Theresa Catharina de Góes Campos

  From: LMAIKOL <lmaikol@uol.com.br>
Date: 2009/5/25
Subject: Reflexões Homiléticas para Junho de 2009
Reflexões Homiléticas para Junho de 2009


FESTA DA SANTÍSSIMA TRINDADE (07.06.09)

Mt 28, 16-20

“Vão e façam que todos os povos se tornem meus discípulos”

Hoje celebramos o mistério insondável de Deus, a Santíssima Trindade.
Durante os primeiros séculos da sua existência, a Igreja lutou com
dificuldade para expressar em palavras o inexprimível - a natureza do
Deus em que acreditamos. Chegou à expressão profunda do Credo
Niceno-Constantinopolitano, tão pouco usado nas celebrações de hoje,
onde celebra o Pai “Criador de todas as coisas”, o Filho “Deus de
Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não
criado, consubstancial com o Pai’, e o Espírito que “dá a vida, e
procede do Pai e do Filho”. Mas, mesmo essas expressões tão profundas
não conseguem explicar a Trindade, pois se Deus fosse compreensível à
mente humana, não seria Deus!

Dentro das limitações da linguagem humana, tentamos expressar o
mistério da Trindade como “três pessoas numa única natureza”. Mas mais
importante do que encontrar fórmulas filosóficas ou teológicas
abstratas para expressar o que no fundo não é possível definir, é
descobrir o que a Doutrina da Trindade pode nos ensinar para a nossa
vida cristã. Talvez, o livro de Gênesis possa nos ajudar. Lá se diz
que Deus “criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; e
os criou homem e mulher” (Gn 1, 28). Se somos criados na imagem e
semelhança de Deus, é de um Deus que é Trindade, que é comunidade,
unidade perfeita na diversidade. Assim só podemos ser pessoas
realizadas na medida em que vivemos comunitariamente. Quem vive só
para si está destinado à frustração e infelicidade, pois está negando
a sua própria natureza. O egoísmo é a negação de quem somos, pois nos
fecha sobre nós mesmos, enquanto fomos criados na imagem de um Deus
que é o contrário do individualismo, pois é Trinitário. No mundo
pós-moderno, onde o individualismo social, econômico e religioso é
tido como critério fundamental da vida, a Doutrina da Trindade nos
desafia para que vivamos a nossa vocação comunitária, criando uma
sociedade de partilha, solidariedade e justiça, no respeito do
diferente do outro, pois fomos criados na imagem e semelhança deste
Deus que é amor e comunhão. O texto evangélico nos faz lembrar que
somos continuadores da missão da Trindade encarnada em Jesus de Nazaré
- a de testemunhar o Reino de Deus, vivendo em comunidade o projeto de
Jesus, o missionário do Pai, que nos congregou na Igreja pela ação do
Espírito Santo. Na medida em que criarmos comunidades alternativas de
solidariedade, fraternidade, justiça e paz, estaremos vivendo na
imagem e semelhança do Deus Uno e Trino, comunidade e comunhão
perfeita, que nos convida a participar da sua própria vida. A festa de
hoje não é de um mistério matemático - como se fosse possível explicar
“três em um” - mas do mistério do amor de Deus, que nos criou para que
vivêssemos comunitariamente na sua imagem e semelhança. É, portanto,
ao mesmo tempo celebração e desafio, para que tornemos cada vez mais
concreto o projeto de Deus para toda a humanidade, no caminho do
discipulado de Jesus.
 

Décimo Primeiro Domingo Comum (14.06.09)

Mc 4, 26-34

“Com que coisa podemos comparar o Reino de Deus?”

O texto de hoje traz à tona dois elementos muito importantes para o
estudo dos Evangelhos - “o Reino de Deus” e “as parábolas”. Antes de
olhar o texto mais de perto, convém comentar algo sobre esses dois
termos ou conceitos.

Existe um consenso entre estudiosos modernos, sejam católicos ou
protestantes, que existem dois termos nos textos evangélicos que
provém do próprio Jesus e que não dependem da reflexão posterior das
comunidades, ou seja, “Reino” e Abbá”. Estamos tão acostumados de ter
Jesus como “objeto” da pregação que esquecemos que Ele não pregou a si
mesmo mas o “Reino de Deus” (geralmente citado em Mateus como o Reino
dos Céus, para evitar o uso do nome de Deus). Toda a vida de Jesus foi
dedicada ao serviço desse Reino, que ele nunca define, pois é uma
realidade dinâmica, mas que ele descreve por comparações, usando
parábolas. “Parábola” é um tipo de comparação, usando símbolos e
imagens conhecidos na vida dos ouvintes, e que os leva a tirar as suas
próprias conclusões (de fato, várias vezes temos a explicação de uma
parábola nos evangelhos, mas, essa nasceu da catequese da comunidade e
não teria feito parte da parábola original). O Capítulo 13 de Mateus
talvez seja o melhor exemplo do uso de parábolas para clarificar a
natureza do Reino - ou Reinado - de Deus.

No tempo de Jesus e das primeiras comunidades cristãs, os diversos
grupos religiosos judaicos esperavam a chegada do Reino de Deus e
achavam que poderiam apressar a sua chegada - os fariseus através da
observância da Lei, os essênios através da pureza ritual, os zelotas,
através de uma revolta armada. O texto de hoje nos adverte que não é
nem possível nem preciso tentar apressar a chegada ou o crescimento do
Reino de Deus, pois ele possui uma dinâmica interna de crescimento
própria. Como a semente semeada cresce, independente do semeador e sem
que ele saiba como, assim o Reino cresce onde plantado, pois também
tem a sua própria força interna que, passo por passo, vai levá-lo à
maturidade. Assim, o texto nos ensina o que Paulo vai ensinar de uma
maneira diferente aos coríntios, quando, referindo-se ao trabalho de
evangelização desenvolvido por ele, Apolo e outros/as missionários/as;
ele afirma “Paulo planta, Apolo rega, mas é Deus que faz crescer” (I
Cor 3, 6).

Uma das imagens que Jesus usa para caracterizar o Reino é a do grão de
mostarda. Embora a semente seja minúscula, ela cresce até se tornar um
arbusto frondoso. Assim Jesus quer que a gente relembre que é
importante começar com ações pequenas e singelas, pois, pela ação do
Espírito Santo, elas poderão dar frutos grandes. Esta parábola é um
lembrete para que não caiamos na tentação de olhar as coisas com os
olhos da sociedade dominante, que valoriza muito a prepotência, o
poder, a aparência externa. A nossa vocação é plantar e regar, nunca
perdendo uma oportunidade de semear o Reinado de Deus - ou seja, criar
situações onde realmente reine o projeto do Pai, projeto de
solidariedade e amor, partilha e justiça, começando com sementes
minúsculas, para que, não através do nosso esforço, mas da graça de
Deus, eventualmente cresça uma árvore frondosa que abriga muitos. O
desafio do texto é de que valorizemos o gesto pequeno, as duas moedas
da viúva, a semente de mostarda, não nos preocupando com os
resultados, mas, confiantes no poder transformador da semente, plantar
e regar, para que Deus possa ter a colheita!


DÉCIMO SEGUNDO DOMINGO COMUM (21.06.09)

Mc 4,35-41

“Quem é este homem?”

Retomamos a caminhada pelo evangelho de Marcos. O trecho
de hoje está situado na primeira parte do evangelho, onde Marcos
procura demonstrar que as autoridades religiosas da época, os próprios
parentes de Jesus e os discípulos d’Ele não o compreenderam, apesar de
verem as suas obras e milagres (1, 19-8, 26). Toda esta primeira parte
do Evangelho prepara o chão para a pergunta fundamental do evangelho:
“E vocês, quem dizem que eu sou?” Por isso a história hoje relatada
leva os discípulos a se perguntarem: “Quem é este homem?”

A história do evento no mar de Galiléia retrata
simbolicamente a situação da comunidade marcana, pelo ano 70, quando o
evangelho foi escrito. A comunidade está vacilando na sua fé, assolada
por dúvidas e até perseguições. Diante do cansaço da caminhada, muitos
se refugiaram na busca de uma religião de milagres, sem o esforço de
seguir Jesus até a Cruz. Por isso, Marcos insiste que os milagres não
são suficientes para conhecer Jesus, pois as autoridades, os
familiares e os discípulos os presenciaram e não chegaram a entender
nem a pessoa nem a proposta de Jesus.

O barco no lago, assolado pelos ventos e ondas, representa a
comunidade dos discípulos, prestes a afundar-se por causa das
dificuldades da caminhada. Jesus dorme no barco e parece não se
preocupar com o perigo. Assim, para a comunidade marcana, parecia que
Jesus não estava ligado aos seus sofrimentos e, como consequência,
vacilavam na sua fé. Mas, Jesus acalmou o mar e ainda questionava a
pouca fé dos Doze: “por que vocês são tão medrosos? Vocês ainda não
têm fé?” (v. 3). Assim, Marcos quis mostrar aos leitores do seu tempo
que Jesus estava com eles nas dificuldades e que a sua falta de fé
estava causando grande parte das dificuldades que estavam enfrentando.

Hoje, em muitos lugares, a Igreja parece como a igreja marcana, ou
ainda como o barco no mar. Diante das desistências, do secularismo, da
diminuição da sua influência, para muitos a Igreja esta se afundando.
Em lugar de assumir o doloroso seguimento de Cristo até a Cruz, muitos
se refugiam numa religiosidade de milagres, assim fugindo da penosa
tarefa de construir o Reino de Deus entre nós. Marcos vem corrigir
esta ideologia triunfalista e nos convida a aprofundar a nossa fé, a
clarear para nós mesmos e para o mundo “quem é este homem?”, e a
segui-Lo no dia a dia. Pois, Jesus não está alheio às nossas
dificuldades! Pelo contrário, Ele está no meio de nós. Só que não nos
livra da tarefa de nos engajarmos na luta pelo Reino, mesmo que as
ondas e os ventos estejam contrários. Ter fé n’Ele não é somente
acreditar que Ele exista e seja Filho de Deus, mas tomar a nossa cruz
e segui-Lo, na certeza que Ele não nos abandonará! Ressoa para nós
hoje a pergunta de dois mil anos atrás: “Por que são tão medrosos?
Ainda não têm fé?”


FESTA DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO (28.06.09)

Mt 16, 13-19

“Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”

Hoje a Igreja celebra a festa dos dois grandes apóstolos, Pedro e
Paulo, e encerra a celebração do Ano Paulino. Como evangelho do dia,
escolheu-se a história do caminho de Cesaréia de Felipe. O relato mais
antigo está no Evangelho de Marcos, Cap. 8, o qual se tornou o pivô de
todo o Evangelho. A estrutura de Mateus é diferente; mas, o relato tem
a mesma finalidade, ou seja, clarificar quem é Jesus e o que significa
ser discípulo d’Ele.

A pedagogia do relato é interessante. Primeiro, Jesus faz uma pergunta
bastante inócua: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?” Assim,
vem muita resposta, pois essa pergunta não compromete, - é o “diz
que”. Mas, a segunda pergunta traz a facada: “E vocês, quem dizem que
eu sou?” Agora não vem muitas respostas, pois quem responde em nome
pessoal, e não dos outros, se compromete! Somente Pedro se arrisca e
proclama a verdade sobre Jesus: “Tu és o Messias, o Filho do Deus
vivo”. Aparentemente Pedro acertou, e realmente, em Mateus, Jesus
confirma a verdade do que proclamou! Afirmou que foi através de uma
revelação do Pai que Pedro fez a sua profissão de fé. Mas, para que
entendamos bem o trecho, é necessário que continuemos a leitura pelo
menos até v. 25. Pois o assunto é mais complicado do que possa
parecer.

Pois, após afirmar que Pedro tinha falado a verdade, Jesus logo
explica o que quer dizer ser o Messias. Não era ser glorioso,
triunfante e poderoso, conforme os critérios deste mundo. Muito pelo
contrário, era ser fiel à sua vocação como Servo de Javé, era ser
preso, torturado e assassinado, era dar a vida em favor de muitos.
Jesus confirmou que era o Messias, mas não o Messias que Pedro
esperava e queria. Ele, conforme as expectativas do povo do seu tempo,
queria um Messias forte e dominador, não um que pudesse ir, e levar os
seus seguidores também, até a Cruz! Por isso, Pedro reluta com Jesus,
pedindo que nada disso acontecesse. Como recompensa, ganha uma das
frases mais duras da Bíblia: “Afasta-se de mim, satanás, você é uma
pedra de tropeço para mim, pois não pensa as coisas de Deus, mas dos
homens!” (v. 23). Pedro, cuja proclamação de fé mereceu ser chamado a
pedra fundamental da Igreja (v. 18), é agora chamado de satanás - o
Tentador por excelência - e “pedra de tropeço” para Jesus! Pedro usava
o título certo, mas tinha a prática errada! Usando os nossos termos de
hoje, de uma forma um tanto anacrônica, podemos dizer que ele tinha
ortodoxia, mas não, ortopraxis!

Assim, Jesus usa o equívoco de Pedro para explicar o que significa ser
seguidor d’Ele: “Se alguém quer me seguir, renuncie a se mesmo, tome a
sua cruz, e siga-me” (v. 24). Ter fé em Jesus não é em primeiro lugar
um exercício intelectual ou teológico, mas uma prática, o seguimento
d’Ele na construção do seu projeto, até às últimas consequências.

Hoje, enquanto celebramos os nossos dois grandes missionários, a
pergunta de Jesus ressoa forte, - a segunda pergunta. Para nós, quem é
Jesus? Não para o catecismo, não para o papa ou o bispo, mas para cada
de nós, pessoalmente? No fundo, a resposta se dá, não com palavras,
mas pela maneira em que vivemos e nos comprometemos com o projeto de
Jesus - ele que veio para que todos tivessem a vida e a vida
plenamente!(Jo 10, 10). Cuidemos para que não caiamos na tentação do
equívoco de Pedro, a de termos a doutrina certa, mas a prática errada!

Pe. Tomaz Hughes, SVD
E-mail: thughes@netpar.com.br
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