Theresa Catharina de Góes Campos

  O CARNAVAL NA LITERATURA BRASILEIRA

Na história e na formação de cada povo, a literatura é espelho, na
medida em que reflete a realidade do país, características regionais,
personalidades marcantes...mas pode e deve ser também vanguarda, na
medida em que, apontando os erros do passado, os vícios e as promessas
do presente, desperta no público leitor uma consciência
esclarecida,dirigindo-a para ações redentoras, mais consoantes com a
grandeza e as possibilidades de uma nação.

O retrato de um país encontra-se fragmentado, compondo-se não apenas
de traços físicos: sua geografia, seu clima, sua vegetação; a alma de
um povo está gravada na fisionomia de suas cidades, nas obras
arquitetônicas, nas diversas expressões de arte e, de modo especial,
na literatura. Descrições de nossas festas populares aparecem em
quadros, painéis e livros. O mesmo ocorre com o carnaval.

Este ano, a União Brasileira de Escritores apresentou o nome de Jorge
Amado ao prêmio Nobel de Literatura. O famoso romancista, em 1931, com
19 anos de idade, lançava "O País do Carnaval", que foi logo alvo de
críticas, algumas bondosas, outras severas.

"Na rua a multidão acotovelava-se numa grande alegria. Entulhavam-se
as casas de negócio comprando fazendas e enfeites. Era o carnaval que
se aproximava.

Rigger disse: - "O Brasil é o País do Carnaval". (Jorge Amado - O País
do Carnaval)

O estilo irônico do livro traz em si um germe positivo de crítica,
convidando à reflexão.

"Era o Carnaval...Vitória de todo o Instinto, reino da Carne..." (idem)

A esse trecho contrapõe-se a figura de Ricardo Braz, uma dos
personagens do romance. Necessitado de carinho, verdadeiro peregrino
do sentimento, tinha uma grande sede de amor. Para ele, a finalidade
da vida nada tinha a ver com dinheiro, prestígio político ou prazeres
- o sentido da vida estava no amor. Idealizava para si uma jovem de
grandes olhos tristes e que fosse o tipo da esposa perfeita. E
proclamava:

"A satisfação da Carne não dá felicidade a ninguém". (idem)

As cenas carnavalescas atuam como fundo de cenário.

"Até os sujeitos que tocavam violão sambavam numa alegria doente de
quem só tem três dias de liberdade".

"O Brasil continuou o mesmo: não melhorou, nem piorou. Feliz Brasil,
que não se preocupa com problemas, não pensa e apenas sonha em ser,
num futuro muito próximo, "o primeiro País do Mundo".

Mas o barulho dos ranchos carnavalescos, os gritos dos foliões, não
constituem obstáculos invencíveis para a verdade existencial: "Eles
chegaram à conclusão de que se vive para qualquer coisa superior".

O livro termina com um apelo de Paulo Rigger ao Cristo Redentor. O
navio em que Paulo se encontra vai se afastando do cais: "Senhor, eu
quero ser bom. Senhor, eu quero ser sereno...Lá longe, desaparecia
lentamente o País do Carnaval..."

Eneida publicou a "História do Carnaval" em 1958.

O conto "A Morte da Porta-Estandarte", de Aníbal Machado, renova o tema
universal do ciúme que, de tal modo irreprimível, se transforma em
assassino da pessoa a quem se diz amar.

Castro Menezes ajudou Manuel Bandeira na edição de seu segundo livro:
"Carnaval". Influenciado pela poesia de Guy Charles Cross e Mac Fiolna
Leod, Manuel Bandeira começara a utilizar o verso livre. Nesse segundo
livro, aparecido em 1919, inclui ao lado de poemas dentro dos moldes
tradicionais, embora de exaltado lirismo, duas produções que bem
representam as novas tendências: "Debussy" e "Sonho de uma sexta-feira
gorda".

Mais tarde, o autor faria a seguinte declaração: "Com "Carnaval",
recebi o meu batismo de fogo". Apareceu em certa revista uma nota
curta: "O Sr. Manuel Bandeira inicia o seu livro com o seguinte verso:
"Quero beber, cantar asneiras...". Pois conseguiu plenamente o que
desejava".
J. Ribeiro e Oiticica, entretanto, solidarizam-se à obra, o
que reconforta o poeta. O volume se projetaria ainda por outra razão:
apresentado por Guilherme de Almeida a Mário de Andrade e seu grupo,
seria acolhido pelos futuros modernistas com entusiasmo. Durante a
Semana de Arte Moderna, um de seus poemas, "Os Sapos", tornou-se uma
espécie de hino, pela ironia com que criticava os poetas passadistas;
Ronald de Carvalho declamou-o no Teatro Municipal de São Paulo.

Raimundo Correia escreveu o soneto "Tristeza de Momo".

A peça de Vinícius de Moraes, "Orfeu da Conceição", foi premiada no IV
Centenário da capital paulista.

De Cassiano Ricardo, temos um carnaval da natureza. Um dos fundadores
do movimento "verdeamarelista" e do grupo da "Anta", intelectual
nacionalista, fundou depois com Menotti del Pichia o grupo
"Bandeira", com finalidade política, apesar de refratário a qualquer
ideologia exótica e dissolvente. Eis, do "Carnaval" de Cassiano
Ricardo:

" Todas as árvores que moram na floresta ficaram surdas com tamanha
festa: numa algazarra enorme os papagaios endomingados em seus fraques
verdes
gritam coisas absurdas!

Sapos, intanhas pererecas, rãs e pipas tocam matracas, pararacas. Uma
araponga louca dá o sinal para o começo do Carnaval.

E eis que começa, de improviso, a dança do tangará: pula prá lá, pula
prá cá, prá lá... prá cá... pralapracá.

Um punhado de insetos multicores brilha numa clareira em meio dos bambus, (...)"

Theresa Catharina de Góes Campos
Correio Braziliense, sábado, 12 de fevereiro de 1966 (Segundo Caderno)

From: Luci Tiho Ikari
Date: 2009/10/9
Subject: Re: O CARNAVAL NA LITERATURA BRASILEIRA (publicado originalmente no Segundo Caderno/Correio Braziliense,1966
To: Theresa Catharina de Goes Campos



Theresa Catharina:
Gostei muito da maneira como foi abordado o assunto "carnaval" em seu
artigo. Parabéns! Luci


From: REYNALDO FERREIRA
Date: 2009/10/9
Subject: RE: ARTIGO SOBRE O CARNAVAL
To: Theresa Catharina Campos


Formidável, Theresa Catharina!...Isso é realmente gratificante. Meus
cumprimentos. Fortíssimo abraço, Reynaldo

 

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