DEVEMOS CONTAR A ELAS
SOBRE ZILDA
Tereza Halliday –
Artesã de Textos
A bandeira brasileira
estava dignificada sobre o esquife da
dra. Zilda Arns Neumann (1934-2010). Há
muito enterro de político por aí, onde
até a bandeira do clube de futebol do
falecido fica envergonhada de cobrir seu
caixão. Alguns dos ainda vivos, muito
vivos, derramaram belas palavras sobre
essa educadora mor, de quem só se pode
mesmo falar bem. Médica pediatra e
sanitarista, co-fundou e dirigiu a
Pastoral da Criança e a Pastoral do
Idoso, na Igreja Católica. Com medidas
simples, como o soro caseiro e bons
hábitos de higiene e nutrição, conseguiu
reduzir a mortalidade infantil em
famílias paupérrimas, por este Brasil
afora. Dizem que verba em suas mãos
rendia porque não era desviada nem
subtraída. Seu empenho era “formar a
massa crítica das comunidades cristãs e
de outras religiões, em favor da
proteção da criança”. Deu testemunho
de um espírito cristão difícil de
encontrar até mesmo entre certos padres
e pastores.
Nas “Reflexões de
Caminhante para Companheiros de Vida”,
palestra que pronunciaria no Haiti, não
tivesse sucumbido ao terremoto, Zilda
chama “tanto católicos como de outras
confissões e culturas” para
trabalhar pela paz, que é “uma
conquista coletiva”. Insiste que “a
construção da paz começa no coração das
pessoas e tem seu fundamento no amor,
que tem suas raízes na gestação e na
primeira infância e se transforma em
fraternidade e responsabilidade social”.
Ou seja, não é pra criança nascer e
viver aos emboléus.
“Companheiros de Vida”,
assim ela chamou a todos. Laço mais
forte que companheiro de partido ou de
igreja. Honrou-o vivenciando sua própria
receita de saúde social: atenção aos
mais necessitados e uso honesto de
recursos. Para Zilda, “a solução da
maioria dos problemas sociais está
relacionada com a redução urgente das
desigualdades sociais, com a eliminação
da corrupção, a promoção da justiça
social, o acesso à saúde e à
educação de qualidade...”. Coisas
que os gestores públicos estão carecas
de saber, mas ditas por uma pessoa que
merecia ser tombada no acervo do
Patrimônio Moral Nacional, são um ditame
– aquilo que a consciência e a razão
determinam que deve ser.
Eis suas últimas palavras
no texto da palestra não proferida: “Como
os pássaros, que cuidam dos seus filhos
ao fazer um ninho no alto das árvores e
nas montanhas, longe dos predadores,
ameaças e perigos e mais perto de Deus,
deveríamos cuidar de nossos
filhos como um bem sagrado, promover o
respeito a seus direitos e
protegê-los”.
É preciso contar às
crianças da nossa família – nossos “bens
sagrados” – sobre a pessoa, profissão e
missão dessa discreta e laboriosa
mulher. Para que conheçam outros role
models (modelos de papéis a
desempenhar na vida) além dos mais
badalados pela mídia. Não é indigno
aspirar a ser vocalista de banda ou
modelo de passarela. Mas bacana mesmo
seria ouvir meninas e meninos dizerem:
“Quando eu crescer, quero ser como Zilda
Arns”.
(Diário de
Pernambuco, 01/02/2010, p.A-11).