Theresa Catharina de Góes Campos

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O erro do STF e a justiça na CCJ 27/10/2009 | 20:20
O Supremo errou e o Congresso tem o dever de consertar

*Sérgio Murillo de Andrade

Perplexos e indignados, os jornalistas brasileiros enfrentam neste
momento uma das piores situações da história da profissão no Brasil.
Contrariando todas as expectativas da categoria e a opinião de grande
parte da sociedade, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria,
acatou, em junho passado, o voto do ministro Gilmar Mendes
considerando inconstitucional o inciso V do art. 4º do Decreto-Lei 972
de 1969 que fixava a exigência do diploma de curso superior para o
exercício da profissão de jornalista. Outros sete ministros
acompanharam o voto do relator. Perderam os jornalistas e também os
180 milhões de brasileiros, que não podem prescindir da informação de
qualidade para o exercício de sua cidadania.

O presidente-relator e os demais magistrados, sem saber o que é o
jornalismo, mais uma vez - como fizeram no julgamento da Lei de
Imprensa - confundiram liberdade de expressão e de imprensa e direito
de opinião com o exercício de uma atividade profissional
especializada, que exige sólidos conhecimentos teóricos e técnicos,
além de formação humana e ética.

O voto do STF humilha a memória de gerações de jornalistas
profissionais e, irresponsavelmente, revoga uma conquista social de
mais de 40 anos. Em sua lamentável manifestação, Gilmar Mendes defende
transferir exclusivamente aos patrões a condição de definir critérios
de acesso à profissão. Desrespeitosamente, joga por terra a tradição
ocidental que consolidou a formação de profissionais que prestam
relevantes serviços sociais por meio de um curso superior.

De todos os argumentos contrários a esta exigência, o que culpa a
regulamentação profissional e o diploma em jornalismo pela falta de
liberdade de expressão na mídia talvez seja o mais ingênuo, o mais
equivocado e, dependendo de quem o levante, talvez seja o mais
distorcido, neste caso propositalmente.

Qualquer pessoa que conheça a profissão sabe que qualquer cidadão pode
se expressar por qualquer mídia, a qualquer momento, desde que ouvido.
Quem impede as fontes de se manifestar não é nem a exigência do
diploma nem a regulamentação, porque é da essência do jornalismo ouvir
infinitos setores sociais, de qualquer campo de conhecimento,
pensamento e ação, mediante critérios como relevância social,
interesse público e outros. Os limites são impostos, na maior parte
das vezes, por quem restringe a expressão das fontes - seja pelo
volume de informações disponível, seja por horário, tamanho, edição
(afinal, não cabe tudo), ou por interesses ideológicos, mercadológicos
e similares. O problema está, no caso, mais na própria lógica temporal
do jornalismo e nos projetos político-editoriais dos donos da mídia.

Nunca é demais repetir, também, que qualquer pessoa pode expor seu
conhecimento sobre a área em que é especializada. Por isso, existem
tantos artigos, na mídia, assinados por médicos, advogados,
engenheiros, sociólogos, historiadores e, inclusive, os políticos. E
há tanto debate sobre os problemas de tais áreas. A própria
regulamentação profissional prevê a função de colaborador. Além disso,
nos longínquos recantos do país existe a figura do provisionado, até
que surjam escolas próximas. Deve-se destacar, no entanto, que o
número de escolas cobre, hoje, quase todo o território nacional.

O Brasil tem uma tradição jurídica de regulamentar o exercício da
maioria das profissões, especialmente as de nível superior. É função
do Estado determinar parâmetros e requisitos mínimos no processo de
formação do futuro profissional, estabelecendo padrões de qualidade na
prestação de serviços à sociedade. Dessa forma, a regulamentação é
meio legítimo de defesa corporativa, mas sobretudo certificação social
de qualidade e segurança ao cidadão.

Alguns dizem que só devem ser regulamentadas profissões que, de alguma
forma, no seu exercício possam causar danos à sociedade: Medicina e
engenharia, por exemplo. É verdade? Levando ao extremo esse raciocínio
torto, qualquer um pode ser juiz ou advogado? E jornalismo
irresponsável, desqualificado, não causa danos, por vezes
irreparáveis?

Jornalistas têm, sim, uma profissão, específica e singular. Por isso,
o exercício da profissão, assim como o de outras com as quais atua de
forma estreita, precisa ser regrado por uma regulamentação que dê
conta de abarcar as suas funções exclusivas a partir do entendimento
de quais são os seus fazeres. E na regulamentação profissional é que
tratamos, como em qualquer outra profissão, de garantir não apenas a
defesa de uma categoria como também, e principalmente, a qualidade, a
ética, a responsabilidade, a pluralidade para o cumprimento da função
social reservada ao jornalismo.

Outro argumento inaceitável usado pelos patrões e pelos juízes do
Supremo é que o diploma era um entulho autoritário produzido pela
ditadura militar. Na fundação da ABI, em 1908, portanto há mais 100
anos, a categoria já discutia a importância da formação escolar. Em
1918, quarenta e seis anos antes de se instalar a ditadura de 1964, os
jornalistas reunidos no primeiro Congresso da categoria, no Rio de
Janeiro, defenderam a formação específica em jornalismo para o
exercício da profissão. E seguiram lutando por essa bandeira e pela
regulamentação profissional.

Foi graças à mobilização e à pressão da categoria que, depois de mais
de 50 anos de luta, conquistou-se a exigência do diploma, nos termos
previstos desde o final da primeira década do século 20. Ameaça, de
fato, à liberdade de expressão é a crescente concentração da
propriedade dos meios de comunicação, sobre a qual, aliás, não se
observa nenhuma manifestação da Justiça.

A profissão de jornalista está consolidada não apenas no Brasil, mas
em todo o mundo. A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), neste
momento, está preocupada em rechaçar os ataques e as iniciativas de
desqualificar a profissão, impor a precarização das relações de
trabalho e ampliar o arrocho salarial existente, objetivos explícitos
na ação desregulamentadora e muitas vezes ignorados por ingênuos ou
mal intencionados.

A Fenaj mantém o compromisso público de seguir lutando em defesa da
regulamentação da profissão e da qualificação do jornalismo.
Acreditamos que neste momento cabe ao Congresso Nacional recuperar
suas prerrogativas indevidamente usurpadas pelo STF e resgatar através
de emenda à Constituição ou projeto de lei a exigência do diploma.

Somos 80 mil jornalistas brasileiros. Milhares de profissionais que,
somente por meio da formação, da regulamentação e da valorização do
seu trabalho, conseguirão garantir dignidade para a categoria, além de
qualidade, respeito ao interesse público, responsabilidade e ética no
jornalismo.

*Presidente da FENAJ - Federação Nacional dos Jornalistas

Publicado no site Comunique-se, de 26/10/2009
 

Jornalismo com ética e solidariedade.