Theresa Catharina de Góes Campos

  From: LMAIKOL
Date: 2009/6/24
Subject: Reflexões Homiléticas para Julho de 2009

Reflexões Homiléticas para Julho de 2009

Décimo Quarto Domingo Comum (05.07.09)

Mc 6, 1-6

“Jesus não pôde fazer milagres em Nazaré”

O texto de hoje encerra o segundo bloco da primeira parte
do Evangelho de Marcos - que trata da cegueira dos familiares de
Jesus. O primeiro bloco mostrou a cegueira das autoridades, e o
próximo bloco mostrará a cegueira dos discípulos. Assim, Marcos
gradativamente aumenta a tensão entre o que Jesus é e a incompreensão
dos que o conhecem: autoridades, familiares e discípulos. Tudo para
poder lançar como questão fundamental do seu Evangelho a pergunta: “E
vocês, quem dizem que eu sou?” (Mc 8, 29).

De uma maneira indireta, Marcos aqui toca num dos
problemas fundamentais dos cristãos - o escândalo da encarnação.
Frequentemente não temos tanta dificuldade em assumir a realidade da
divindade de Jesus, mas sim, a sua humanidade! Até hoje, quantas
hipóteses esdrúxulas sobre onde Jesus teria passado os primeiros
trinta anos da sua vida, quando a realidade é que Ele os passou como
qualquer outro rapaz da sua geração - numa família e comunidade do
interior, trabalhando com as mãos e partilhando a dura sorte do seu
povo, com uma fé profunda na presença de Javé no seu meio - uma fé
alimentada pelas Escrituras. Mas, frequentemente relutamos para não
enxergar a opção real de Deus pelos marginalizados através da
realidade da encarnação!

Os seus próprios parentes também relutaram para não
aceitar a pessoa e a missão de Jesus. Marcos não esconde a dureza das
críticas: “Esse homem não é o carpinteiro, o filho de Maria?” (v. 3).
Se fosse um fariseu, ou um “doutor”, ele teria sido aceito! Quanta
coisa semelhante hoje - quando preferimos acreditar nas palavras
retóricas dos “doutores” e desprezamos a sabedoria popular dos que
lutam no meio do povo para um mundo mais justo!

Marcos retoma aqui o tema da primeira parte do Evangelho -
que o caminho para conhecer Jesus não é através de uma correria atrás
de milagres. Pois, os Nazarenos conheciam bem os milagres de Jesus: “E
esses milagres que são realizados pelas mãos d’Ele?” (v. 2). Aqui
tocamos no cerne da questão: em Marcos, Jesus nunca faz um milagre
para despertar a fé em alguém. Pelo contrário, é a fé das pessoas que
causa os milagres da parte de Jesus. Por isso, é importante notar o
verbo que Marcos usa: “E Jesus não pode fazer milagres em Nazaré”! (v.
5). Não foi que não quisesse, nem que não fizesse milagres, mas que
Ele não pudesse fazer! Por que? Por causa da falta da fé deles!

O texto nos desafia para que nos questionemos sobre o
Jesus em quem acreditamos! Conseguimos vê-Lo nos pequenos e humildes e
nas pequenas ações em favor do Reino? Ou o buscamos em ditos
“milagres” e coisas estrondosas, que muitas vezes podem mascarar uma
relutância em assumir o caminho da Cruz? Marcos quer suscitar uma
desconfiança na sua comunidade - se nem as autoridades e nem os
parentes de Jesus o compreenderam, será que nós O compreendemos?
Devagarzinho chegaremos ao Capítulo 8, o pivô de Marcos, onde seremos
convidados a responder a pergunta fundamental da nossa fé: quem é
Jesus para mim, para nós, hoje?

DÉCIMO QUINTO DOMINGO COMUM (12.07.09)

Mc 6, 7-13

Dava-lhes poder sobre os espíritos maus

Estes versículos dão início ao terceiro e último bloco da
primeira parte do Evangelho de Marcos, que podemos intitular “a
cegueira dos discípulos”. É a continuidade dos primeiros dois blocos
que tratavam da cegueira das autoridades e dos parentes de Jesus. O
nosso texto trata da missão dos discípulos. Vale a pena examinar mais
de perto as frases que Marcos usa.

O primeiro elemento é que a missão de Jesus, o de
construir o Reino de Deus, continua na missão dos discípulos. A base
da missão é o compromisso com Jesus e o seu projeto. Em nossos termos
hoje, cumpre lembrar que a origem da missão está no nosso batismo.
Todos somos Discípulos-Missionários. Se somos clero, religiosos ou
leigos é secundário. A missão comum vem do batismo comum de todos nós.
A maneira de vivenciarmos a missão pode ser diferente, variar; mas, a
missão é fundamentalmente igual.

Ele os enviou dois a dois. Uma maneira bonita de mostrar
que a missão cristã é comunitária! Não existe um cristianismo
individualista. A nossa fé tem consequências profundas comunitárias.
Um alerta para que não caiamos na tentação de criarmos uma religião
individualista e intimista, tão comum no nosso mundo de
competitividade e pós-modernidade.

Jesus dava-lhes poder sobre os espíritos imundos! Claro,
aqui se expressa uma realidade importante nos termos da cosmovisão da
época. “Espíritos imundos” significam tudo que pudesse se opor ao
Reino. Tudo cujos valores fossem diferentes do Reino. Infelizmente,
ainda hoje muitos interpretam essas palavras ao pé da letra, e criam
uma religião que sataniza e demoniza quase tudo, uma religião de
exorcismos e diabos - mas sempre no nível intimista e individual.
Devemos nos perguntar - quais os espíritos imundos em nós, nas nossas
comunidades, na nossa sociedade, que precisam ser expulsos? Não é
difícil achá-los: tudo que se opõe à vida, à dignidade humana, à
justiça e à solidariedade. Onde se vive o Evangelho, não há lugar para
o espírito de individualismo, de competitividade, de exclusão que é
característica da nossa sociedade neo-liberal, nossa sociedade de
morte! O cristão não pode compactuar com tal sociedade e com as suas
estruturas. As nossas celebrações não são para nos refugiarmos nelas,
mas para nos fortalecermos na luta pelo mundo novo, pela utopia de
Jesus! Por isso, em primeiro lugar, os discípulos tinham que se
libertar do espírito de acúmulo - não levar coisas, como sinal da
chegada do Reino.

Mas, Jesus os adverte que nem todos iriam acolher a sua
mensagem - pois a mensagem de Jesus necessariamente entra em conflito
com o espírito do egoísmo, enraizado na sociedade. Vale para os nossos
tempos - uma Igreja comprometida com os valores do Evangelho será uma
Igreja rejeitada pelos poderes desse mundo. Quando somos bem aceitos
por todos, é porque não questionamos, porque perdemos a nossa voz
profética! A Igreja verdadeira suscita mártires (literalmente,
testemunhas) e não acomodados!

O nosso texto nos convida a um exame de consciência sobre
a “missionariedade” da nossa vida. A minha vida, a da minha
comunidade, se resume na vivência interna das estruturas da Igreja, ou
me leva a ser testemunha no meio da sociedade, profetizando e
demonstrando a chegada do Reino, não tanto pelas palavras, mas pelos
valores que vivencio? Uma Igreja que não seja missionária (que não
significa ser prosélita) é uma Igreja morta. Lembremo-nos que, pelo
batismo, somos todos discípulos-missionários, continuadores da missão
de Jesus! Isso foi muito bem expresso no lema do último Congresso
Missionário da Igreja do Brasil: “De um Brasil de batizados a um
Brasil de discípulos-missionários”.


DÉCIMO SEXTO DOMINGO COMUM (19.07.09)

Mc 6, 30-34

“Jesus teve compaixão”

Até uma leitura superficial do texto de hoje faz saltar
aos olhos um tema muito central - o da “compaixão” de Jesus. Aliás, os
evangelhos todos - e especialmente Lucas - enfatizam este aspecto da
personalidade e da missão de Jesus. Ele demonstrou a quem o
encontrasse a verdadeira natureza de Deus: de ter compaixão para todos
os que sofrem.

Os versículos de hoje demonstram este traço de Jesus no
seu relacionamento com os discípulos e com as multidões.

Com os discípulos, Ele ressalta a necessidade de descanso
depois das tarefas apostólicas. Quando voltam empolgados com os
resultados da missão, a primeira reação do Mestre é convidá-los para
uma retirada, para que possam refazer as forças. Jesus tem critérios
que não correspondem com o grande critério da sociedade nossa - o da
eficácia! Para Ele, os apóstolos não eram máquinas; mas, em primeiro
lugar pessoas humanas, que necessitavam de serem tratadas como tal. O
trabalho - mesmo o trabalho missionário - não é o absoluto. Jesus
reconhece a necessidade de um equilíbrio entre todos os aspectos da
vivência humana. Aqui há uma lição para muitos cristãos engajados hoje
- embora devamos nos dedicar ao máximo pelo apostolado, não devemos
descuidar das nossas vidas particulares, do cultivo de valores
espirituais, da saúde e do relacionamento afetivo com os outros. Caso
contrário, estaremos esgotados em pouco tempo, meras máquinas ou
funcionários do sagrado, que não mostram ao mundo o rosto compassivo
do Pai.

Mais ainda, o texto ressalta a compaixão de Jesus para com
o povo sofrido. Era tão procurado pelo povo, rejeitado e desprezado
pelos chefes político-religiosos de então, que nem tinha tempo para
comer. Quando Ele se retirava, o povo ia atrás d’ Ele. O que atraía
tanta gente? Com certeza não foi em primeiro lugar a doutrina, nem os
milagres, mas o fato de irradiar compaixão, de demonstrar de uma
maneira concreta o amor compassivo de Deus. Jesus não teve “pena” do
povo, não teve “dó” dos sofridos. Teve “compaixão”, literalmente,
sofria junto, e tinha uma empatia pelos sofredores, que se
transformava numa solidariedade afetiva e efetiva. Este traço da
personalidade de Jesus desafia as Igrejas e os seus ministros hoje,
para que não sejam burocratas do sagrado, mas irradiadores da
compaixão do Pai. Infelizmente, muitas vezes as nossas secretarias
paroquiais mais parecem repartições públicas do que lugares de
encontro com a comunidade que acredita no Deus de Jesus! A frieza
humana frequentemente marca as nossas atitudes, pregações e cuidado
pastoral. Num mundo que exclui, que marginaliza e que só valoriza quem
consome e produz, o texto de hoje nos desafia para que nos
assemelhemos cada vez mais a Jesus, irradiando compaixão diante das
multidões, hoje, como dois mil anos atrás, semelhantes a “ovelhas sem
pastor”.


DÉCIMO SÉTIMO DOMINGO COMUM (26.07.09)

Jo 6, 1-15

“Pegou os pães, agradeceu a Deus e os distribuiu”

A liturgia de hoje interrompe as leituras do Evangelho de
Marcos e insere um trecho tirado do capítulo sexto de João - o que
comumente chamamos o milagre da “Multiplicação dos Pães”. Logo, vale
lembrar que este é o único milagre contado pelos quatro evangelhos,
tanto pela tradição sinótica como da Comunidade do Discípulo Amado.
Isso mostra claramente que, para as primeiras comunidades cristãs de
diversas tradições, a história hoje relatada possuía um grande valor e
uma mensagem muito importante.

Os quatro relatos seguem basicamente o mesmo fio da meada,
com as divergências próprias a cada tradição e teologia. O enfoque
mais “sacramental” ou “eucarístico” é do João, mostrando mais uma vez
uma das características da comunidade do Discípulo Amado: a de ter uma
teologia eucarística mais desenvolvida.

Embora seja um dos relatos mais conhecidos dos evangelhos,
vale a pena sublinhar um elemento que talvez possa parecer estranho:
embora nós sempre nos refiramos ao milagre da “multiplicação dos
pães”, em nenhum dos quatro relatos usa-se o verbo “multiplicar”!
Usa-se outros termos nos quatro evangelhos: “pegar”, “distribuir”,
“partilhar”! Não é o caso de discutir aqui o que foi que Jesus fez!
Nem teríamos condições de descobrir. O enfoque é outro. Se os
evangelistas tivessem colocado a ênfase sobre o “multiplicar”, ou
seja, sobre o estritamente milagroso, então a história não teria
grandes consequencias para nós hoje, pois nós não temos o poder de
fazer milagres! Mas, colocando a ênfase sobre a o “partilhar” e o
“distribuir”, então os evangelistas nos desafiam hoje! Pois, partilhar
e distribuir estão ao nosso alcance!

No Brasil, com tanta gente assolada pela injustiça e
miséria, não precisamos multiplicar nada! O Brasil não precisa
multiplicar terras - somos um dos maiores países do mundo! Nem precisa
multiplicar a renda - somos a oitava ou nona potência econômica do
mundo! Não! O que precisamos é de uma partilha e uma redistribuição
das terras e da renda. O que precisamos é uma mudança de mentalidade,
de coração e das estruturas, e não milagres paliativos. A história de
João e dos outros evangelistas insiste que a solução para a carência
se acha na solidariedade, na partilha e na redistribuição, a partir da
nossa fé no Deus da Vida.

Outro elemento importante no relato joanino do evento é a
atuação do menino que tinha cinco pães de cevada e dois peixinhos - o
seu lanche. Mesmo sendo suficiente somente para ele, ele dispõe dos
pães e peixes, através do André. Esse gesto de partilha, abençoado por
Jesus, faz com que todos se fartem! O relato ressalta que foram pães
de cevada - a comido do pobre. Também aqui há uma releitura de um
evento na vida do profeta Eliseu, que também “multiplicou” pães de
cevada (II Rs 4, 42-44.) Sem a colaboração deste rapaz simples,
oferecendo o pouco que tinha, Jesus não poderia ter alimentado essas
pessoas. Assim o texto nos desafia para descobrirmos quais são os
“cinco pães de cevada” que eu tenho, e de colocá-los a serviço da
comunidade. Quando todos partilham o pouco que têm, sobrará! Quando
cada um que tem algo segura para si, falta para muitos!

Já mencionamos que João, colocando o relato no capítulo
sexto, onde tem o discurso do Pão da Vida, focaliza o aspecto
eucarístico. Participar da Eucaristia é comprometermo-nos com o mundo
de solidariedade e partilha, onde os bens materiais - mais do que
suficientes - serão distribuídos e partilhados, criando assim, de uma
maneira real entre nós, o Reinado de Deus. Como diz um canto de
comunhão, “Comungar é tornar-se um perigo, viemos pra incomodar”. A
mensagem da “multiplicação” dos pães incomoda, e muito, pois aponta
para as consequências da nossa participação na Eucaristia!

Pe. Tomaz Hughes, SVD

E-mail: thughes@netpar.com.br

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