Theresa Catharina de Góes Campos

 

ILHA DO MEDO

      Com um elenco de grandes astros, Martin Scorsese realiza, em  Ilha do Medo, um thriller, com excelente ambientação, reconstituindo a década de cinquenta, no auge da Guerra Fria, para narrar a história de um detetive que vai a um hospital psiquiátrico, de segurança máxima, destinado a criminosos insanos, a fim de investigar o misterioso desaparecimento de uma paciente.

      O roteiro de Laeta Kalogridis é baseado na novela Shutter Island, de Dennis Lehane, autor também de Mystic River, que Clint Eastwood adaptou para o cinema com o título de Sobre Meninos e Lobos. O protagonista, Edward “Teddy” Daniels (Leonardo DiCaprio), é também um veterano da II Guerra Mundial, que ajudou a liberar o campo de extermínio de Dachau, cujas tétricas lembranças ainda o afetam psiquicamente.

     Além disso, conforme Teddy revela a Chuck Aule (Mark Ruffalo), seu novo companheiro de investigação, que fica conhecendo no barco a caminho da ilha, ele sofreu outro grande trauma. Foi o prematuro desaparecimento da mulher Dolores Chanal Daniels (Michelle Williams), morta durante um incêndio criminoso provocado por um indivíduo, Andrew Laeddis (Elias Koteas), que ele acredita poder encontrar também no manicômio.

     Chuck fica curioso para saber, se isso acontecesse, qual seria a reação de Teddy: - Você iria matá-lo? – indaga-lhe.  Teddy nega-lhe, entretanto, essa intenção, lembrando que, para liberar o campo de extermínio, ele e os companheiros de regimento tiveram de fuzilar todos os soldados alemães que lá estavam. (As imagens, tomadas no local, são impactantes). E acrescenta: - Eu já matei muita gente!...

     Quando os dois policiais chegam ao hospital, eles percebem que não terão ali as regalias usuais para cumprir sua missão. A primeira restrição é a do uso de armas, que lhes são tomadas, sob protestos, logo à entrada. Em seguida, o Dr John Cawley (Ben Kingsley ), além de lhes dar ciência de outros impedimentos que terão para atuar, traça para eles o perfil da paciente Rachel Solando (Emily Mortimer), a fugitiva, que, segundo acredita, ainda se encontra na ilha.

     Intensificam-se então as buscas à prisioneira por lugares ermos e perigosos – como convém a um bom thriller -, enquanto começa a chover em toda a região. Os policiais procuram ouvir pacientes que estiveram com Rachel antes do seu sumiço. Uma das inquiridas aproveita o instante de ausência de Chuck para aconselhar a Teddy por escrito: “Fuja”. A partir de então um furacão assola a ilha, e o argumento se desenvolve de acordo com o receituário de obras do gênero, tornando mais ou menos previsível para o espectador o que vai acontecer.

     Mas o suspense continua, sem qualquer quebra de impacto, graças à habilidade com que Scorsese enquadra sua narrativa em labirintos kafkianos. É sob essa clausura que ele coloca Teddy numa busca desesperadora por Laeddis e por Rachel, pontilhada por trilha sonora riquíssima e variada, em que se destacam Mahler e Penderecki. Sem descurar da compreensão de que cinema é testemunha de uma época, o realizador cria imagens que estabelecem, com precisão, as ligações dos dois tempos vividos pela personagem no plano real e no subjetivo. Para tanto, ele se esmera na estética visual e no figurino, característico da chamada suburban life, representada pelos ternos de tweed usados por Teddy e por Chuck.

     Leonardo DiCaprio é, por isso, posto à prova em situações bizarras. Na pele de Teddy, ele se sai bem tanto atrás das grades, onde encontra George Noyce, interpretado por Jackie Earle Haley, como escalando as misteriosas escadarias do farol em cujo topo se localiza o segundo consultório do Dr. Cawley.  Ou ainda descendo as escarpas da ilha, que dão para o mar, onde Teddy vai descobrir, abrigada numa caverna, repleta de ratos, a Dra. Rachel Solando (Patricia Clarckson).

     A atriz Michelle Williams personifica, com propriedade, a meiga e débil Dolores Chanal Daniels, sempre presente no pensamento de Teddy.  Mark Ruffalo cria, com discreta correção, a figura dúbia de Chuck Aule, que incentiva Teddy a ir sempre avante em suas incansáveis investigações desde que ele possa acompanhá-las de perto.  Em breves, mas marcantes aparições, estão também Ben Kingsley, o bergmaniano Max Von Sydow e Elias Koteas.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
ILHA DO MEDO
THE SHUTTER ISLAND

EUA/2010
Duração – 138 minutos
Direção – Martin Scorsese
Roteiro – Laeta Kalogridis com base na novela The Shutter Island, de Dennis Lehane
Produção – Martin Scorsese, Brad Fischer, Arnold Messer
Fotografia – Robert Richardson
Trilha Sonora – Jennifer L. Dunnignton e Robie Robertson
Edição – Thelma Schoonmaker

Elenco – Leonardo DiCaprio (Teddy Daniels), Michelle Williams (Dolores Daniels), Mark Ruffalo (Chuck Aule), Ben Kingsley (Dr. Cawley) Jackie Earle Haley (George Noyce), Elias Koteas (Andrew Laeddis), Max Von Sydow (Dr. Naehring), Emily Mortimer (Rachel Solando), Patrícia Clarckson (Dra. Rachel Solando). 
 

 
NOTAS  DA  EDITORA:
 
De: Theresa Catharina de Goes Campos
Data: 13 de março de 2010 09:34
Assunto: ILHA DO MEDO
 
 
Por que as pessoas, mesmo as mais sensíveis, deveriam vencer sua resistência íntima e "entrar" como espectadoras em uma prisão psiquiátrica, enfrentando os temas difíceis presentes no cotidiano de clima pesado e sombrio dos pacientes, médicos e todos que ali vivem e trabalham?
 
Qual o motivo para essa proposta de "convivência intelectual" diante de uma realidade que não nos parece dizer respeito? Ou que gostaríamos de esquecer?
 
Por que tomar contato com os tipos de tratamento, inclusive os mais radicais e abomináveis?

Uma razão fundamental recomenda "ILHA DO MEDO": filme excelente, expõe em profundidade o problema universal e seminal da violência.
 
Desencadeadora de tragédias cujos efeitos permanecem, causando sofrimentos duradouros aos envolvidos de algum modo nesses atos de efeitos circulares, crescentes, por suas consequencias atingindo, além dos que a praticaram, e das vítimas identificadas como tais, a violência provoca traumas nos que, em um momento qualquer, a presenciaram. 
 
Dessas reflexões, esperamos de todos nós uma conscientização ativa, para que o assunto da violência seja abordado, na sociedade e na família, com a urgência e competência requeridas.
Talvez, então, cheguemos a compreender, numa conceituação realista, humanística também, a multifacetada insanidade. 
 
Theresa Catharina
 

Jornalismo com ética e solidariedade.