Theresa Catharina de Góes Campos

  Publicado no Diário de Pernambuco, 30/03/2009, P.A-9:

PÉ DE LÓTUS E SALTO ALTO
Tereza Halliday – Artesã de Textos

No livro LAOWAI – Histórias de uma repórter brasileira na China,
Sônia Bridi conta o caso dos pés deformados em nome de um fetiche
sexual milenar.

Ao completar quatro anos de idade, as meninas chinesas de
famílias bem situadas, tinham seus pés enfaixados com tecido de
algodão, forçando-lhes os dedos para debaixo da sola, até que as
juntas se desfaziam e os ossos atrofiavam. Uma entrevistada contou
que, aos cinco anos, implorava à mãe que parasse com aquela dor. E
recebia a resposta: “É para o seu bem”.

Adultas, seus pés disformes, quase sem apoio no chão, só cabiam
em sapatinhos de boneca. Esse formato “pé de lótus”, carregado de
erotismo, tornava-as bons partidos para filhos de proprietários de
terra e altos funcionários. Na visita de acerto do casamento, eles
mostravam mais interesse em checar os pés atrofiados do que ver o
rosto da noiva.

As meninas pobres sentiam-se humilhadas e rebaixadas por não
serem submetidas a essa tortura. Precisavam de pés firmes e de tamanho
normal para trabalhar na lavoura. Quando a Revolução Comunista impôs
uma nova ordem, as então jovens senhoras de pés de lótus foram postas
a labutar no campo com sapatos normais. Proibido continuar a usar as
faixas ou os sapatinhos de boneca - eram símbolos abomináveis da
burguesia. Então, elas cumpriam suas jornadas de trabalho, de pé,
chorando de dor, com sapatos inadequados ao aleijão de seus pés.

Sônia conclui seu relato com este comentário: “O que me intriga
é pensar como ainda hoje, submetemos nossos pés a saltos altos em nome de um fetiche sexual”.

E o fetiche está cobrando seu preço às mulheres mais velhas, que
usaram saltos altos desde a adolescência para sentir-se sedutoras ou
parecer mais altas. A vergonha de ser baixinha estragou muitas vidas
e pés. O uso prolongado dos saltos altos resulta em dores na coluna,
deslocamentos de vértebras, deformações, joanetes, artroses, dores ao
caminhar, que afligem as antigas usuárias, de qualquer estatura.

Hoje em dia, as patologias acontecem cada vez mais cedo.
Meninas a partir dos três anos já ganham saltinhos e plataformas que
lhes desviam o prumo da coluna e forçam ossos ainda não consolidados.
Inconscientes dos altos riscos dessa “precocidade”, as mães cometem
esse horror por amor à feminilidade das filhas e pressão da moda
infantil, descabidamente erotizada.

Há sandálias e sapatos baixos elegantes, mas o marketing dos
calçados femininos continua a faturar saltos altos. Dizem até que
designers desses modelos só podem ser homens que odeiam mulheres, pois se deliciam em submetê-las a um hábito desconfortável e insalubre.
Enquanto elas acreditarem que ficam mais belas e desejáveis trepadas
em cima de dois pirulitos ou de altas plataformas que parecem pés de
robô, as conseqüências continuarão a aparecer, caras e dolorosas, nos
consultórios médicos. Como dizia o impagável Barão de Itararé, “as
conseqüências vêm depois”.
 

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