Theresa Catharina de Góes Campos

  FADOS

Os que sabem ou os que não sabem o que é o fado - canção
portuguesa de caráter fatalista, originária, segundo se supõe, da
modinha e do lundu brasileiros - se enfadam certamente com Fados, do
cineasta espanhol Carlos Saura. Trata-se de uma sucessão de clippings,
feitos de afogadilho com o objetivo de valorizar a “música do povo”,
nos dizeres de Fernando Pessoa, a qual se pretendeu calar após a
Revolução dos Cravos, no momento em que se discute, no âmbito da
Unesco, sua candidatura a Patrimônio Imaterial da Humanidade.

O filme é, na verdade, uma mistura mal-ajambrada de Portugal,
Brasil e África, sem argumento, por não ser talvez conveniente, e,
pior, sem fio condutor. Saura, realizador de, entre outras películas
notáveis, Bodas de Sangre, baseada na peça de Federico Garcia Lorca,
não teve, dessa vez, a prudência de elaborar um roteiro para expor o
que pretendia como essencial: a origem do fado; a variada tipicidade
que a música adotou ao longo do tempo e a homenagem a fadistas
famosos.

Tudo isso fica mais ou menos implícito nas imagens, captadas
pelas câmaras de Eduardo Serra e de José Luis Lopez, que o realizador
espanhol cria em estúdio, orientado naturalmente por um consultor
musical – Rui Vieira Nery - e fazendo uso de painéis, de bastidores,
de rotundas espelhadas, de iluminação de efeito, de luz de vela, de
projeções e de coreografia, esta muito bisonha, para dar ambientação
aos intérpretes dos variados tipos de fados.

E eles são muitos, mas são poucos os que realmente se destacam:
Mariza, por exemplo, cantando Meu Fado Meu e, no final, Ó Gente da
Minha Terra; Ou Camané (Carlos Manoel Moutinho), em Quadras e em Sopra
Demais o Vento; Ou ainda Cuca Roseta, no tradicional Rua do Capelão.
Carlos do Carmo, um dos idealizadores do trabalho de Saura, que já não
tem aquele timbre de voz de antanho, dá conta do recado quase
satisfatoriamente ao interpretar Um Homem na Cidade e Fado da Saudade,
que lhe valeu, por sinal, o prêmio Goya (2008), de Melhor Canção
Original.

A participação dos brasileiros - Chico Buarque de Holanda,
Caetano Veloso e Toni Garrido - é, por assim dizer, desastrosa. O
primeiro, se insere de forma gratuita, forçada, fazendo alusão pouco
convincente, no caso, à Revolução dos Cravos, para cantar o seu Fado
Tropical, intercalado por um poema de Rui Guerra, dito por Carlos do
Carmo; o segundo procura apoio num arriscado falsete para interpretar,
em estilo dito como “pessoal”, Estranha Forma de Vida, de Amália
Rodrigues; e o terceiro, com sotaque urbano, carioca, naufraga feio na
sua cantoria do lundu mineiro Menina, você que tem.

Mas o mais lamentável, nessa obra de Saura – complemento,
segundo ele, da trilogia iniciada com Famenco e Tangos – é a parte das
homenagens, que, na sua pobre mise-en-scène, não têm qualquer
expressividade. E isso é o importante. Tanto assim que os muitos
fadistas esquecidos ficaram, a meu ver, em melhor situação que os
poucos lembrados. Amália Rodrigues – que está para Portugal como Edith
Piaf para a França – aparece numa breve imagem de arquivo, tomada
durante um ensaio em que ela se mostra insegura, ainda na fase de
preparo de uma canção, acertando o tom pela partitura. Ora, será que
não haveria outra de suas impecáveis apresentações dentro e fora de
Portugal?... Ou se deve atribuir isso ao desprezo que ainda se tem
pela grande cantora no meio dos feitores da cultura portuguesa da
atualidade?

Convém destacar, entretanto, que, apesar dos senões por mim
apontados, Fados, de Saura, conquistou, além do prêmio Goya destinado
à Melhor Canção Original (2008), a Concha de Ouro do Festival de San
Sebastian (2007). E ainda recebeu o prêmio de Melhor Documentário -
que o filme evidentemente não chega a ser -, do Círculo de Escritores
Cinematográficos de Madri (2008), bem como indicações nessa mesma
categoria e na de Melhor Fotografia tanto para o Goya, como para o
Prêmio de Filmes Europeus...

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA

FADOS

Portugal/Espanha/ 2007
Duração – 85 minutos
Direção – Carlos Saura
Roteiro – Ivan Dias e Carlos Saura
Produção – Ivan Dias, Luis Galvão Teles e Antonio Saura
Fotografia – José Luis Lopez e Eduardo Serra
Consultor Musical – Rui Vieira Nery
Edição – Julia Juaniz

Elenco – Carlos do Carmo, Mariza, Cesária Évora, Argentina Santos,
Chico Buarque de Holanda, Toni Garrido, Miguel Povedo, Ana Sofia
Varela, Caetano Veloso, Lila Downs, Camané, Cuca Roseta, Alfredo
Marceneiro e outros.

NOTA DA EDITORA:

Embora eu endosse todos os comentários de Reynaldo Domingos Ferreira
sobre as falhas na produção, realização e no roteiro de "FADOS", devo
aqui registrar uma confissão bem pessoal: a magia musical dos versos
me levou a quase chorar ao término do filme. Senti-me inconformada e
triste com o fim do espetáculo, cuja sensibilidade conduziu meu
coração de cena a cena, me comovendo profundamente. Outras pessoas
também me falaram sobre o mesmo arrebatamento, testemunhando idêntico
encanto quando assistiram a "FADOS".

Theresa Catharina de Góes Campos
São Paulo, 13 de novembro de 2009.


From: Theresa Catharina de Goes Campos
Date: 2009/11/16
Subject: Que preciosidade de comentário, amiga querida! Muito obrigada
por ter compartilhado seus sentimentos, suas impressões e tantas
informações!Re: PRIORIDADE MÁXIMA)) FADOS - Reynaldo Domingos Ferreira
To: Ana Falcão


Ana:

Que preciosidade de comentário, amiga querida! Muito obrigada por ter
compartilhado seus sentimentos, suas impressões e tantas
informações...
assim recomendando o filme "Fados", apesar das imperfeições técnicas.
Versos e música, interpretados com sensibilidade, conseguiram superar
esses obstáculos na trajetória dessa obra cinematográfica realizada
sem o esmero e a dedicação que habitualmente esperamos de Carlos
Saura.

Abraços carinhosos de
Theresa Catharina

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2009/11/16 adfalcao


Querida Theresa,
Concordo com você no que diz respeito à emoção que o filme transmite: a  música é tocada com vibração e, desse modo, toca profundamente à maioria dos amigos que comparecem à Academia de Tênis para assistir a "Fados".
Um depoimento pessoal: "Fados" me leva de volta à Parreirinha da Alfama, onde canta Argentina dos Santos e onde tive o privilégio de ir muitas vezes. Argentina e outras fadistas dirigem a casa com muito amor à música e à culinária. Talvez seja ela a principal cantora tradicional atualmente. Isso sem falar das histórias que me contou de quando esteve no Brasil. Claro, eu já era "íntima"... As moças compram os ingredientes cedo, botam o bacalhau de molho, preparam e servem as refeições à noite. Depois do jantar, entoam lindas e tristes melodias acompanhadas pela viola e pela guitarra portuguesas, com certeza. .

Por outro lado, agora moderno, Marisa, a moçambicana, faz-nos reviver sua apresentação na Sala Villa Lobos, quando , mesmo exausta após inúmeras horas no aeroporto em greve de SP, cantou inspiradíssima. Teceu loas ao nosso maestro Jaques Morelembaum, presente no palco e responsável pelos arranjos.

Por tudo isso e pelo apelo emocional da música, recomendo o filme.

Abraços
Ana


From: REYNALDO FERREIRA
Date: 2009/11/19
Subject: RE: Que preciosidade de comentário, amiga querida! Muito
obrigada por ter compartilhado seus sentimentos, suas impressões e
tantas informações!Re: PRIORIDADE MÁXIMA) FADOS - Reynaldo Domingos
Ferreira
To: theresa.files@gmail.com


Prezada Theresa Catharina,

Fico satisfeito de saber como nossos comentários têm suscitado tantos
outros sobre o filme "Fados", de Carlos Saura. Esse debate é realmente
muito importante. Parabéns. Forte abraço, Reynaldo

 

Jornalismo com ética e solidariedade.