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From: Tereza Lúcia
Halliday
Date: 2010/1/4
Subject: Navegação dosada
I N T E R N E T A N D O
Tereza Halliday – Artesã de Textos
Não falta beleza a meus dias. Deslumbramentos,
da Patagônia ao Polo Norte, de Paris a Pequim.
Em vez da burocracia dos embarques e
desembarques, esperas, cadeiras apertadas a
bordo, a viagem se dá instantaneamente – e com
trilhas sonoras! Amigos enviam a passagem de
graça nos arquivos PPS, avisando: “É um pouco
longo, mas vale a pena”! Acumulo penas que
valem, como as milhas do viajante de avião. E
cliques na seta para mudar de slide, enquanto as
palavras se formam, letra por letra, no estilo
cartilha para alfabetizando.
Não me falta conhecimento sobre meu corpo,
graças aos desvelos de informantes
conscienciosos: sei o que devo e não devo comer,
como funcionam meu fígado, coração, e rins; como
respirar, relaxar, prolongar a juventude,
retardar o envelhecimento e morrer bem saudável!
Se eu adoecer, será de minha inteira
responsabilidade. Os amigos bem que me
ensinaram, via Internet, como ter saúde, beleza
e bem-estar. Inclusive exercícios de alongamento
para não ficar de pescoço teso, nem bumbum
achatado, nem contrair L.E.R. enquanto viajo e
aprendo na telinha. Só não recebi conselho para
passar menos tempo no computador.
Não me faltam alertas para viver com segurança.
Conheço as novas modalidades de assalto,
estelionato, seqüestro, furto, roubo de senha
bancária, graças aos remetentes de mensagens
marcadas “Urgentíssimo”, com a intenção fraterna
de poupar-me de ser otária ou vítima fatal.
Tampouco me falta do que rir ou chorar, do que
me indignar ou enternecer, graças aos e-mails
contra o presidente da República, os palestinos,
o governo de Israel, o técnico da Seleção;
e-mails a favor do presidente da República, dos
palestinos, de Israel e da menina-prodígio;
exortações em prol do comportamento
ecologicamente correto; detalhes do novo
escândalo corporativo ou governamental; apelos
urgindo apoio aos pais da criança desaparecida,
ao bebê que precisa de um transplante, ao
escritor preso em seu país por escrever o que
pensa.
Não me falta o que fazer na Internet. Pena que
ainda não possa delegar-lhe a execução das
tarefas domésticas e de higiene pessoal. Mas já
posso contribuir para o andamento do Cosmos se
tuitar, em uma só linha, o que estou fazendo no
momento. Só não devo dizer “Estou passando o fio
dental”, porque seria uma seboseira digitar isto
concomitantemente.
Internetar é preciso. Na mesma cadeira, ouço
música, vejo filme, compro, vendo, consulto
enciclopédias e clínicas, viajo, tenho aulas
sobre qualquer assunto a qualquer hora - se o
provedor de acesso não estiver de porre. Ao ler
e-mails, ajudo os remetentes a aplacar a sede de
informar, alertar, compartilhar humor, furor,
embevecimento. Sede que também me ataca, humana
que sou. Mas, enquanto a Microsoft não inventar
o programa “diadecemhoras.exe”, tô fora dos
sites de contatos virtuais. Orkut, Facebook,
Twitter? Não, obrigada. Os relacionamentos reais
reivindicam seus direitos e me apraz dar-lhes
prioridade.
(Diário de Pernambuco, 4/01/2010, p.A-15)
Tereza Lúcia Halliday, Ph.D.
Artesã de Textos
www.terezahalliday.com |
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