Theresa Catharina de Góes Campos

  RIO CONGELADO

A estreante cineasta Courtney Hunt expõe, em Rio Congelado, um
quadro constrangedor da miséria americana, ao narrar a história de
duas mulheres, de mundos diferentes – uma branca e uma indígena –, que
se unem, às vésperas das comemorações natalinas, na luta desesperadora
pela sobrevivência dos filhos.

Autora do roteiro e diretora, Hunt situa o drama das duas mães
num lugarejo da região norte do Estado de Nova York, perto da reserva
indígena St. Regis Mohawk e da fronteira com o Canadá, onde as
condições climáticas, no inverno, são arrasadoras.

O filme, de baixo orçamento – custou pouco mais de US$ 4 milhões
-, além de ganhar o Grande Prêmio do Festival de Sundance no gênero
drama, obteve duas indicações ao Oscar da Academia, nas categorias de
Roteiro Original e de Melhor Atriz do Ano.

Hunt usa linguagem documental, trabalhando com a câmara manual
de Reed Dawson Morano, que capta, como manda o figurino de origem
européia, as imagens o mais rente possível das personagens. Os planos
são quase sempre fechados, e a trilha sonora de Peter Golub e Shazad
Ali Smaily, de bom gosto, sublinha de forma satisfatória os momentos
mais dramáticos do filme.

Ray Eddy (Melissa Leo) trabalha como vendedora de uma pequena
loja de departamento, constituindo, com o pouco que ganha, uma
poupança para comprar a casa própria. Mas o marido, jogador
inveterado, de repente, some de casa levando o dinheiro e deixando-a
com os dois filhos menores para sustentar.

Ao inicio do filme, Ray aguarda, desalentada, na porta do trailer
em que vive, os cobradores da imobiliária que lhe vêm exigir o
pagamento da prestação vencida da casa. Advertida de que poderá perder
o sinal já dado, ela pede tempo para procurar o companheiro, que, ao
que diz, tem o dinheiro necessário para cumprir o compromisso.

Na peregrinação que faz por pontos de jogatina do lugarejo, Ray
encontra Lila Littlewolf (Misty Ulpham), uma indígena, dirigindo o
carro do seu marido. Ela parte em perseguição a Lila e, após a
abordagem, fica sabendo que ela encontrara o veículo abandonado junto
à estação rodoviária, o que lhe dá confirmação de que ele partira.

As duas mulheres confidenciam suas dificuldades, tendo em vista o
fato de que o filho da indígena, ainda de colo, fora arrebatado pela
sogra, já que ela não tinha condições de criá-lo. Diante disso, Ray e
Lila decidem empreender viagens arriscadas, no carro da primeira,
transportando imigrantes ilegais, do Canadá para os EUA, pela
superfície congelada do rio St. Lawrence.

Não fosse o episódio da bagagem de um casal de paquistaneses
deixada pelo caminho, inserido de forma gratuita, o roteiro de Hunt é
muito bom e original. Em suas entrelinhas, dá azo ao espectador de
observar como a luta pela sobrevivência é capaz de levar duas
criaturas, separadas pelo ódio da segregação racial, a se
solidarizarem. E deixa evidente também, aos que ainda insistem em não
querer ver, como é importante que se respeite a jurisdição dos
indígenas sobre os seus territórios demarcados.

Como diretora, Hunt surpreende pelo domínio da linguagem e
principalmente pela técnica de dirigir atores, extraindo deles
interpretações que dão ao filme a categoria de uma grande obra. A
primeira delas é a de Melissa Leo, atriz relegada até agora a papéis
secundários - sua última aparição foi como esposa de Benício Del Toro
em 41 Gramas, de Alejandro Gonzalez Iñarritu -, que encontrou no papel
de Ray a esperada oportunidade de se projetar e até mesmo de ser
indicada ao Oscar de Melhor Atriz do Ano.

A atuação de Melissa é realmente soberba pela maneira como sabe
explorar a linguagem dos olhos e do rosto em complementação à sua
expressão física. É tudo detalhado, embora a atriz consiga obter isso
de forma muito sutil. Para reforçar, por exemplo, o sentimento de
angústia reprimida de Ray, a intérprete não cai, em momento algum, no
descontrole de gestos e de movimentos, preferindo apoiar-se, antes de
tudo, no recurso das pausas psicológicas.

Mas é preciso notar também que Misty Ulpham, intérprete da
indígena Lila, propicia as condições ideais para que Melissa explore
ao máximo as sequências dramáticas em que ambas contracenam. Ulpham
tem também atuação marcante caracterizada principalmente pela firme
convicção que transfere à personagem de que não pode ultrapassar os
seus limites. E Charlie McDermott, que interpreta o papel de Troy
Eddy, filho mais velho de Ray, embora ainda muito jovem, demonstra
maturidade técnica surpreendente. Tanto Ulpham como McDermott
mereceram, sem dúvida, as diversas indicações que receberam para
premiações internacionais destinadas a atores coadjuvantes.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista
www.theresacatharinacampos.com
www.arteculturanews.com
www.noticiasculturais.com
www.politicaparapoliticos.com.br
www.cafenapolitica.com.br

FICHA TÉCNICA

RIO CONGELADO

FROZEN RIVER

EUA/2008

Duração – 98 minutos

Direção – Courtney Hunt

Roteiro – Courtney Hunt

Produção – Heather Era e Chip Hourithan

Fotografia – Reed Dawson Morano

Trilha Sonora – Peter Golub e Shazad Ali Smaily

Edição – Kate Williams

Elenco – Melissa Leo (Ray Eddy), Misty Ulpham (Lila Littlewolf),
Charlie McDermott (Troy Eddy), Michael O´Keefe (Finnerty), James
Reilly (Rick Eddy), Jay Klaitz (Guy Versailles)
 

Jornalismo com ética e solidariedade.