Theresa Catharina de Góes Campos

  À DERIVA

Ambientada em Búzios e no Arraial do Cabo, na década de
oitenta, À Deriva, de Heitor Dhalia, é uma interessante crônica, de
linguagem absorvida de alguns cineastas modernos franceses, sobre uma
crise familiar vista pelo olhar perscrutador e inquietante de uma
garota adolescente que, como que se admite, seria o alter ego do
realizador pernambucano.

O excelente manejo de câmara feito por Ricardo Della Rosa, que
capta as imagens rentes aos atores, enquadrando-os, quase sempre, em
planos fechados, dá bem noção da inquietação da protagonista, Filipa
(Laura Neiva), então experimentando a difícil fase, de erupção sexual,
da passagem da adolescência para a idade adulta.

Filipa é a mais velha dos três irmãos, filhos do escritor Matias
(Vincent Cassel) e da professora Clarice (Débora Bloch), que
constituem uma família de classe média alta paulistana. Apesar das
aparências – mesmo as de ordem econômica, pois que, para quem vive
apenas de escrever, absolutamente fora da realidade brasileira -, o
casal se encontra em conflito, passando o verão numa bela casa de
praia em Búzios.

A temporada no litoral, ao que se percebe, teria sido
arquitetada como resultante de um esforço empreendido principalmente
por Matias, que não só deseja concluir um novo livro, longe das
turbulências da capital paulista, como quer também reconquistar a
felicidade, já perdida, da família.

A curiosidade de Filipa pela situação que enfrentam os pais –
ela, às vezes, surpreende a mãe chorando ou entregue à bebida - é
despertada pela ocorrência de um crime passional, envolvendo os donos
de uma casa vizinha, que ficara marcada por manchas de sangue. A
vítima, a mulher, muito bonita, segundo as fotos estampadas nos
jornais, fora flagrada em adultério pelo marido.

Durante um jantar oferecido a um casal amigo, Matias, ao
comentar, sob duras críticas de Clarice, o argumento de seu novo
livro, oferece indicações do quê realmente acontece entre ele a
mulher. Mas Filipa não percebe isso. Ela só identifica, mais tarde,
que Matias freqüenta a casa de uma americana, Ângela (Camilla Belle),
de quem é amante.

Paralelamente ao drama familiar, Filipa procura criar um outro
próprio, tentando subjugar aos seus anseios e caprichos um garoto,
Antonio (Max Huzar), integrante de uma turma de jovens que, com ela,
se divertem pela praia. E em seqüências planejadas apenas para criar
suspense – pontilhadas por um adequado comentário musical de Antônio
Pinto -, Filipa penetra na casa de Ângela, mexe em seus guardados e,
depois, cautelosa, vai ao escritório do pai a fim de lhe tirar o
revólver da gaveta e dar um sumiço nele.

O que se destaca no trabalho de Dhalia (Cheiro de Ralo), como
diretor e roteirista, é a maneira com que ele prepara e explora o
trabalho dos atores, principalmente o da estreante Laura Neiva,
intérprete de Filipa, descoberta pela internet, que tem talento nato
de atriz, ainda livre dos vícios da televisão. Ela é, por assim dizer,
em termos de atuação, a luz que ilumina o filme, selecionado para a
mostra Um Certo Olhar, paralela ao Festival de Cannes.

Débora Bloch dissimula bem o segredo de Clarice. Camilla Belle é
bonita, mas inexpressiva. E Vincent Cassel, falando fluentemente o
português, se apresenta numa boa interpretação como Matias, um pai
extremado, que, apesar de mulherengo, deseja manter a integridade da
família, muito embora não seja esse um papel que corresponda ao gênero
que faz no cinema francês. Na cena final, que é também a inicial da
película, Cassel exprime algo mais do que está na imagem, mas na
cabeça de Matias.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista
www.theresacatharinacampos.com
www.noticiasculturais.com
www.arteculturanews.com
www.politicaparapoliticos.com.br
www.cafenapolitica.com.br

FICHA TÉCNICA
À DERIVA
Brasíl/França/EUA/2009
Duração – 97 minutos
Direção – Heitor Dhalia
Roteiro - Heitor Dhalia e Vera Egito
Produção – Fernando Meirelles, Matias Mariani, Andréa Barata Ribeiro e
Bel Berlinck
Música – Antônio Pinto
Elenco – Vincent Cassel (Matias), Débora Bloch (Clarice), Laura Neiva
(Filipa), Camilla Belle (Angela), Gregório Duvivier (Lucas), Cauã
Reymond (Homem do Bar)

NOTAS DA EDITORA:

Quando algumas pessoas me pedem somente que eu lhes diga "sim" ou
"não" a uma pergunta: "À DERIVA" é um filme triste, do qual
sairão deprimidas? Porque não gostariam de assistir a uma história
que lhes fizesse terminar a sessão cinematográfica desanimadas com a vida...
Vejo-me, então, diante da única resposta sincera que posso dar.
Como insistem numa "informação" rápida e breve, sou obrigada a tentar
resumir minha opinião, que não deveria ser um telegrama, mas um
comentário fundamentado. Na verdade, ignoro que estão bastante
apressadas para resolver logo o "problema" de escolher qual filme irão
ver.

- "À Deriva", um drama familiar bem atual, não objetiva fazer rir nem divertir.

Aborda temas reais, descrevendo acontecimentos e personagens que nos
demonstram a desestruturação moral de uma família, cujos membros não
mais se encontram nem se integram na comunicação entre si, na
solidariedade responsável que deveria existir. Sobretudo, vemos os
jovens, menores de idade, passando muito tempo sem acompanhamento dos
adultos, e por isso vivendo livremente - como indivíduos e no grupo -
suas experiências de adolescência em situações nas quais de algum modo se expõem, em
 constante perigo, com hábitos e comportamentos eventuais dos quais ignoram as graves consequências. A juventude que convive, em sua própria casa, com os vícios e as atitudes negligentes de pais que não assumem a sua missão intransferível, quando não adquire traumas para toda a vida, no mínimo aceita com naturalidade o que precisaria rejeitar (por lhes ser prejudicial ) , caso tivesse uma boa formação: o alcoolismo, as agressões verbais e físicas, o adultério (que pode ser prenúncio de mais uma tragédia...), a rotina de mentiras, etc. Na ausência de bons exemplos, talvez um dia venha a imitar/repetir as ações que presenciou...

A nós, espectadores, cabe refletir , pensar em soluções para a família e a sociedade. Afinal, ainda vivemos no mesmo planeta!

Theresa Catharina de Góes Campos
Brasília-DF, 15 de agosto de 2009.

---------------------------------------------------------------------------------
From: Luci Tiho Ikari
Date: 2009/8/16
Subject: Re: NOTAS DA EDITORA sobre o filme À DERIVA
To: Theresa Catharina de Goes Campos


Olá, Theresa Catharina
Tudo bem com você? Gosto muito dos seus comentários sempre criteriosos
acerca dos filmes. Muitíssimo obrigada! Luci
 

 

Jornalismo com ética e solidariedade.