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Date: 2009/8/17
Subject: Algo de bom que a Gripe trouxe
MÃOS LAVADAS, DR. SEMMELWEIS E D. LUCÍOLA
Tereza Halliday – Artesã de Textos
Um efeito colateral positivo da gripe A-H1N1 é a
recomendação de bem
lavar as mãos. Isto inclui palma, dorso, unhas,
pontas dos dedos,
entre dedos, pulso. Felizmente, essa Influenza
vedete da mídia nos
levou a reinventar a roda, redescobrir a
pólvora: lavar as mãos faz
bem à saúde.
Recente surto de gastrenterite na França foi
atribuído pelos médicos
à falta de higiene das mãos no preparo e consumo
dos alimentos. A
gripe ex-suína que “virou pânico de estimação”,
no dizer da impagável
colunista Luce Pereira, deixará um legado
precioso: o hábito de lavar
as mãos. Há muitas maneiras de contaminá-las -
maçaneta, corrimão,
jornal, dinheiro em papel e moeda, aperto de
mão, asseio da área
genital, alisar animais domésticos, estar na rua
e pegar em qualquer
coisa que outros tocaram. Lavar bem as mãos
evita doenças letais e não
letais. A conjuntivite é uma delas.
Qual criança nunca ouviu “Já lavou as mãos”?
Antes de ser
alfabetizados, meus irmãos e eu já conhecíamos o
termo “micróbio” e
temíamos o mistério fascinante e sinistro:
bichinhos invisíveis que
podem matar. Por causa deles, D. Lucíola, nossa
mãe, mandava lavar as
mãos. Foi alvo de gozações da família inteira,
por sua vigilância. Os
netos logo aprenderam que, se quisessem ganhar
biscoito, tinham de
apresentar as mãos lavadas. Bem informada,
interessada pela História
da Medicina, leitora de biografias, logo nos
familiarizou com os nomes
dos craques do seu time de atletas da Ciência:
Semmelweis, Pasteur,
Madame Curie, Sabin, Salk...
Foi ela quem me contou sobre a grandeza e a
desgraça do Dr. Ignaz
Semmelweis (1818-1865), ginecologista húngaro
que introduziu a
profilaxia antisséptica na prática médica. Sua
história é um daqueles
casos de incompreensão e injustiça contra quem
se destaca, defende
seus princípios e está à frente do seu tempo.
Antes de Pasteur
descobrir a causa das infecções, ele atinou com
a relação entre mãos
sem higiene e as mortes em massa de parturientes
atacadas de febre
puerperal na Maternidade do Hospital Geral de
Viena. Ficava arrasado
com as numerosas perdas de pacientes tão jovens
deixando órfãos
recém-nascidos. Notou que, numa das seções do
hospital, onde as
mulheres eram atendidas por parteiras, o índice
de mortes era muito
menor. Na seção onde ocorria o mais alto número
de óbitos, os partos
eram feitos pelos obstetras logo depois de sair
da sala de autópsia,
onde manipulavam cadáveres. Semmelweis exigiu
que os médicos lavassem
as mãos antes de examinar as pacientes. A taxa
de mortalidade caiu.
Mesmo assim, foi ridicularizado, escarnecido e
discriminado por
colegas. Terminou seus dias internado num
hospital psiquiátrico.
Ironicamente, morreu de infecção hospitalar.
Com o agito em torno da gripe do momento, lavar
as mãos tornou-se
prioridade, política empresarial, matéria de
ensino familiar e
escolar. Bendito redescobrimento da enorme
importância de lavar as
mãos! O infeliz Dr. Semmelweis está vingado. E
D. Lucíola, nos seus
quase 90 anos, com um sorriso de vitória, apenas
diz: “Estão vendo?”
(Publicado no Diário de Pernambuco de
17/08/2009, p.A-11) |
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