Theresa Catharina de Góes Campos

 

SÃO JOÃO SUPIMPA!

 Tereza Halliday – Artesã de Textos

           Os olhos da menina ardiam de fumaça e assanhamento. O velho, de cócoras, por entre os dentes e o cachimbo, comandava:

            - Vigie um abano!

Assessora pressurosa, ela agitava com as duas mãos o abano de palha trançada. Toda cozinha tinha um.  Buscava sinais de vida na fogueira que Seu Zequiel tentava acender.

            - Pegooouuu!

O velho soltava uma cachimbada de satisfação. E a menina partia para a próxima etapa daquela noite mágica, tão esperada quanto a noite de Natal.

            - Seu Mozart, arranje um tição pra mim também!

            O vizinho providenciava um toco de pau incandescente onde ela acendia diabinhos, chuvas de prata, cobrinhas elétricas. Depois, ajudava o irmão, alegando ser ele muito pequeno para segurar fogos. Ele protestava: “Eu sei! Eu já sou grande!” A irmã, menor ainda, apenas pisava nos traques de massa espalhados pelo pai para esse propósito.

            A menina foi lá dentro “roubar” mais uma talhada de finíssima canjica amarelo claro esverdeado, no ponto certo, que a faz balançar como geléia. Canjica autêntica, de preparo trabalhoso - manjar dos deuses. As pamonhas, difíceis de desembrulhar sem provocar rastro. O pé-de-moleque tinha gosto de quero mais.  E o pai fazia perna com ela nas investidas à mesa de iguarias.

A menina e a amiguinha haviam passado a tarde ajudando a pregar metros e metros de bandeirolas de papel de seda, multicores, para ornar o galpão cedido por seu Zezinho Florêncio para o forró dos moradores da vizinhança. Sanfona, triângulo, zabumba. Folha de eucalipto no chão de cimento onde ocorria o arrasta-pé ao som de xotes, baiões e xaxados. Balancê!

- Quando tu crescer, tua mãe deixa tu dançar quadrilha?

- Deixa. Aí Erton vai ser meu cavalheiro.

- Aí ele já está velho. Hoje ele já tem 13 anos.

- É mesmo.

- Vamos chamar as meninas para ser comadres de fogueira!

Disparavam pelas calçadas. A fogueira de Dona Penhinha estava uma beleza! “São João disse, São Pedro assinou. Vamos ser comadres por Deus nosso Senhor”. Três voltas em torno das labaredas e um abraço selavam o compadrio. Noite avançada, as lanternas coloridas que a avó havia pendurado no terraço começavam a cochilar. E as fogueiras viravam braseiro, caminhando rápido para as cinzas do dia seguinte.

Foi assim por alguns anos, quando a cidade de Caruaru ainda era pequena, atrasada e tinha encanto. Depois, a menina tornou-se um ser responsável, a amiguinha sumiu, o irmão ficou grande, a irmã cresceu e apareceu. Dona Penhinha, seu Ezequiel acendedor de fogueira, seu Zezinho do Forró do Bairro Novo, seu Mozart atiçador de tições, a avó, o pai... todos adentraram o poema de Manuel Bandeira e hoje “dormem profundamente”. Somente a mãe continua a fazer o pé-de-moleque - supimpa como o CD “Noites Brasileiras – a Música de Zé Dantas”, de Cláudio Almeida. O essencial é inaudível para os ouvidos, é preciso escutar com o coração. Saint-Exupéry não disse exatamente assim, mas a menina voltou e escutou.

(Publicado no Diário de Pernambuco, 22 de junho 2009, p.A-9)


From: Tereza Lúcia Halliday
Date: 2009/6/28
Subject: RES:: COMO ERA O SEU SÃO JOÃO?
To: Theresa Catharina de Goes Campos


Muito grata, Therezita.

Bons tempos, aqueles da labuta iniciante no jornalismo simples de O Farol!
Como dava gosto!

Atualizando-a sobre nossas parceiras no jornal do colégio:

Teresa Dubeux formou-se em psicologia e hoje é psicanalista respeitada na cidade. Teve dois filhos. Não sei quantos netos.

Lúcia Izabel, estudou pedagogia, mas enveredou pelo campo empresarial, na área de Turismo. Foi inclusive presidente da Associação Brasileira de Agências de Turismo. Teve cinco filhos. Hoje curte uma penca de netos lindos. Sua mãe, Dona Âmina, recentemente festejou 90 anos de vida.

Um grande abraço, Tereza Lúcia.

 

Jornalismo com ética e solidariedade.