesado entre eles na manhã
do Domingo. Nesse meio
chega a Maria com a notícia de que o túmulo
estava vazio - e ela,
naturalmente, pensa que o corpo tinha sido
roubado. Ressurreição - nem
pensar!
No nosso texto, Pedro (que tem um papel
importante nos textos
pós-ressurreicionais) e o Discípulo Amado
(anônimo, mas quase
certamente não um dos Doze) correm até o túmulo.
O texto deixa
entrever a tensão histórica que existia entre a
comunidade do
Discípulo Amado e a comunidade apostólica
(representada por Pedro).
Pois o Discípulo Amado espera por Pedro
(reconhece a sua primazia),
mas enquanto Pedro vê sem acreditar, o Discípulo
Amado acredita. No
Quarto Evangelho, Pedro só realmente vai
conseguir amar Jesus no
Capítulo 21, enquanto o Discípulo Amado é o tal
desde Capítulo 13. Só
quem olha com os olhos do coração, do amor,
penetra além das
aparências!
Como em Lucas 24, na história dos Discípulos de
Emaús, o
texto demonstra que a nossa fé não está baseada
num túmulo vazio! Não
é o túmulo vazio que fundamenta a nossa fé na
Ressurreição, mas o
contrário - é a experiência da presença de Jesus
Ressuscitado que
explica porque o túmulo está vazio! Cuidemos de
não procurar bases
falsas para a nossa fé no Ressuscitado!
Hoje em dia, quando olhamos para o mundo ao
nosso redor, é fácil não
acreditar na vitória da vida sobre a morte. Há
tanto sofrimento e
injustiça - guerra, violência, corrupção
endêmica, miséria, a saúde e
a educação sucateadas! Só uma experiência
profunda da presença de
Jesus libertador no meio da comunidade poderá
nos sustentar na luta
por um mundo melhor, com fé na vitória final do
bem sobre o mal, da
luz sobre as trevas, da graça sobre o pecado!
Nós todos somos
discípulos/as amados/as, pois “nada nos separa
do amor e Deus em Jesus
Cristo” (Rm 8), mas será que somos discípulos
amantes? Será que amamos
a Jesus e ao próximo? E lembramos que o ágape, o
amor proposto pelo
evangelho, não é um sentimento, mas uma atitude
de vida, de
solidariedade, de partilha, de justiça. “O amor
consiste no seguinte:
não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que
nos amou, e nos
enviou o seu Filho como vítima expiatória por
nossos pecados. Se Deus
nos amou a tal ponto, também nós devemos
amar-nos uns aos outros” (1Jo
4, 10-11).
Que a mensagem da Ressurreição, da vitória da
vida sobre a morte, nos
anime e dê força, nesses dias da aparente (mas
somente aparente!)
vitória da arrogância e prepotência dos países
hegemônicos, e
especialmente quando a Cruz pesar muito em
nossas vidas.
SEGUNDO DOMINGO DA PÁSCOA (19 de abril de
2009)
Jo 20, 19-31
“A paz esteja com vocês!”
No texto anterior ao de hoje, a Maria Madalena
trouxe a notícia da
Ressurreição aos discípulos incrédulos. Agora é
o próprio Jesus que
aparece a eles. Não há reprovação nem queixa nas
suas palavras, apesar
da infidelidade de todos eles, mas somente a
alegria e a paz, que já
tinha prometido no último discurso. Duas vezes
Jesus proclama o seu
desejo para a comunidade dos seus discípulos -
“A paz esteja com
vocês”. O tema da paz, do shalom, é importante
na vida de Jesus..
No Discurso de Despedida, na tradição da
Comunidade do Discípulo
Amado, no contexto de uma certa angústia humana
e da insegurança,
junto como a promessa do dom do Paráclito, Jesus
deixa com os seus o
seu grande dom da paz: “Eu deixo para vocês a
paz, eu lhes dou a minha
paz. A paz que eu dou para vocês não a paz que o
mundo dá” (Jo 14,
27). Ele usou a palavra tradicional dos judeus
para a paz, “Shalom”. É
uma paz baseada na vinda do Espírito, que será
atualizada no texto de
hoje: “A paz esteja com vocês! Recebam o
Espírito Santo” (Jo 20,
21-22). Enfatiza que não é a paz como o mundo a
entende - muitas vezes
simplesmente como a ausência de briga.
Frequentemente a paz que o
mundo dá é aquela falsa, que depende da força
das armas para reprimir
as legítimas aspirações do povo sofrido - como
tantos países
experimentaram, e continuam a experimentar hoje,
durante as ditaduras
de direita e da esquerda. Assim, a Campanha da
Fraternidade deste ano
quis nos conscientizar que a segurança e a paz
não se alcançam
simplesmente com maior repressão policial, mas
com a construção de uma
sociedade justa, solidária e fraterna, como Deus
quer. Lembremo-nos
que o tema da Campanha não foi “Segurança
Pública”, mas “Fraternidade
e Segurança Pública”. O “shalom” é tudo o que o
Pai quer para o seu
povo. Só existe quando reina o projeto de vida
de Deus. Implica a
satisfação de todas as necessidades básicas da
pessoa humana, da
libertação da humanidade do pecado e das suas
consequências. Como
dizia o saudoso Papa Paulo VI, “Justiça é o novo
nome da paz!”. O
“shalom” dos discípulos não pode ser perturbado
pelo fato da partida
de Jesus, pois é através da volta do Filho para
o Pai que o Shalom vai
se instalar.
O “shalom”, a verdadeira paz, é um dom de Deus -
mas também um desafio
para nós, os seus discípulos/as. Pede a
colaboração humana! Diante de
tantas barbaridades hoje, de tanta violência no
campo, da exploração
do latifúndio, do tráfico de drogas e das
pessoas, da impunidade, qual
deve ser a atitude do cristão? Se nós
acreditamos no shalom, nunca
podemos compactuar com sistemas repressivos ou
elitistas que tiram da
maioria (ou mesmo de uma minoria) os direitos
básicos que pertencem a
todos os filhos de Deus. Às vezes, este shalom
convive ao lado do
sofrimento e perseguição por causa do Reino;
mas, quem experimenta na
intimidade a presença da Trindade, também
experimenta a verdade da
frase de Jesus, “não fiquem perturbados, nem
tenham medo” (Jo 14, 27),
pois disse ele, “eu venci o mundo” (Jo 16, 33).
Frequentemente, uma
leitura fundamentalista do Evangelho, fortemente
influenciada por
ideologias da direita, insistia que Jesus veio
trazer a “paz”,
entendido como “ordem e progresso” na visão
positivista das elites
dominantes. Mas, o próprio texto do Evangelho
indica que esse tipo de
paz estava longe da mente de Jesus. Ele mesmo
diz com todas as letras
em Mt 10, 34: “Não pensem que eu vim trazer paz
à terra; eu não vim
trazer a paz, e sim a espada”.
Obviamente, Jesus não diz que veio trazer a
violência, pelo contrário,
veio desmascarar uma paz imposta pela força, com
base ideológica numa
falsa imagem de Deus, e que essa ação profética
d’Ele revelaria as
divisões já existentes na sociedade, nas
religiões, no coração das
pessoas. Pois, a sua prática e pregação exigiram
uma tomada de posição
diante da violência, ostensiva ou ocultada. A
não violência não é
sinônima com não-ação. Pelo contrário, levou
Jesus a lançar-se numa
vida dedicada aos valores do Reino, entre os
quais o Shalom tinha
lugar premente; e por isso, Ele foi morto pelos
interesses ameaçados
por esta pregação do verdadeiro shalom - uma
aliança de poderes
religiosos, políticos, judiciais e econômicos.
Por isso devemos sempre
“fazer a memória de Jesus” - da sua pessoa e do
seu projeto, para que
tenhamos critérios certos para verificar a
presença - ou ausência - do
“shalom” na nossa sociedade, e nos
comprometermos com a criação do
mundo mais justo que Deus quer.
O Reino de Deus não é algo escrito numa tábua
rasa. Já existe a força
contrária, a do anti-Reino. Assim também, o
shalom não nasce num vácuo
- cria-se em oposição à realidade dura da
violência, mesmo quando
disfarçada como paz. Por isso será sempre
conflituoso - pois
necessariamente provocará a reação dos que
oprimem e violentam. A
dedicação a ele exigirá uma mística profunda!
Uma vida dedicada à
construção do Shalom tem como fundamento uma
profunda experiência de
Deus. A luta pela paz, pelos oprimidos, por um
mundo de igualdade e
solidariedade para nós cristãos não pode nascer
de uma simples análise
de conjuntura, nem de uma indignação ética, por
tão necessárias que
esses elementos possam ser. A inspiração última
da nossa luta pelo
shalom tem que ser enraizada na nossa fé - por
ser coerente com o Deus
em que nós acreditamos, o Deus que vê a miséria
do seu povo, vítima da
violência, que ouve o seu clamor em favor da
verdadeira paz, que
conhece os seus sofrimentos, e que desce para
libertá-lo de todas as
formas da violência que atentam contra a vida (Êx
3, 7-10). É
coerência com o seguimento de Jesus, o Verbo
Divino que se fez carne e
armou sua tenda no meio de nós, (Jo 1, 1.14)
vindo para que todos
tenham a vida e a tenham plenamente (Jo 10, 10).
Por isso, devemos
ouvir de novo a voz profética de Jesus que
conclama a todos nós à
conversão: “Convertam-se e acreditem na Boa
Notícia” (Mc 1, 14).
As raízes da violência, do anti-Reino, estão
dentro de todos nós,
como indivíduos e comunidade. Quando
compactuamos com qualquer
discriminação, quando defendemos a violência
contra qualquer pessoa ou
grupo, quando aplaudimos os maus tratos contra
quem quer que seja,
quando interpretamos a vida a partir dos
opressores, quando nos
entregamos à inveja e ao ciúme, ao ódio e raiva,
ao racismo, machismo,
classismo, ou a qualquer outro "ismo" que nos
divide - estamos nos
opondo ao shalom de Deus. Quando colocamos a
propriedade particular
como um valor em cima da vida humana, quando
defendemos a pena da
morte, quando apoiamos politicamente estruturas
que acumulam bens nas
mãos de poucos, quando aceitamos a ideologia do
neoliberalismo, com o
seu Deus do lucro, o seu evangelho de
competitividade que faz do irmão
e irmã os meus rivais, estamos contribuindo para
que o shalom não
aconteça. A batalha - e é batalha - contra a
violência em favor da paz
se travará em muitas frentes - dentro de cada um
de nós, nas
instâncias de poder político, religioso,
eclesial, social e cultural.
Os cristãos de todas as igrejas terão uma
responsabilidade muito
grande de ser tornarem arautos do shalom,
protagonistas de uma nova
ordem social, seguindo as pegadas do Mestre que
desmascarava a
violência sofrida pelo seu povo - muitas vezes
em nome de Deus - e
trouxe a proposta de um mundo diferente, baseado
nos valores do Reino.
Jesus soprou sobre os discípulos, como Deus fez
(é o mesmo
termo) sobre Adão quando infundiu nele o
espírito de vida; Jesus os
recria com o Espírito Santo.
Normalmente, imaginamos o Espírito Santo
descendo sobre os discípulos
em Pentecostes, como Lucas descreve em Atos, mas
aquilo era a descida
oficial e pública do Espírito para dirigir a
missão da Igreja no
mundo. Para João, o dom do Espírito, que da sua
natureza é invisível,
flui da glorificação de Jesus, da sua volta ao
Pai. O dom do Espírito
neste texto tem a ver com o perdão dos pecados.
Mais uma vez, num domingo, Jesus aparece aos
discípulos (notem a
ênfase sobre o Domingo - duas vezes). Esta vez,
Tomé está presente.
Ele representa os discípulos da comunidade
joanina do fim do século,
que estavam vacilando na sua fé na Ressuscitado,
diante dos
sofrimentos e tribulações da vida. Assim nos
representa, quando nós
vacilamos e duvidamos. Jesus nos fortalece com
as palavras “Felizes os
que acreditaram sem ter visto!”. Essa muitas
vezes será a realidade da
nossa fé - acreditar contra todas as aparências
que o bem é mais forte
do que o mal, a vida do que a morte, o Shalom do
que a prepotência!
Somente uma fé profunda e uma experiência da
presença do Ressuscitado
vai nos dar essa firmeza.
Tomé confessa Jesus nas palavras que o Salmista
usa para
Javé (Sl 35, 23). No primeiro capítulo do
Evangelho de João, os
discípulos deram a Jesus uma série de títulos
que indicaram um
conhecimento crescente de quem Ele era; aqui
Tomé lhe dá o título
final e definitivo - Jesus é Senhor e Deus!
Nessa proclamação triunfante da divindade de
Jesus, o
evangelho terminava (o Capítulo 21 é um epílogo,
adicionado mais
tarde). No início, João nos informou que “o
Verbo era Deus”. Agora ele
repete essa afirmação e abençoa todos os que O
aceitam baseados na fé!
A meta do Evangelho foi alcançada - mostrar a
divindade de Jesus, para
que acreditando, todos pudessem ter a vida
n’Ele.
TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA (26 de abril de
2009)
Lc 24, 35-48
“E vocês são testemunhas disso.”
O evangelho de hoje é a segunda parte do
capítulo 24 de Lucas, que
relata primeiro a história das mulheres diante
do túmulo de Jesus, e
agora o incidente do encontro de Jesus
Ressuscitado com os dois
discípulos na estrada de Emaús. Devemos recordar
que Lucas estava
escrevendo a sua obra em vista dos problemas da
sua comunidade pelo
ano 85 d.C. Já não estamos mais com a primeira
geração de discípulos -
já se passou mais de meio século desde os
eventos pascais. A
comunidade já está vacilando na sua fé - as
perseguições estão no
horizonte, ou até acontecendo; o primeiro
entusiasmo diminuiu, os
membros estão cansados da caminhada e perdendo
de vista a mensagem
vitoriosa da Páscoa. Parece mais forte a morte
do que a vida, a
opressão do que a libertação, o pecado do que a
graça.
Neste cenário, Lucas escreve este capítulo. Traz
uma
mensagem de ânimo e coragem aos desanimados e
vacilantes da sua época
- e da nossa! Para as mulheres, os dois anjos
perguntam “por que estão
procurando entre os mortos aquele que está
vivo?” E afirmam: “Ele não
está aqui! Ressuscitou!” Mensagem atual para os
nossos tempos - diante
da péssima situação da maioria do nosso povo que
enfrenta a dura luta
pela sobrevivência, com desemprego, baixo
salário, falta de terra e
moradia, uma herança de décadas de descaso dos
governantes com a saúde
pública e a educação, é muito fácil perder
esperança e coragem. Mas,
Jesus venceu o mal, não foi derrotado pela
morte, e está no meio de
nós!
Os dois discípulos no caminho de Emaús são
imagem viva da comunidade
lucana - e de muitas hoje! Já sabem do túmulo
vazio, mas estão
desanimados, desiludidos, sem forças - pois
ainda não fizeram a
experiência da presença de Jesus Ressuscitado.
Pois, a nossa fé não se
baseia no túmulo vazio, mas pelo contrário, a
nossa experiência do
Ressuscitado explica porque ele ficou vazio. Os
dois só fazem esta
experiência quando partilham o pão! A Escritura
fez com que os seus
corações “ardessem pelo caminho” (v. 32), mas
não lhes abriu os olhos
- para isso era necessário formar uma comunidade
celebrativa de fé e
partilha: “contaram... como tinham reconhecido
Jesus quando ele partiu
o pão” (v. 35).
Finalmente, o grupo dos discípulos reunidos em
Jerusalém é símbolo das
comunidades confusas e vacilantes. Tinham
dificuldade em acreditar -
pois a mensagem da Ressurreição é realmente
espantosa! Mas, uma vez
feita essa experiência, eles se transformam e se
tornam testemunhas
vivas do que sentiram, experimentaram e
vivenciaram: “E vocês são
testemunhas disso” (v. 48). Um grupo de
derrotados, desesperançados e
desunidos (vv. 20-21) se transformam num grupo
de missionários
corajosos e convictos, assumindo a tarefa de
anunciar “no seu nome a
conversão e o perdão dos pecados a todas as
nações” (v. 47).
Hoje em dia, quando muitos cristãos se
desanimam, ou restringem a sua
fé à esfera particular, sem que tenha qualquer
influência sobre a sua
vivência social, a mensagem de Lucas nos convida
a redescobrirmos a
realidade da presença do Ressuscitado entre nós.
Mas, essa experiência
não serve somente para o nosso consolo pessoal -
somos comandados a
imitar os dois de Emaús, que, feita a
experiência do Ressuscitado,
“levantaram na mesma hora e voltaram para
Jerusalém” (v. 33). Pois, a
nossa experiência religiosa não é algo intimista
e individualista, mas
algo que nos deve propulsionar para a missão,
para a construção de um
mundo conforme a vontade de Deus, um mundo de
justiça, paz e
integridade da criação, sem excluídos e
marginalizados!
UMA REFLEXÃO SOBRE A HISTÓRIA DOS DISCÍPULOS
DE EMAÚS
Talvez, um dos relatos mais conhecidos de Lucas
seja a
história dos dois discípulos na estrada de Emaús.
Aqui temos o retrato
das suas comunidades - vacilando na fé,
descrentes, desanimadas, sem
sentir a presença do Ressuscitado entre elas.
Lucas procura reanimar o
seu pessoal, mostrando que eles não estão
abandonados - muito pelo
contrário, estão caminhando junto com a presença
do Senhor que venceu
a morte.
Essa história também nos pode ajudar bastante
hoje, pois
nos indica como devemos usar a Bíblia para
animar a nossa caminhada.
Jesus é o mestre da Bíblia; e aqui Ele ensina
como aproveitar a
Escritura para iluminar os problemas práticos da
nossa caminhada, e
nos dar coragem na nossa missão de
evangelizadores.
O que temos aqui é realmente um pequeno drama em
cinco atos - um drama
que nos mostra a pedagogia de Jesus. Vejamos
mais de perto:
Primeiro ato: vv 13 -19a: “Introdução”
O relato começa com as palavras “nesse mesmo
dia”. Devemos
já fazer uma parada e nos perguntar “que dia”?
Para nós seria o dia da
Ressurreição, mas para os dois discípulos era
simplesmente o terceiro
dia da morte de Jesus! Dia de desânimo, de
tristeza. “Os dois iam para
um povoado chamado Emaús, distante onze
quilômetros de Jerusalém”.
Aqui é bom lembrar que o bom judeu não podia
caminhar mais
do que um quilômetro no dia de sábado. Portanto,
era impossível que
eles viajassem no dia anterior. Domingo é a sua
primeira oportunidade
de sair de Jerusalém, e aproveitaram bem - já
estão voltando para sua
casa. A cena começa com a desintegração da
comunidade cristã. Tudo
acabou, a comunidade se dispersa, não há nem
alegria nem esperança.
Quem eram eles? Sabemos do relato que um se
chamava
Cléofas. E o outro? O Evangelho de João nos
conta que a irmã de Maria,
mãe do Senhor, chamada Maria de Cléofas, estava
junto à cruz (Jo 19,
25). Não seria demais acreditar que os dois
discípulos fossem um
casal, Cléofas e a sua esposa, voltando depois
da peregrinação pascal
à Jerusalém. Nunca saberemos com certeza, mas é
uma hipótese agradável
e possível.
De repente, no caminho surge Jesus, sem que seja
reconhecido. Com isso, Lucas quer dizer que o
Ressuscitado não é um
defunto que voltou a viver - mas, Ele tem uma
nova maneira de ser, um
corpo glorificado. É importante notar como Jesus
se comporta, através
dos verbos que Lucas usa. Ele “aproximou-se”,
“caminhou com eles” e
“perguntou”. Ele não veio “dando de dedo”, nem
dando explicações
bíblicas. Ele criou um ambiente de fraternidade
onde seria possível
explicar tanto a vida como a Bíblia! Quantas
vezes isso falta em
nossos grupos, nossas comunidades - não nos
aproximamos uns aos
outros, mantemos distância! Não caminhamos
juntos, queremos dar
soluções sem conhecer a realidade dos nossos
irmãos e irmãs! Por isso
mesmo, muitas vezes não tem efeito as nossas
reuniões, os nossos
encontros bíblicos.
O “ato” termina com a pergunta d’Ele: “O que é
que vocês
andam discutindo pelo caminho” (v. 17), ou seja,
Ele dá uma
oportunidade para que eles exponham a sua
realidade, sem julgamento,
sem moralismo. Ele parte da realidade dos dois.
Segundo Ato: vv 19b -24: “Os discípulos falam”
Diante da oportunidade de explicitar a sua
realidade,
Cléofas não titubeia. Ele expõe com clareza a
sua situação. Diante da
morte de Jesus ele frisa uma coisa importante:
“nós esperávamos que
Ele fosse o libertador de Israel” (v. 21). Eles
“esperavam”, portanto
não esperam mais nada. Aqui ressoam traços de
decepção, desilusão,
desânimo, até de uma certa revolta contra Jesus,
pois todas as suas
esperanças tinham sido desfeitas. Os seus
sentimentos vão muito além
de uma simples tristeza!
É importante notar também que Lucas explicita
bem quem foi
quem matou Jesus - não foi o povo, foram grupos
de interesse bem
definidos: “Nossos chefes dos sacerdotes e
nossos chefes o entregaram
para ser condenado à morte, e o crucificaram”
(v. 20)
Para não reduzir a morte de Jesus a uma
fatalidade
qualquer, ou a algo desejado pelo Pai, é bom
examinar mais
profundamente esta afirmação do Cléofas: Jesus
foi morto, assassinado
judicialmente pelos “chefes dos sacerdotes” - um
grupo de sacerdotes
saduceus, que dominavam o comércio do Templo,
lucrando muito com a
exploração do povo através da religião, e que
viu a sua hegemonia
ameaçada pela pregação e pelo profetismo de
Jesus.
Também foi morto pelos “chefes” ou
“magistrados”, ou seja, os membros
do Sinédrio, que governava os judeus nos
assuntos internos, onde a
maioria pertencia ao partido elitista dos
saduceus (não dos fariseus),
colaboradores com o poder Romano, lucrando
bastante com isso. Então
Jesus foi morto não por acaso, mas porque
ameaçava os privilégios da
elite dominante! A cruz era a consequência
lógica da vida de Jesus!
Outro elemento importante é o fato de que eles
sabiam do
túmulo vazio - dois dos apóstolos já tinham
verificado a história das
mulheres. Mas isso não dizia nada para eles!
Aqui se destaca que a
nossa fé não se baseia no túmulo vazio! É a
nossa fé na Ressurreição
que explica por que o túmulo estava vazio, e não
o túmulo que dá
consistência à nossa fé!
Terceiro Ato: VV 25-27: a Bíblia
Agora, e só agora, depois de ter criado o
ambiente e
escutado a realidade, é que Jesus usa a
Escritura. Ele frisa que eles
“custam para entender e demoram para acreditar
em tudo o que os
profetas falaram” (v. 25). Notemos bem - não
custaram para “saber”,
mas para “entender e acreditar”. Pois eram
judeus piedosos, que, mesmo
sendo analfabetos, conheciam de cor os salmos e
as profecias. O seu
problema era que embora conhecessem o livro da
Bíblia, e também o
livro da vida, eles não conseguiam ligar as duas
coisas. Então Jesus
“explica” as Escrituras - isto é, Ele não dá uma
aula de exegese, mas
faz a ligação entre a vida deles e a Bíblia,
iluminando a sua
realidade com a Palavra de Deus.
Quarto Ato: vv 28-32: a partilha
Chegando em Emaús, os discípulos convidam Jesus
para
entrar a e jantar com eles. Se realmente se
trata de um casal, então
seria entrar na sua casa, no aconchego do seu
lar, e não numa
hospedaria, como normalmente a gente supõe. Aqui
temos o ponto central
da história - pois até agora a explicação
bíblica, por tão bonita que
pudesse ter sido, não mudou a vida deles. Mas
agora sim. Jesus se põe
à mesa e: “tomou o pão e abençoou, depois o
partiu e deu a eles” (v.
30). De propósito, Lucas usa as palavras que
recordam a Última Ceia. É
a experiência da partilha, da comunidade! Agora
o milagre acontece:
“Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles
reconheceram Jesus”
(v. 31).
Neste mesmo momento, Jesus desaparece da frente
deles! Por
que? Porque, uma vez feita a experiência da
presença do Ressuscitado
no meio deles, eles não precisavam mais da
“muleta” da sua presença
física. Agora eles caem dentro de si e
reconhecem que “estava o nosso
coração ardendo quando Ele nos falava pelo
caminho, e nos explicava as
Escrituras?” ( v. 32)
A Bíblia é capaz de fazer “arder o coração”, mas
para
“abrir os olhos” é necessária também a
experiência de comunidade, de
celebração, de partilha!
Quinto Ato: vv 33-36: a missão
Se a história terminasse aqui, seria a história
de uma
experiência bonita feita por duas pessoas. Isso
não basta. Tal
experiência da presença do Senhor Ressuscitado
exige a formação de uma
comunidade fraterna de missão. Os mesmos dois
que de manha fugiam de
Jerusalém, lugar da morte, da perseguição, do
fracasso, de tardezinha
se põem no caminho de volta! O que mudou em
Jerusalém durante o dia?
Nada! Continua sendo o lugar de perigo, de
morte, de perseguição. Mas,
mudou a cabeça dos dois. Em lugar de uma fé
pré-pascal, eles agora têm
uma fé pós-pascal. Em lugar de desânimo, há
entusiasmo e coragem, pois
experimentaram a presença de Jesus Ressuscitado.
A história que
começou com a comunidade se desintegrando,
termina com a comunidade se
reintegrando, se unindo, na paz e na alegria,
pois puderam confirmar:
“Realmente o Senhor ressuscitou, e apareceu a
Simão” (v. 34).
E os dois de Emaús puderam contar: “O que tinha
acontecido no
caminho, e como tinham reconhecido Jesus quando
ele partiu o pão”
(v. 36).
Essa história pode servir para nós como
paradigma de um
círculo bíblico, grupo de reflexão, ou seja qual
for o nome que nós
damos às nossas pequenas comunidades. Jesus liga
quatro elementos
essenciais - a realidade, a Bíblia, a celebração
partilhada e a
comunidade. É na união entre estes elementos que
se revela a presença
do Ressuscitado e a vontade de Deus. É na
interação destes aspectos da
vida cristã que a Bíblia se torna “Lâmpada para
os meus pés, e luz
para o meu caminho” (Sl 119, 105). Procuremos
unir estes elementos nas
nossas reuniões e encontros, e descobriremos
como se concretiza o
desejo do Salmista: “Oxalá vocês escutem hoje o
que Ele diz” (Sl 95,
7).
Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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