Theresa Catharina de Góes Campos

  BEM-VINDO

O cineasta Philippe Lioret faz, em Bem-Vindo, aterradora
denúncia contra o tratamento discriminatório dado aos imigrantes sem
documentos na França, que estaria submetida hoje sob a vigência de
verdadeiro regime policial sufocante, mesmo para os franceses,
propagadores, no passado, do lema “liberdade, igualdade e
fraternidade”.

O caráter político incisivo do filme – que causou séria polêmica
entre Lioret e o ministro de Imigração, Eric Besson - se evidencia na
cena em que Simon (Vincent Lindon), professor de natação, que sofre
todo tipo de repressão ao dar acolhimento em casa a um aluno
iraquiano-curdo, Bilal (Firat Ayverdi), liga o televisor e o desliga,
de imediato, após ouvir a afirmativa do presidente Sarkozy – Eu assumo
o que disse!...

A temática da película se assemelha à de O Visitante, do
americano Thomas McCarthy. Mas, nesse caso, como se deve considerar,
além de a personalidade do protagonista ser mais complexa, o
tratamento dado por Lioret é, sem dúvida, mais vigoroso e contundente,
com algumas sugestões tidas como “inaceitáveis” pelo governo francês.

As sequências que mostram, por exemplo, a situação de risco a que
se expõem os imigrantes ao tentarem ingressar na Inglaterra, de forma
clandestina, em caminhões de carga, originários de Calais, banhada
pelo Canal da Mancha, são impressionantes e de natureza documental
sob registro fotográfico de Laurent Dailland.

Lioret pinta também com cores fortes o indiferentismo da
sociedade francesa em relação ao grave problema social. Não se deve,
portanto, tomar como irrelevante, nesse sentido e em outros não tão
explícitos, o fato de Marion (Audrey Dana), ex-mulher de Simon,
ativista social em defesa dos imigrantes, ser também estudiosa da obra
de Walt Whitman.

A cena em que Marion protesta contra o guarda, que não permite o
ingresso de imigrantes em um supermercado para fazer compras, é mais
do que reveladora de uma situação de discriminação insustentável,
comparável, segundo Lioret, à que sofreram os judeus nos tempos da
ocupação da França pelos nazistas. Ou de uma xenofobia, que vai
ficando, nos tempos atuais, fora dos limites em quase toda a Europa.

Depois de perder Marion para outro, que a espera no carro, Simon
raciocina que sua pusilanimidade em encarar a questão social poderia
ter dado a ela motivo para abandoná-lo. Ele, como observara, sequer a
apoiara na altercação que ela fizera à porta do supermercado. Quando,
mais tarde, Marion o indaga sobre as dificuldades que enfrenta com as
autoridades policiais, que o indiciaram por causa de seu envolvimento
com Bilal, ele lhe responde:

- Esse rapaz andou 400 quilômetros para chegar até aqui e quer
atravessar a nado o Canal da Mancha para se encontrar com a namorada.
Quando você foi embora, eu fui incapaz de atravessar uma rua para
trazê-la de volta!...

A força dramática do filme está sediada, portanto, no
relacionamento de Simon com Bilal, que, na verdade, comporta diversas
possibilidades interpretativas, até mesmo a da carência da
paternidade. O roteiro falha, porém, ao dar abrigo a algumas questões
que parecem por demais fantasiosas, tendo em vista o caráter
naturalista da narrativa de Lioret, como a tentativa de Bilal de nadar
nas águas congeladas do Canal da Mancha, sem ter equipamentos e o
devido preparo técnico.

Vincent Lindon aproveita a oportunidade, que lhe dá o papel de
Simon, para realizar um trabalho notável de interpretação,
demonstrando que todas as ações e aspirações do protagonista estão sob
o seu domínio. E, com isso, ele ocupa a cena totalmente, do começo ao
fim do filme, dando a Simon a característica de um homem taciturno,
sisudo, fechado, que evita dar a conhecer aos demais a sua intrínseca
necessidade de afeto. Assim, a face do ator é rígida a todo tempo, mas
os olhos não escamoteiam o que assoberba interiormente a personagem,
que se expressa apenas por meio de palavras monossilábicas. É
realmente uma soberba atuação!...

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
BEM-VINDO
WELCOME
França/2009
Duração – 110 minutos
Direção – Philippe Lioret
Roteiro – Philippe Lioret
Produção – Nord-Ouest Films
Fotografia – Laurent Dailland
Música – Nicolas Piovani
Edição – Andréa Sedlackova

Elenco – Vincent Lindon (Simon), Adrey Dana (Marion) Firat Ayverdi
(Bilal), Derya Ayerdi (Namorada de Bilal).
 

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