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KATYN
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Resenha do filme “Katyn” de Andrzej Wajda
Antes de comentar o filme “Katyn”, dirigido por
Andrzej Wajda –
considerado um dos principais mestres do cinema
mundial da 2ª. metade
do século XX -, e que concorre ao Oscar de
melhor filme estrangeiro de
2008, penso que uma consideração que antecede ao
filme deve ser feita.
Como é que Wajda conseguiu realizar um filme
sobre o massacre de
Katyn, de forma isenta, sóbria, despida de
qualquer sentimento
subjetivo de raiva, ódio, sem ser melodramático,
tendo o seu pai sido
assassinado, juntamente com os outros quinze mil
oficiais poloneses,
pelos militares soviéticos?
A resposta a esta dúvida intrigante é
aparentemente simples: o filme
conseguiu mostrar de forma clara, objetiva o que
realmente foi o
trágico massacre de Katyn, precisamente porque
foi dirigido por
Andrzej Wajda.
Sim, porque Wajda, um dos fundadores da escola
de cinema de Lodz, pode
ser considerado o mais “polonês” e político dos
cineastas poloneses,
pois ele denunciou como ninguém, todo o
sofrimento do povo polonês
causado pelo nazismo, e, em particular, do
comunismo imposto pela
ex-União Soviética. E para alcançar o seu
objetivo, Andrzej Wajda teve
que driblar a censura oficial do Estado,
utilizando-se de sutilezas,
metáforas e imagens, como vimos nos filmes “Sem
anestesia”, “Homem de
mármore” e “Homem de ferro”, entre outros.
E agora, com a Polônia livre, Wajda realizou o
seu filme mais ousado e
talvez mais importante, tanto para a Polônia,
quanto para o mundo.
Se fizéssemos uma pesquisa e perguntássemos às
pessoas de classe
média, com nível superior, quantas delas
conhecem o que foi e quem é o
autor do massacre de Katyn, certamente um
percentual bem inferior a
50% (cinqüenta por cento) saberia responder essa
indagação de forma
correta.
E, se por um lado, não foi fácil para o grande
cineasta fazer um filme
que tratou a morte de seu pai, por outro, esse
mesmo fato de Andrzej
Wajda ser uma vítima que perdeu seu pai no
massacre, dá ao filme uma
autenticidade incontestável: será que um diretor
de cinema conseguiria
retratar essa realidade no seu âmago, sem ter
vivenciado essa mesma
realidade?
Merece registro ainda o fato de que o filme
“Katyn” – assim como “O
Pianista”, do seu conterrâneo, o também grande
cineasta Roman
Polanski, pode ser considerado um hino contra o
maniqueísmo, pois uma
das cenas mais tocantes do filme é justamente a
ajuda que um oficial
soviético prestou à viúva – e sua filha – de um
dos oficiais mortos,
salvando corajosamente as suas vidas.
De outro lado, temos o oficial polonês que traiu
seus amigos, optando
por aderir aos inimigos, e que no final acaba se
suicidando.
Percebe-se no filme “Katyn”, mais do que em
qualquer outro filme de
Andrzej Wajda, a utilização, inúmeras vezes, de
imagens, símbolos,
palavras e cantos do catolicismo.
Falar de toda simbologia religiosa existente no
filme é impossível,
contudo algumas delas podem ser mencionadas.
Logo no início do filme, a câmera nos leva para
um acampamento onde os
feridos são tratados pelos médicos e recebem o
sacramento da unção dos
enfermos por um sacerdote.
Numa imagem que dura uma fração de segundo,
aparece uma cruz, na qual somente vemos a mão de
Cristo. Logo a seguir, aparece um padre
administrando o sacramento da unção a um soldado
morto, coberto por sua capa. Quando a capa do
soldado morto é levantada, vemos que “o soldado
morto” é Cristo! E como não se lembrar da imagem
tocante do personagem Andrzej, que apertava em
seus braços o terço no exato momento em que era
fuzilado, enquanto proclamava as palavras do
“Pai-Nosso”: - “Perdoai as nossas ofensas, assim
como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”?
Comovente também foi a cena do general, que se
revela um verdadeiro líder, cantando, junto com
seus comandados, na cela de prisão a belíssima
música natalina “Bóg sie rodzi” (“Deus nasceu”)
na última noite de Natal dos oficiais poloneses
em Katyn, assim como a frase que ele proclama
aos seus companheiros: - “Sem vocês não haverá
uma
Polônia livre”.
Aliás, a fotografia de Pawel Edelman – o mesmo
diretor de fotografia
de “O Pianista” -, se revela magistral em todo o
filme, e também nesta
cena, pois a câmera mostra do alto o general
discursando e cantando a
música para os milhares de oficiais reunidos.
Por outro lado, a música do compositor polonês
erudito Krzysztof
Penderecki – reconhecidamente um dois maiores da
atualidade – retrata
muito bem o clima de terror, tensão e tristeza
que perpassa todo o
filme.
Apesar do massacre de Katyn ser o tema do filme,
cuja autoria os
comunistas russos atribuíram a Hitler, e este,
por seu turno, a
Stalin, numa espécie de “vai e vem” da
propaganda totalitária estatal
- que foi muito bem retratada no filme -, o fato
é que o massacre
cometido pelos soldados russos a mando de Stalin
– esta é a verdade
histórica – funciona no filme como um “pano de
fundo”.
É evidente que o filme “Katyn” tratou do
terrível massacre, mostrando
fotos históricas em preto e branco dos ossos dos
oficiais fuzilados, e
na cena final a execução dos soldados poloneses,
banhando de sangue as
telas.
Mas não parece que foi esse o objetivo principal
de Wajda. Tudo leva a
crer que a sua intenção foi mostrar que o
totalitarismo polonês
comunista usou de todos os meios, seja na época
do massacre, seja nos
anos e décadas posteriores à guerra, para
esconder e abafar a verdade
da autoria do crime bárbaro ordenado por Stalin,
e perseguir qualquer
pessoa que constituísse uma ameaça em divulgar
essa verdade histórica.
Foi por esse motivo que as viúvas dos oficiais
mortos em Katyn foram
as primeiras vítimas perseguidas, presas e
provavelmente mortas pelos
soldados comunistas poloneses (NKVD): elas
precisavam ser eliminadas,
numa tentativa insana de que elas divulgassem um
fato – conhecido por
todos – de que foram os soviéticos e não os
nazistas os autores do
massacre.
E ai dos poloneses que ousassem falar ou
escrever que seus parentes
foram fuzilados pelos soviéticos em Katyn!
No filme temos um jovem que não foi aceito no
seu novo emprego, porque
ele escreveu no seu curriculum que seu tio foi
morto em Katyn pelos
soviéticos; a irmã do capitão Andrzej,
protagonista do filme, que
tinha mandado escrever no túmulo de seu irmão
que ele tinha morrido em
Katyn na data do massacre, foi perseguida pelos
comunistas, e o
desfecho é inevitável: a parte do túmulo com tal
menção é destruída.
E para revelar ao público a máquina e
parafernália estatais destinadas
a vender uma “mentira” deslavada, Wajda revela
mais um traço de sua
genialidade.
Como enfrentar essa mentira? Através das
mulheres polonesas, viúvas
dos oficiais executados, que apesar da dor pela
perda trágica de seus
amados esposos, corajosamente enfrentam o
sistema que insiste em
divulgar uma mentira tão absurda.
Quando os alto-falantes fazem propaganda
mentirosa atribuindo a Hitler
a barbárie cometida por Stalin, lá está a mulher
do general tentando
impedir que se fale essa mentira.
Da mesma forma, essa mesma mulher dá uma lição
de moral no oficial que
traiu seus conterrâneos e sua pátria, para
“salvar” sua vida, e não é
que ele, num meio de um bar, tomado pelo remorso
e pela culpa, grita a
verdade do massacre para os demais oficiais
traidores da pátria, e
logo depois se suicida?!
Chama também a atenção o fato de que o filme foi
feito sob a ótica e
viés feminino, o que revela a originalidade de
Wajda, pois normalmente
quando se faz um filme sobre a 2ª Guerra
Mundial, os protagonistas são
sempre os oficiais, generais e soldados, e os
cineastas parecem se
esquecer do drama que atinge em cheio tantas
mulheres e crianças.
Wajda, contudo, ainda foi mais longe, porque ele
mostrou que as
mulheres polonesas – e não apenas os homens –
encarnam o espírito de
luta e de resistência do povo polonês.
“Katyn”: um filme que é uma espécie de síntese
de toda a extensa e
brilhante filmografia de Andrzej Wajda e que
mostra o espírito de luta
e de resistência do povo polonês diante dos
regimes totalitários.
Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 2008.
Rodrigo Lychowski |
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