Theresa Catharina de Góes Campos

 
From: REYNALDO FERREIRA
Date: 2009/5/8
Subject: Reforma da Lei Rouanet
To: Theresa Catharina Campos


Prezada Theresa Catharina,
Em anexo, envio-lhe a proposta que enviei ao Ministério da Cultura
para a reforma da Lei Rouanet, no que diz respeito a um Fundo Setorial
de Teatro, que se pretende criar com a reestruturação do Fundo
Nacional de Cultura. Forte abraço, Reynaldo

PROPOSTA DE REFORMULAÇÃO DA LEI ROUANET

SENHORES,

É imperioso, penso eu, que, ao se adotar qualquer sugestão para
a criação de um Fundo Setorial de Teatro a partir da reestruturação do
Fundo Nacional de Cultura, seja estabelecida, no texto da nova Lei
Rouanet, onde couber, prioridade para a dramaturgia nacional,
principalmente em se tratando de recursos provenientes de empresas
estatais. Só assim, a meu ver, será possível criar aquela vanguarda
para romper as estruturas e as pessoas que vêm trabalhando no teatro
brasileiro, a que fazia alusão, nos anos de 1980, Plínio Marcos, em
declarações prestadas ao jornal O Estado de S. Paulo.

A verdade, triste verdade, Senhores - a que se referia o autor
de “Navalha na Carne”, que, infelizmente, continua prevalecendo até
hoje -, é o nenhum respeito dos atores deste país pelos autores
nacionais. É preciso, com o incentivo do dinheiro público, mudar essa
mentalidade, que vem das escolas, porque o trabalho dos atores e dos
autores se completa. Uns não prescindem dos outros. Sem intermediários. E
a conjugação ator-autor é importantíssima, quando se quer realizar
algo de duradouro em termos de dramaturgia.

A esse propósito conviria lembrar, como exemplos, que, se não
houvesse a colaboração do ator americano Charles Laughton, o
dramaturgo alemão Berthold Brecht jamais teria concluído a sua peça
Galileu, Galilei. Se o ator francês Gérard Philipe não houvesse se
empenhado, como se empenhou, pela montagem do texto de Calígula, o
escritor, de origem argelina, Albert Camus, nunca o teria visto
apresentado. E da mesma forma, se não contasse com a ajuda dos atores
de “La Barraca”, Federico Garcia Lorca não teria deixado as belas
peças que deixou.

No Brasil, foi preciso que o diretor polonês Zbigniew Ziembinski
aqui aportasse, fugido das atrocidades da guerra em seu país, para
descobrir o dramaturgo Nelson Rodrigues, de quem montou, nos anos de
1940, Vestido de Noiva, que revolucionou a cena brasileira. E seu
empenho pelos autores nacionais continuou no Teatro Brasileiro de
Comédia, criado pelo empresário italiano Franco Zampari, no qual
dirigiu, entre outros textos, Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias e
Vereda da Salvação, de Jorge Andrade, também descoberto pelo TBC.

Ó exemplo de Ziembinski foi seguido depois por Paschoal Carlos
Magno que, no Teatro Duse, em sua residência, no bairro de Santa
Tereza, no Rio de Janeiro, promoveu o lançamento de vários outros
dramaturgos brasileiros. Como autora de teatro, por exemplo, Rachel de
Queiroz surgiu no Teatro Duse, que apresentou sua peça Lampião. O
Teatro de Arena, de São Paulo, por sua vez, lançou Augusto Boal,
Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Viana Filho e Roberto Freire. E
Maria Clara Machado, no Tablado, além de montar as suas magníficas
peças infantis, encenou um texto inédito, descoberto na Biblioteca
Nacional, de Joaquim Manoel de Macedo, O Macaco da Vizinha, editado
após a morte do autor.

A situação, hoje em dia, Senhores, para o autor de teatro no
Brasil é lastimável. Não há incentivo nem mesmo nas escolas para que
se faça leitura coletiva de textos nacionais. Se recursos de empresas
estatais - como Petrobrás, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa
Econômica Federal e outras -, que absurdamente são aplicados em
dispendiosas montagens de autores estrangeiros, fossem, ao contrário,
destinados, de forma prioritária, conforme estabeleceria a nova Lei
Rounet, às encenações de textos de escritores brasileiros, antigos e
modernos, poder-se-ia observar, logo, uma mudança na humilhante
condição a que se expõe quem se atreve a escrever para teatro neste
país e, em conseqüência, o pronto revigoramento da dramaturgia
nacional.

É o que eu proponho.

Atenciosamente,

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

Brasília, 03 de maio de 2009
 

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