Theresa Catharina de Góes Campos

  PRECONCEITO DE ROUPA

Tereza Halliday – Artesã de Textos

Já me aconteceu entrar em lojas e ser percorrida por certo
olhar de desconfiança da vendedora – mensagem não-verbal de menoscabo.
É que não costumo ir às compras toda “produzida”. Divirto-me com a
grande mancada do olhar de desprezo sobre clientes pré-julgados pela
roupa. Mas também sinto a “expulsão” moral. E a loja me perde para
sempre.

Numa boutique de copa e cozinha, levei essa mirada de cima a baixo,
quando respondi que não procurava nenhum artigo específico, só estava
olhando. Na olhada despretensiosa, há um potencial de compra.
Geralmente avisto algo bom para adquirir antecipadamente como presente
de Natal ou aniversário. Mas o vendedor fica nervoso com cliente que
apenas olha. A legítima preocupação com furtos nas lojas nem sempre é
exercida com sutileza. E o vestir-se com simplicidade suscita dúvidas
quanto ao poder aquisitivo ou às intenções do visitante. Sei de vários
casos constrangedores e ridículos.

Minha amiga herdara finíssima peça de porcelana de sua avó.
Perguntou, num antiquário, o preço do jarro idêntico ao seu, avistado
na vitrina. “É muito cara”, foi a resposta evasiva, seguida do olhar
de desdém de quem tem preconceito de roupa. A interessada explicou: “É
que eu tenho um igual e queria saber quanto vale”. O cara ficou
assanhado:“Pois me interessa comprar”. “Pois não me interessa vender”.

A moça revelava má vontade em mostrar tantas peças de roupa à
cliente de aparência classe C. Esta escolheu algumas, pagou com
American Express e, ao receber a sacola de grife, devolveu-a: “Fique
com tudo pra você, é um presente”. Baixinho, franzino, de bermuda e
camiseta, um colega visitou concessionária de automóveis. Foi
esnobado. Voltou de terno e gravata e foi tratado como príncipe.
Concluída a compra de um zero quilômetro, não deixou por menos: “Sabe
quem eu sou? Aquele mesmo que chegou aqui ainda há pouco, de bermuda e camiseta”.

Certas lojas de móveis e decoração, daquelas freqüentadas por
arquitetos e ambientadores, “botam banca” silenciosa face a visitantes
que não tenham ares de comprador “de nível”. Minha heroína favorita
dessas situações é uma senhora da sociedade pernambucana, já falecida.
Desprovida de vaidades, sem maquilagem, sem unha pintada, podia pagar
qualquer coisa em qualquer boutique, salão de automóvel importado ou
joalharia. Mas sua aparência de “mulher do povo” deixava-a vulnerável
aos olhares “superiores” de alguns atendentes. Em locais onde já fosse
conhecida como rica, era paparicada.

Parodiando o ditado, “quem vê roupa não vê carteira”. Vendedor
que não sabe dessa verdade elementar, perde vendas, sim. Nas
capacitações, é preciso ensinar isto. Discriminar por roupa, tanto é
falta de bondade como de educação. É desrespeito e injustiça contra
quem não pode vestir-se bem por restrições orçamentárias e contra quem
o faz por liberdade de escolha. No fundo, é discriminação por parecer
pobre. Eita mundo besta!
 

Jornalismo com ética e solidariedade.