Theresa Catharina de Góes Campos

  500 DIAS COM ELA

Com referências a filmes, músicas e quadros famosos, o estreante
Mark Webb, egresso da produção de vídeoclipes, faz, em 500 Dias Com
Ela, uma comédia romântica, poética e bem humorada, de uma corriqueira
conquista amorosa, narrada, porém, num formato original,
não-cronológico, e com a utilização de variados recursos estéticos e
fantasiosos.

O roteiro de Scott Neustadter e Michael Weber se apoia num
narrador (Richard McGonagle) para expor o período de 500 dias em que
transcorre o envolvimento dos protagonistas – Tom Hanson (Joseph
Gordon-Lewitt) e Summer Finn (Zooey Deschanel). Mas, se a primeira
cena acontece no 488º dia, quando ambos aparecem numa audiência
judicial, a seguinte já não obedece à cronologia, pois, nela, Tom está
reunido com o seu chefe Vance (Clark Gregg), quando este lhe apresenta
Summer, sua nova assistente.

Tom se encanta com a beleza de Summer ( na tradução, Verão,
alusão à estação em que não só as chuvas são passageiras), e sobre
isso comenta com os colegas. O narrador explica que Tom cresceu
ouvindo a história de que existem almas gêmeas que, um dia, podem se
encontrar. E outras lorotas que tais!... E, pior, na adolescência, nos
anos sessenta, segundo ainda o narrador, ele entendeu de maneira
errônea a mensagem de A Primeira Noite de Um Homem, de Mike Nickols,
símbolo da contracultura da época.

Embalado por essa convicção, Tom se mostra ansioso por uma
oportunidade para conversar, com mais vagar, com Summer, sem as
atribulações do dia a dia no trabalho. Isso acontece, certa noite,
quando a encontra no karaokê, que ele frequenta com os amigos. Então,
mais seduzido fica ainda ao vê-la cantar com um sorriso insinuante,
que atribui ser para ele...

E, de fato, é, pois, logo depois, aceitando sentar-se à mesa,
com ele e com os amigos, Summer lhe dá bem noção disso. Ressalva, entretanto,
que a ela interessa apenas a amizade, já que, em sua opinião, não há
sentimento que sempre dure. Tanto assim que, conforme alega, os pais
dela acabaram se separando. Todo o castelo de sonhos de Tom, ao final
daquela noite, despenca, vem abaixo.

Mas a Summer, uma experiente, que, desde o colégio, tivera
algumas “amizades”, não custa testar até aonde vai a resistência de
Tom. Ele é um apaixonado por arquitetura, porém trabalha, como simples
ilustrador de cartões de saudações de nascimento, de aniversário, de
casamento e até de morte. Quando ele sai, em companhia dela, pelas
ruas de Los Angeles, admirando a linha arquitetônica de edifícios
construídos ao início do século XX, revela, por exemplo, o seu
conservadorismo.

Mas o teste maior a que Tom se submete evidentemente acontece na
noite em que Summer o convida a ir ao seu apartamento (decorado, por
sinal, com a reprodução de um quadro de Cézanne), passar a noite com
ela. Então, na manhã seguinte, se opera repentina alteração no
comportamento de Tom que, se julgando previamente vencedor e divagando
pelas ruas e avenidas, em contato com os transeuntes, passa a ver a
vida como se fora um verdadeiro musical.

É a partir daí que a linguagem de Webb ganha intenso brilho,
auxiliada não só por uma trilha sonora de excepcional qualidade, de
Mychael Danna e Rob Simonsen , como também por dois intérpretes,
Joseph Gordon-Lewitt e Zooey Deschanel, que se ajustam cabalmente à
linha de sua direção. Esta abrange, além de outras especificidades de
mise-en-scène e do esmero na composição de planos captados pela
fotografia de Eric Steelberg, a repartição da tela em quadros –
expectativa/realidade – a coreografia, o grafismo e a animação. A par
disso, Webb expõe, en passant, suas preferências por filmes suecos e
franceses e por Guerra nas Estrelas, de George Lucas.

Como ainda advertira o narrador, a película não conta uma
história de amor. Por isso, Tom, vendo-se forçado a esquecer Summer, e
não tendo condições de se entregar à literatura como Henry Miller,
segundo lhe lembrara um amigo, volta a ficar na expectativa de que
outra criatura, próxima de seus sonhos, um dia, lhe apareça. E não é
que ela vai surgir?... Justo num ambiente de arquitetura
tradicionalista, requintada, como não poderia deixar de ser e, com que
nome?... Autumn (Outono), que sugere, afinal, o sentido da maturidade,
de que Tom precisa. Uma jóia.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA

500 DIAS COM ELA
500 DAYS OF SUMMER
EUA/2009
Duração – 95 minutos
Direção – Mark Webb
Roteiro – Scott Neustadter e Michael Weber
Fotografia – Eric Steelberg
Música Original – Mychael Danna e Rob Simonsen
Edição – Alan Edward Bell

Elenco – Joseph Gordon-Lewitt (Tom Hanson), Zooey Deschanel (Summer
Finn), Geoffrey Arend (McKenzie), Chloe Moretz ( Rachel Hanson), Clark
Gregg (Vance), Patricia Belcher (Millie), Rachel Boston (Alison).

NOTAS DA EDITORA

Para muitos, como eu, acreditar no amor e até em almas gêmeas, não é, de forma alguma, viver em um mundo de fantasia, esperando que essas supostas lorotas venham a se concretizar. A realidade tem três dimensões, não se limitando ao que seria uma conceituação unidimensional. Pensamentos e sonhos são tão verdadeiros ou mais realistas, em diversas circunstâncias, que objetos por nós tocados, porque se revestem daquela característica de permanência além das fronteiras delimitadas por espaços e materiais frágeis...uma fragilidade revelada com a passagem do tempo e o impacto destruidor das forças da natureza.

Os ideais escolhidos são caminhos, rotas e mapas para uma existência definida em parâmetros e valores. Ao invés de limites, assumem o papel de metas a cumprir no percurso orientado por sentimentos, tão importantes quanto mensurações supostamente pragmáticas, utilitaristas, exatas... embora terminem por se mostrar relativas e circunstanciais.

A sabedoria popular, aliás, costuma repetir a sua fé inabalável numa outra realidade, a metafísica... : "Deus faz as almas aos pares."
E também propaga: "Casamento e mortalha no céu se talha."

Em "Terra dos Homens", Antoine de Saint-Exupéry ensina: "Amar não é olhar um para o outro. Mas olhar juntos na mesma direção."

Em "Cidadela", obra publicada somente após a sua morte, o escritor e jornalista, herói e aviador francês escreveu: "O amor é o exercício do coração".
Nessa frase pequenina e singela, com três palavras essenciais na vida de um ser humano - amor, coração, exercício - há o destaque para a disciplina rotineira, que exercita o sentimento para manter, não deixar que se apague a chama do amor.

O protagonista masculino do filme 500 DIAS COM ELA sofreu a desilusão amorosa, não porque acreditava no amor, e sim porque, de tão ansioso em sua busca do amor, deixou-se confundir pela atração física, de tal modo, que se recusava a compreender a mensagem verbal explícita, as palavras tão claras de que não seria um relacionamento sério.
De fato, nem amor nem amizade, sentimentos que não se desenvolvem no pântano do egoísmo.

Talvez ele precisasse, mesmo, desse processo de aprendizado sentimental, para que se aprofundasse, pelo sofrimento, no que lhe permitiria caminhar, posteriormente, sem ansiedade , e sim, com maturidade, em direção à pessoa certa para ele.

Theresa Catharina de Góes Campos
São Paulo, novembro de 2009

 

Jornalismo com ética e solidariedade.