Theresa Catharina de Góes Campos

  ENTRE OS MUROS DA ESCOLA - Reynaldo Domingos Ferreira

LIVRO DIDÁTICO TEM COMENTÁRIO DE REYNALDO FERREIRA sobre ENTRE OS MUROS DA ESCOLA

De: REYNALDO FERREIRA
Data: 19 de julho de 2010 18:48
Assunto: Comentário - Entre os Muros da Escola
Para: theresa.files


Amigos, o meu comentário do filme "Entre Os Muros Da Escola", de Laurent Cantet, vai ser divulgado nas escolas do País pelo livro didático "Redação, Palavra & Arte", de Marina Ferreira, da Editora Saraiva. O comentário foi originalmente publicado pelos websites - www.theresacatharinacampos.com, www.arteculturanews.com, www.noticiasculturais.com, www.politicaparapoliticos.com.br e www.cafenapolitica.com.br, tendo sido localizado, neste último, pela Editora, que lhe dará crédito na publicação. RDF

NOTA DA EDITORA:

A seguir, na íntegra, o excelente texto de REYNALDO FERREIRA, exatamente como está difundido em várias seções de meus sites, inclusive com o acréscimo dos comentários da Professora LUCI TIHO IKARI (USP), e algumas observações que também fiz sobre o filme " Entre os Muros da Escola ".

Theresa Catharina
São Paulo, 19 de julho de 2010


ENTRE OS MUROS DA ESCOLA - Reynaldo Domingos Ferreira

Sem ser discursivo, nem alarmista, o cineasta Laurent Cantet faz, em Entre Os Muros Da Escola, desconcertante radiografia do processo pedagógico como base angular do regime democrático numa escola pública de um bairro periférico de Paris, freqüentada por desmotivados adolescentes, vindos de diferentes segmentos étnico-sociais.

Combinando, de acordo com uma tendência atual, documentário e ficção, Cantet se inspira no livro homônimo – a tradução mais literal do título, para o português, deveria ser Entre As Paredes – de François Bégaudeau. Este, que colaborou com Robin Campillo na elaboração do roteiro, de estilo clássico, bem estruturado, é também o notável intérprete do protagonista, o afetado professor de Francês, François Marin.

A linguagem de Cantet é caracterizada por planos curtos, tomados por diversas câmeras sob sua orientação e manejadas por Pierre Milon bem rentes às personagens, que, em sua maioria, são alunos, pais e professores de um colégio ZEP (Zona de Educação Prioritária), segundo a terminologia educacional francesa. Todos eles foram submetidos a intenso preparo de improvisação, em workshops semanais, durante o ano letivo, de resultado muito compensador, como se comprova.

O que diferencia o filme de Cantet - Palma de Ouro do Festival
de Cannes e representante da França na escolha do Oscar - de vários outros que abordam o tema é a preciosa indução, a meu ver, de que a escola não é apenas o local de aprendizagem de matérias frias, como Matemática, História ou Geografia. É também onde se dá, como se conclui, o amadurecimento do indivíduo para se tornar cidadão, isto é, colaborador eficiente para que haja um regime democrático funcionando em sua plenitude.

E, para que isso ocorra, segundo se depreende também da evolução do emotivo argumento do filme, é preciso que se observem, no âmbito da escola, microcosmo de uma sociedade, preceitos de interação, de participação, de diálogo, de autoridade, de respeito mútuo e de disciplina.

Nesse sentido, o professor, que exerce atualmente profissão de risco, cristaliza as mazelas do regime republicano a que pertence, bem como as contradições de seu país - no caso, a França -, embora o filme evite se alongar em sentido pessimista a esse respeito. Os alunos, por sua vez, apesar da diversidade cultural de que procedem, são mais conscientes do que os vistos em outras películas e, portanto, mais atentos aos eventuais deslizes da autoridade, isto é, do mestre.

A ação começa no primeiro dia de um novo semestre, quando Marin, veterano no colégio do 20º Distrito de Paris, participa de mesa redonda com os demais professores, entre os quais alguns novatos, que se apresentam otimistas, bem incentivados, vindos de outras instituições e até mesmo de outras regiões da França.

Quando o professor de História procura Marin a fim de lhe sugerir que adote, para o 4º ano, leitura de algum autor do período clássico – Voltaire, por exemplo - a fim de coincidir com os seus ensinamentos relativos à mesma época, ele lhe nega colaboração por fazer errônea avaliação da capacidade dos alunos.

Isso se constatará, um pouco depois, no momento em que Marin saberá surpreso que uma de suas alunas, Esmeralda (Esmeralda Quertani), das mais desatentas, a quem ele chamara de “vagabunda”, lera, por iniciativa própria, A República, de Platão. Isso é bom!... – afirma Marin. E indaga: De que fala o livro? Esmeralda lhe responde: - Fala de tudo: das pessoas, do amor, da amizade, de religião!... Tudo. Enfim, não é um livro para uma vagabunda ler!...

Por outro lado, há de se observar que Marin não se furta de modo algum ao diálogo amplo e aberto em aula. Pelo contrário. No seu apreciável entendimento, o bom uso da linguagem é instrumento fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade.

Sob esse aspecto, talvez Marin seja até complacente demais, pois, idealista, no intuito de motivar os alunos a se interessarem pelo aprendizado do idioma – estratégia que se mostra de certa eficácia, embora, coisa estranha, não incentive a utilização de dicionários em sala de aula pelos alunos -, ele, no confronto sempre tenso a que se entrega com os jovens, se perde na questão da imposição de autoridade.

E perda de autoridade para um professor é questão crucial, como já advertia Garcia Lorca num belo trabalho sobre a função teatral, pois logo um dos alunos, Souleymane (Franck Keita), problemático, que se indispõe constantemente com os colegas, se aproveita disso para lhe perguntar: - As pessoas dizem, professor, que você gosta de homem!...

Toda a classe silencia e fica à espera de uma resposta de Marin. É um momento de expectativa: – Ser chamado de homossexual não é um insulto – continua Souleymane no mesmo tom de voz -, mas eu gostaria de saber se isso é verdade!... O professor esboça um sorriso amarelo, nega e, versátil, até com certa ponta de arrogância, muda rápido de assunto.

Um dos momentos mais interessantes do filme, entretanto, é quando Marin propõe aos jovens que façam auto-retratos, isto é, que escrevam sobre si mesmos, suas vidas, seus interesses mediatos e imediatos. Uma aluna, Khoumba (Rachel Régulier), amiga inseparável de Esmeralda, prontamente reage, afirmando que não tem grande coisa a dizer. E observa: - Pois, de fato, as nossas vidas não têm qualquer interesse para você!... Contrafeito, Marin é forçado a reconhecer que Khoumba,
de fato, está coberta de razão.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
www.theresacatharinacampos.com
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FICHA TÉCNICA
ENTRE OS MUROS DA ESCOLA
ENTRE LES MURS

França/2008
Duração – 128 minutos
Direção – Laurent Cantet
Roteiro – Robin Campillo e François Bégaudeau, autor do livro Entre
Les Murs em que se baseia o filme.
Produção – Caroline Benjo e Carole Scotta
Fotografia – Pierre Milon
Edição – Robin Campillo
Elenco – François Bégaudeau (Professor Marin), Franck Keita (Souleymane), Esmeralda Quertani (Esmeralda), Rachel Régulier (Khoumba).


From: REYNALDO FERREIRA
Date: 2009/3/25
Subject: RE:comentário para DEPOIS de: prioridade máxima ENTRE OS MUROS DA ESCOLA
To: Theresa Catharina Campos


Obrigado, Theresa Catharina, pela mensagem. É bom saber que o filme está sendo debatido em nosso meio. O jornal "O Estado de S. Paulo" fez matéria de página inteira informando que a película é a mais comentada na capital paulista.O cinema francês pode não ser um dos mais comerciais, mas, como diz a atriz Juliette Binoche, é, sem dúvida, um dos mais emotivos. O filme de Cantet demonstra isso. E para um país, como o nosso, que pouca importância dá aos assuntos educacionais, essa reação em torno de uma película que aborda o tema é muito importante. Concordo com a Luci sobre a omissão dos pais. Abraços, Reynaldo


From: Luci Tiho Ikari
Date: 2009/3/24
Subject: Re: prioridade máxima) ENTRE OS MUROS DA ESCOLA
To: Theresa Catharina de Goes Campos


Olá ,Theresa Catharina:
Achei interessantes o filme e os comentários também. É bom conhecer as
várias visões de mundo das pessoas. As escolas em que andei
trabalhando nesses últimos 3 anos eram repletas de alunos revoltados com a vida que levavam, mas queriam mostrar seus celulares, walkman, na maioria das vezes, de última geração,; desprezavam uniformes recebidos e alguns vendiam lata de leite ninho recebida como ajuda. A meu ver, isso ocorria porque os pais eram ausentes, não passavam valores considerados corretos e não davam o devido valor aos estudos e à escola. Tentei trabalhar questões como "consumismo" nos países capitalistas, hegemonia de países mais fortes economicamente e investimentos em ciência, tecnologia e humanismo. Mas sempre, os bons alunos eram aqueles mesmos que tinham interesse pelos estudos.
Infelizmente, alguns aprendem, quando perdem algumas regalias. Luci


From: Theresa Catharina de Goes Campos
Date: 2009/3/23
Subject: Sobre o seu excelente comentário "Entre os muros da escola"
To: REYNALDO FERREIRA


Estimado Reynaldo:

Sobre o seu excelente comentário "Entre os muros da escola", tenho uma discordância...o professor não chamou aquelas duas garotas de "vagabundas". Ele disse que, pelo comportamento delas,na reunião do Conselho, " pareciam ser vagabundas". Lamentavelmente, as duas jovens decidiram aproveitar essas palavras do mestre para lhe causar mais problemas: mentiram, caluniaram, arregimentaram seus colegas para novas rebeldias, exercendo sua "liderança negativa" e ainda causando mais atraso no conteúdo pedagógico. Na minha avaliação, um horror de
situação, um verdadeiro absurdo.

Tive muita dificuldade em ver o filme, senti uma profunda tristeza ao
assistir àquelas cenas deprimentes, numa história real que pode machucar bastante quem acredita na importância da educação.

Você tem um coração bondoso e generoso, compreensivo.

Eu fiquei totalmente a favor dos professores. Com exceção daquele
aluno chinês, todos os outros estudantes me pareceram adolescentes irresponsáveis e insuportáveis, que nem deveriam permanecer na sala de aula, nem mesmo na escola. Jovens mimados, desinteressados, dedicados ao que seria uma
"vocação para a ignorância".
Agredindo os professores com palavras e atitudes contínuas na sala de aula. Deveriam ser suspensos da escola e enviados para um tratamento psicológico obrigatório. Os trabalhadores, cidadãos franceses contribuintes, que financiam a vida e todos os serviços sociais que beneficiam esses imigrantes e seus fihos, com certeza devem ter ficado indignados.
Afinal, são esses "alunos" descorteses que, depois, promovem arruaças,
queimam carros, jogam pedras nos policiais, etc. O que esses jovens realmente querem? Pretendem "viver" segundo a sua vontade burra (preguiçosamente, bebendo, usando e traficando drogas, roubando e matando, agredindo pessoas de bem), mas sempre financiados pelos trabalhadores franceses que eles não respeitam!

Talvez se fossem viver nos países de onde vieram os seus familiares, sem receber qualquer ajuda financeira, e precisassem diariamente procurar água e comida, lutando pela sobrevivência a cada momento, os relutantes alunos aprendessem a valorizar uma sala de aula.

Aliás, o professor e autor do livro, após seis anos na profissão de
risco, não mais ensinou... (Até me parece que ele demorou demais a desistir...).

Autoridade e disciplina são fundamentais para o processo pedagógico.
Concordo plenamente com os mestres que pretendem exercer a sua missão de educadores: o simples conteúdo das disciplinas poderia até ser aprendido em manuais e nos livros de uma biblioteca, sem a presença do professor.
Entretanto, educar é ensinar para a vida, formar o ser humano, o
cidadão ético, justo e solidário.

Abraços cordiais de
Theresa Catharina

 

Jornalismo com ética e solidariedade.