Theresa Catharina de Góes Campos

  CHE, O ARGENTINO – PARTE I

As boas atuações de Benício del Toro e de Demián Bichir não
livram Che, o Argentino, de Steven Sodeberg, da insipidez narrativa em
que até mesmo a utilização do espaço dramático cinematográfico é, por
questão ideológica, absurdamente restringida para focalizar fatos
controversos sobre a participação da glamurosa figura do médico
Ernesto (Che) Guevara na chamada Revolução Cubana.

Pois, de fato, além de trabalhar com o roteiro, de Peter
Buchman, submetido antes ao crivo dos censores do Centro Che Guevara,
que o corrigiram várias vezes, Sodeberg teve de ajustar sua narrativa
ao que lhe foi imposto pela idéia de coletivismo – no significado de
socialismo estatal, defendido pelos totalitários em oposição à
organização coletivista representada pelo estado democrático – de
forma a não usar os elementos de linguagem tidos como “psicológicos”.

Assim, limitado na composição de planos – banidos como o foram o
close-up, (essencial para Bergman) ou a profundidade de campo (criado
por Orson Welles) – Sodeberg, que se diz isento sob o ponto de vista
político em relação ao assunto, claudica a todo o tempo ao tentar
impor convicção e dinamismo a um roteiro tendencioso e repleto de
dados e de fatos enganosos.

Pretendendo suprir essas deficiências, o cineasta, premiado com
o Oscar por Traffic, não teve outra opção senão a de dar caráter
pseudo-documental às imagens que expõe na tela em preto e branco ou a
cores, captadas pela chamada red camera (câmara vermelha), que, sob o
manejo de Peter Andrews, aproveitando a luz ambiente, principalmente à
noite, produz efeito plástico às vezes muito interessante.

O argumento é baseado no livro de memórias de Guevara Pasajes
de la Guerra Revolucionaria e numa entrevista concedida por ele à
jornalista e ex-atriz de teatro off-Broadway, Lysa Howard, suspeita,
por sinal, porque à época estava apaixonada por Fidel Castro, o que
explicaria talvez o fato de haver sido ela também a primeira a
entrevistar Nikita Krushchev. Apesar disso, entretanto, Sodeberg não
teve autorização para filmar em Cuba, onde não existe liberdade de
expressão, tendo as locações sido feitas na Espanha, no México e em
Porto Rico.

O filme se inicia em Havana, em 1964, quando Guevara (Benicio
del Toro), antes de viajar para Nova York a fim de falar na tribuna da
ONU , concede entrevista a Howard (Julia Ormond), que lhe indaga, de
forma suave, sobre sua participação no movimento revolucionário. E ele
– que, encarregado da prisão La Cabaña, mandara fuzilar, no paredón,
mais de quatrocentas pessoas sem julgamento prévio, embora isso o
filme não mostre – com voz adocicada, rememora a noite em que conheceu
Fidel Castro (Demián Bichir).

Isso aconteceu na Cidade do México, em 1955, durante um jantar,
na residência de Maria Antonia (Maria Isabel Diaz), participante do
Movimento 26 de Julho. Na oportunidade, Guevara perguntara a Castro se
tinha ele recursos e homens suficientes para empreender a luta armada
a fim de derrubar do poder o ditador Fulgencio Batista, ao que ele
respondera, sem constrangimento, que não tinha.

O roteiro é omisso, como é óbvio, no esclarecimento da maneira
pela qual Castro teria conseguido os recursos a fim de viajar para
Havana, em companhia de Guevara, a bordo do barco Granma, na data de
26 de novembro de 1956. Isso só ficará revelado, conforme se admite,
quando se tornarem do conhecimento público as correspondências do
escritor Ernest Hemingway, também ex-agente da CIA, infiltrado no meio
das esquerdas durante a guerra civil espanhola e que, depois, se mudou
para Cuba, tornando-se grande amigo de Castro.

Já em pleno campo de batalha, usando armas e munições,
adquiridas com os tais recursos para enfrentar o exército de Batista
com o objetivo de conquistar Sierra Maestra – havia quem afirmasse
que, atingido aquele alvo, se tomava conta de Cuba -, Guevara,
sofredor de asma, vai revelando aos poucos o seu ânimo belicoso, a sua
face de tirano, um tanto quanto distante da máscara romântica, lírica,
que ostentara no filme Diário de Motocicletas, de Walter Salles Jr.

É estranho que em certo trecho, o Che, falando aos
guerrilheiros, que aos poucos também o repudiavam – tanto assim que
Castro o tirara da vanguarda de luta para mandá-lo a um campo de
treinamento de voluntários, o que também não fica bem detalhado no
filme -, queira envolver Tolstoi na sua pregação marxista e belicosa
sobre o que ele denomina de “espírito de luta” de um exército.

Nada é mais impróprio, a meu ver, pois o autor de Guerra e Paz
criou uma personagem religiosa, o príncipe Andrei, que, traumatizado
com o morticínio, por ele presenciado no campo de batalha, prega a
dação de um beijo na face do inimigo. Ao contrário, portanto, de
Guevara que usa a tribuna da ONU, depois de ser chamado por várias
vezes, nas ruas de Nova York, de “assassino”, para afirmar aos altos
brados: - Fuzilamos e fuzilaremos pessoas porque assim nos impõe o
imperialismo americano!...

Na verdade, a película mostra apenas o fuzilamento determinado
por Guevara, moralista e orador bombástico, de um guerrilheiro que
cometera estupro contra a filha de um camponês, mas não faz referência
a de inúmeros outros “ companheiros” pegos em práticas homossexuais no
meio da floresta, como fica claro pela narrativa de Antes do
Anoitecer, de Julian Schnabel, Leão de Ouro de Veneza, no ano de 2000,
baseado nas memórias do escritor Reinaldo Arenas.

Da mesma forma, é enganosa a afirmativa de Guevara aos
guerrilheiros de que, tendo sido Cuba o primeiro país a se desvincular
dos compromissos com as demais nações do Hemisfério para se alinhar
aos soviéticos, manteria sua soberania – Cuba será soberana!... – ele
acrescenta, contrariando, por sinal, os seus “companheiros” que, em
maio de 1958, antes da tomada de Havana, quando termina o filme, já
alardeavam aos jornais do mundo inteiro que “Castro recebe ordens
diretas de Moscou”.

São as duas interpretações, de Benicio del Toro e de Demián
Bichir, de técnicas diferentes, que merecem a atenção do espectador,
pois até mesmo o comentário musical, de Alberto Iglesias não é dos
melhores. Del Toro assume a personagem na sua inteireza, exagerando,
porém, no seu aspecto doentio, sofredor de asma, a fim de atrair a
compaixão do grande público desavisado. E nesse mister, como se há de
convir, ele está muito bem, apesar de parecer um advogado de causa
perdida.

Bichir, ao contrário, ator de teatro experiente, de sucesso
tanto no México como nos EUA, tendo observado a linha laudatória do
roteiro, tratou de dosar a sua interpretação de Castro de certo
distanciamento crítico para figurá-lo como um falastrão como é na
realidade. E com isso ele atribuiu à personagem caráter cômico de
ditador à maneira do de Chaplin, que bem poderia viver a repetir a
máxima de Maquiavel: - Os homens são maus, oh Che, se a necessidade
não os torna bons!...E não há necessidade de ser bom. Como mau, você
conquistou a platéia toda, ávida de sangue e de morte. Agora, por
favor, vá morrer na Bolívia e não me importune mais!...

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
CHE, O ARGENTINO
CHE, EL ARGENTINO
Eua/França/Espanha/2008
Duração – 135 minutos
Direção – Steven Sodeberg
Roteiro – Peter Buchman baseado na livro de Ernesto (Che) Guevara
Pasajes de la Guerra Revolucionaria
Produção – Laura Bickford, Benicio del Toro
Fotografia – Peter Andrews
Música Original - Alberto Iglesias
Edição –Pablo Zumárraga
Elenco – Benicio del Toro (Che), Demián Bichir (Fidel Castro), Rodrigo
Santoro (Raul Castro), Maria Isabel Diaz (Maria Antonia), Jsu Garcia (Jorge Sotuz), Santiago Cabrera ( Camilo Cienfuegos), Elvira Minguez
(Célia Sanchez), Julia Ormond (Lysa Howard), Jorge Perugorria
(Joaquin) e outros.

NOTAS DA EDITORA

From: Theresa Catharina de Goes Campos
Date: 2009/4/27
Subject: Esplêndido, seu artigo sobre a primeira parte de Che (eu já assisti às 6 horas, na exibição da Mostra em SP, com apresentação pessoal de Rodrigo e Benício
To: REYNALDO FERREIRA


Estimado Reynaldo:

Seu esplêndido artigo é válido igualmente para as 6 horas do filme "CHE" na versão integral,à qual eu assisti, no final de 2008, durante a Mostra Internacional de Cinema, em SP, com apresentação pessoal (e atraso de mais de uma hora! em seu comparecimento, apesar de ambos nada falarem de importante!) de Rodrigo Santoro e Benício del Toro. Fui entrevistada na ocasião e filmada ...como eu falei que considerava importante eu ver "CHE", mas jamais sinto admiração por guerrilheiros, terroristas e mortes no paredón, nenhum segundo do que falei foi divulgado, em nenhum meio de comunicação...o que eu já esperava, porém não quis me recusar a falar, mesmo em público e cercada de admiradores entusiastas por Fidel, Che, etc. Aliás, até citei ser admiradora de Rondon e sua frase-lema de vida: Morrer, se preciso for. Matar, nunca!

(...)

Agradecendo a sua valiosíssima colaboração aos meus sites, livros e cd-roms, abraços carinhosos da amiga de sempre,
Theresa Catharina

 

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