Theresa Catharina de Góes Campos

  Publicado no Diário de Pernambuco,

08 de junho 2009, p.A-11:

BAIRRO NOBRE? VÔTE!

Tereza Halliday – Artesã de Textos

Costumam chamar Boa Viagem “bairro nobre”. No dicionário, nobre é
aquele/ aquilo “que merece respeito por seus méritos e qualidades;
digno, fidalgo, aristocrata, majestoso, augusto, magnífico”. Tudo o
que Boa Viagem não é. Nobreza, além de designar a classe social mais
alta em países de regime monárquico, significa “alta educação,
finesse, excelência, elevação”. Atributos que Boa Viagem não tem.

Se fosse nobre mesmo, não exibiria um dos maiores “cocódromos” da
cidade, onde desfila uma população canina que come bem e descome
fartamente, adornando todas as calçadas com “esculturas orgânicas” de
alto nível de sujidade. O verbo “descomer” é usado por Ariano Suassuna
em “A Compadecida”, que, certamente se compadeceria dos desmantelos de Boa Viagem - esse endereço cobiçado por tantos que desconhecem suas mazelas quotidianas. Ah! Basta o mar! Não é exatamente assim. A praia conhecida como “o cartão postal da cidade” tem muito a esconder nos retoques de photoshop. A alta renda de uma parte dos residentes e a
coleta de um dos IPTUs mais caros do município não conferem, por
tabela, “nobreza” a esse pedaço do Recife que abriga pessoas em todos
os degraus da pirâmide sócio-econômica - de morador de rua a
industrial, de subempregado a alto executivo. E quem tem renda de
príncipe nem sempre tem educação de aristocrata.

Faz sentido argumentar que os bairros da periferia são ainda mais
desventurados e que, residir em Boa Viagem ainda é um privilégio,
inclusive para os moradores de suas favelas e invasões. Mas chamá-lo
de “nobre” é um disparate. Tudo o que os bairros menos favorecidos
têm, Boa Viagem também tem: fedentina, esgotos estourados, ruas mal
iluminadas, alagamentos, buracos nas ruas, o engarrafamento nosso de
cada dia, lixo derramado, muriçocas, ratos, focos de dengue,
desrespeito ao sossego alheio com excesso de decibéis, calçadas sujas
e atravancadas, desniveladas e perigosas para os pedestres de visão
normal, que dirá para os cegos! E assaltantes para todos os bolsos –
dos trabalhadores pobres, nas paradas de ônibus aos proprietários de
carros, nos cruzamentos; dos freqüentadores de boates e restaurantes
aos empregados de todos os setores. Todo mundo é igual no desamparo de ser assaltado. Apesar do respeitável esforço da Polícia, “é muito
bandido pra pouco soldado”, como disse um filósofo de barraca de coco.

Este artigo não é um libelo contra Boa Viagem. É um lamento de quem o
ama e anseia por vê-lo limpo, bonito, cheiroso, educado e digno.
Ponhamos os pontos nos “is”. É uma afronta, uma gozação, um
constrangimento, uma fantasia usar a denominação “bairro nobre” para
referir-se a Boa Viagem. A APBS (Associação dos Moradores do Pina, Boa
Viagem e Setúbal) tem se desdobrado na luta por um alto nível de
urbanização e civilidade para esses três bairros da Zona Sul. E todos
nós torcemos para que, um dia, Boa Viagem consiga passar no vestibular
de “Nobreza”.
 

Jornalismo com ética e solidariedade.