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HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO
As memoráveis atuações de Kristin Scott Thomas e
de Elza
Zyberstein são a grande credencial do filme Há
Tanto Tempo Que Te Amo,
do estreante Philippe Claudel, que, no entanto,
exagera no tom de
dramaticidade e de mistério para conduzir a
narrativa da reintegração
de uma ex-presidiária, condenada por homicídio,
à sua vida familiar.
Autor também do roteiro, Claudel – como
escritor, é detentor de
dois prêmios Goncourt - demonstra insegurança
principalmente em
relação à definição da forma pela qual aborda a
questão. Reveladora,
nesse sentido, é a sequência em que Léa (Elza
Zyberstein), professora
de literatura, discute, sem serenidade, com seus
alunos, o método de
exposição adotado por Dostoiévski para contar a
história de
Raskolnikov, em Crime e Castigo.
Para respeitar o título e a temática, penso eu,
a narrativa, no
caso, deveria ser – mas não é - sob a forma
subjetiva, isto é, sob a
ótica de Léa, que convida a irmã, Juliette
Fontaine (Kristin Scott
Thomas), presa na Inglaterra há quinze anos, a
ir morar com ela, em
Nancy, cidade universitária, na região da
Lorena, onde vivem cidadãos
de várias nacionalidades.
No trajeto feito de carro, do aeroporto até sua
casa, Léa revela
a Juliette, em poucas palavras, que, após a
morte do pai delas, se
mudara para Nancy a fim de fazer o doutorado, e
lá conhecera Luc
(Serge Hazanavicius), com quem se casou. O
casal, ao que acrescenta,
adotou duas crianças vietnamitas: P´itit Lys (Lyse
Ségur) e Emelia
(Lyle Rose).
Já instalada na casa da irmã, que a deixara para
ir lecionar,
Juliette descobre, ao acaso, um outro conviva,
Papy Paul (Jean-Claude
Arnaud), de origem polonesa, pai de Luc, que não
fala desde que
sofrera um AVC, segundo Léa lhe esclarece,
depois, constrangida, ao
que parece, por lhe haver negado antes a
informação, numa cena sem
graça, não por culpa das atrizes, e
desnecessária.
Assim, outras personagens vão surgindo e, aos
poucos,
desaparecendo de forma aleatória, como o homem
do bar (Pascal
Demolon); Michel (Laurent Grévill), professor,
colega de Léa; capitão
Fauré (Frédéric Pierrot), um solitário policial,
que sonha em
desvendar os mistérios sobre a nascente do rio
Orinoco, e a mãe
(Claire Johnston) de Juliette e de Léa,
sofredora do mal de Alzheimer,
que se encontra numa casa de saúde.
Para retardar o desvendamento do segredo que
Juliette esconde
sobre o seu passado criminoso – especialmente a
identidade de sua
vítima -, Claudel é pródigo em redundâncias ou
em digressões típicas
de melodramas, sublinhadas pelo comentário
musical de Jean Louis
Aubert. É o caso da cena de uma reunião familiar
campestre em que
Claudel expõe, apoiado na bela fotografia de
Jérôme Alméras, sua
admiração pelo estilo do cineasta Eric Rohmer,
que, como se deve
observar, nada tem a ver com o seu.
É nessa parte que, instigada por Gérard (Olivier
Cruvier), o
anfitrião, Juliette, uma ex-médica, então
impedida de exercer a
profissão, se vê forçada a dizer a todos, ante a
ansiedade da irmã, a
verdade sobre o seu passado, que, entretanto,
dita, cai no descrédito
de todos. Exceto no de Michel, que, um tanto
mais perceptivo do que
lhe ocorre interiormente, a convida a dar uma
volta a fim de se
espairecer lá fora, vendo as cercanias da casa.
O mérito da direção de Claudel reside sem dúvida
na maneira com
que ele sabe compor planos para dar destaque às
soberbas
interpretações de Elza Zyberstein (A Pequena
Jerusalém) e de Kristin
Scott Thomas. A primeira exprime, com finíssima
sensibilidade, o amor,
a admiração que Léa sente, desde criança, pela
irmã. Muitas coisas se
passaram, entre as duas, que precisavam ser por
ela consideradas.
Juliette fora quem lhe ensinara, por exemplo, a
cantar e a tocar
piano. Se toda a família, mormente o pai,
condenou o ato de Juliette,
Léa, ao contrário, sem saber os motivos que a
levaram a cometer o
crime, nunca a deixou de amar. Em seu diário,
ela contava os dias, que
ainda faltavam, para ver Juliette em liberdade.
Kristin Scott Thomas, intérprete de O Paciente
Inglês, de
Anthony Minghella , cria, dessa feita,
personagem de máscara rígida,
que manifesta, pelas olheiras profundas, além de
fadiga, uma secreta
tristeza. Era como se ela tivesse de sustentar a
todo o tempo que,
apesar da ruína da sua vida, deveria permanecer
de pé. Em termos de
composição, Kristin explora também muito, como
Melissa Leo, em Rio
Congelado, o recurso das pausas psicológicas. É
notável ainda o uso
pela atriz da inflexão de voz, quando Juliette
afirma para a irmã: -
A morte de um filho é a pior cadeia que existe.
Dela ninguém
escapa!...
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
HÁ TANTO TEMPO QUE TE AMO
IL Y A LONGTEMPS QUE JE T´AIME
França/Alemanha/2008
Duração - 113 min.
Direção – Philippe Claudel
Roteiro – Philippe Claudel
Produção – Sylvestre Guarino e Yves Marmion
Fotografia – Jérôme Alméras
Trilha Sonora – Jean Louis Aubert
Edição – Viriginie Bruant
Elenco – Kristin Scott Thomas (Juliette Fontaine),
Elza Zyberstein (Léa), Serge Hazanavicius ( Luc),
Jean-Claude Arnaud (Papy Paul), Laurent Grévill
(Michel), Frédéric Pierrot ( capitão Fauré),
Olivier Cruvier (Gérard), Pascal Demolon (Homem
do Bar), Lyse Ségur (P'tit Lys), Lyle Rose (Emelia),
Claire Johnston (Mãe).
NOTAS DA EDITORA
Estimada Ana:
Como você muito bem ressaltou, igualmente
destaco, no filme, a
construção existencial, a metamorfose dos
personagens envolvidos, " a
modificação do comportamento de todos após algum
tempo de convivência
com a recém-chegada " ( citando na íntegra as
suas palavras sucintas,
mas precisas), uma pessoa em profundo sofrimento
que, por mais de 15
anos fora totalmente abandonada por seus
familiares mais próximos,
numa vida adulta marcada por sucessivas
tragédias.
Ainda que numa prisão, mesmo em sua condição de
condenada legalmente
por um crime cometido, pelo menos os familiares
não deveriam ter se
afastado de todo. O passado de alguém, as suas
origens, as memórias do
convívio entre pais e irmãos, os laços afetivos,
assim como as
amizades - são elementos importantíssimos ( na
verdade, essenciais)
para que alguém se faça merecedor do
acompanhamento da família, que
não está em perigo ao dar tal suporte, uma
responsabilidade natural
dos laços de sangue, enfim, um suporte moral
esperado, legal e até
incentivado em qualquer centro
de detenção.
" Há tanto tempo que te amo " denuncia,
portanto, de forma ampla,
abrangente, a mesquinhez, a cegueira dos
familiares, tanto quanto a
superficialidade...males que se repetem, tanto
no âmbito da família
quanto nos ambientes sociais e profissionais,
igualmente difíceis e
traiçoeiros, em nada possibilitanto a
recuperação de vidas por
diferentes razões traumatizadas, em busca de
novos caminhos ou alguma
oportunidade para se reconstruam como seres
humanos.
Sem a mínima solidariedade, numa sociedade
despudoradamente egoísta e
materialista, não-solidária e agressiva, como
ousamos exigir que
ocorra, afinal, uma readaptação, um
soerguimento?
Como esperar coragem de alguém que vive uma
situação difícil há mais
de duas décadas, se o exemplo do próximo, em
pleno direito de sua
liberdade, mostra fraqueza e covardia?
Se apenas essa história de lenta e sofrida,
quase solitária e
silenciosa metamorfose fosse contada no filme,
ainda que defeitos
técnicos, de roteiro e de produção houvesse, já
mereceria, de mim,
muitos elogios e aplausos.
Aproveito, contudo, para me estender neste
comentário e fazer outros
destaques, para os quais também chamo a atenção
dos espectadores de "
Há tanto tempo que te amo " : interpretação das
protagonistas;
personagens e situações; diálogos e momentos de
silêncio que convidam
à reflexão; a simbologia/ a metáfora da viagem
com a qual o policial
sonhava e pretendia realizar; os temas realistas
e atuais; a sensível
trilha sonora.
Ao mesmo tempo, reconheço plenamente a
competência de Reynaldo
Domingos Ferreira, em seu excelente artigo, uma
colaboração pela qual
sou gratíssima, sobretudo porque contém inúmeras
informações,
observações e análise pertinentes ao olhar de um
crítico atento.
Muito obrigada, Ana, por você ter se manifestado
com tanta
sensibilidade e maturidade generosa sobre "Há
tanto tempo que te amo",
assim ensejando essas Notas da Editora,
complementares ao comentário
de Reynaldo.
Abraços cordiais de
Theresa Catharina
2009/7/25
adfalcao
Theresa, agradeço o envio do comentário de nosso
amigo Reynaldo, sempre profundo e sintético em
suas observações. Se não me engano, o título se
refere a uma música que as duas irmãs executavam
ao piano quando meninas.
Por isso, não estranhei o ponto de vista do
narrador. Há unanimidade quanto à interpretação
das atrizes. Ressalto também a modificação do
comportamento de todos após algum tempo de
convivência com a recém-chegada. Abraços Ana |
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